O Estado de S. Paulo
Em vez de votar contra, vamos votar a favor, escolhendo uma proposta que contribua para a construção do País que queremos
Escrevo este artigo com razoável otimismo.
Isto porque a discussão dos pré-candidatos à Presidência da República vem subindo
de nível, coincidindo com as aflições de todos os brasileiros e procurando
respostas às inquietações coletivas. Mais que nomes, a crise exige ideias. O
debate entre eles começa a ser, agora, se é melhor para o País manter o teto de
gastos; como conter a inflação e reduzir os juros; se vamos revogar a reforma
trabalhista ou aprimorá-la.
Essa mudança inspira nova postura também do eleitor, como sugeri em entrevista recente: em lugar de votar contra, vamos votar a favor. Em vez de lutarmos para derrotar o candidato A ou B, vamos escolher uma proposta que contribua para a construção do País que queremos. Daí porque o voto deve levar em conta as ideias sugeridas por uma candidatura, e não apenas para opor-se à outra candidatura. Esse deve ser o critério. Se prevalecer a lógica atual, o resultado das urnas será o ódio a separar ainda mais vencedores e derrotados. O Brasil seguirá invisível, sob o manto da intolerância. Aliás, o ideal seria que o presidente eleito propusesse pacto nacional juntando autoridades públicas, partidos políticos e sociedade para sepultar o passado e construir o futuro.
E já que a discussão saiu do rés do chão e
foi para um nível mais propositivo, sugiro aos pré-candidatos tema relevante: a
Reforma Educacional.
Fizemos, no nosso governo, a Reforma do
Ensino Médio e a criação de 500 mil vagas de ensino em tempo integral. É
preciso dar sequência ao processo de melhoria da qualidade do ensino público,
especialmente da educação básica. É urgente formular respostas contundentes aos
retrocessos provocados pela pandemia na área educacional. Se falharmos, o
crescimento da desigualdade será um dos piores legados da covid-19. Em lugar de
significar uma condenação às nossas crianças e adolescentes mais pobres, esse
vírus deve ser transformado no melhor argumento para virarmos definitivamente a
chave. Fazer brotar uma grande e inédita articulação nacional, reunindo os
governos federal, estaduais e municipais, além de organizações da sociedade
civil, para ombrear em qualidade as escolas públicas e as privadas, com metas e
prazos. Só assim poderemos reduzir de forma sustentável a desigualdade social e
regional.
A crise econômica gestada entre 2011 e 2016
manteve milhões de brasileiros na pobreza exatamente porque as políticas públicas
de emancipação social adotadas desde 2003 se deram quase que exclusivamente no
campo do poder de consumo – muito importante, mas insuficiente. O grande
crescimento do desemprego naquele período vitimou principalmente aqueles que
tinham baixa escolaridade.
O melhor argumento, em defesa de um ensino
público de qualidade, vem de tudo o que já foi feito e dos bons resultados
alcançados. Constatar que é possível nos anima a seguir. Só para dar dois
exemplos, em 1970, 52% das crianças e jovens de 4 a 17 anos estavam fora da
escola, caindo para 3% em 2019. O Indicador de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb) tem revelado vários casos de grande progresso em capitais, como
Teresina e Rio Branco, e cidades como Coruripe (AL) e Sobral (CE). Porém, ainda
há evolução assimétrica, impedindo que os resultados nacionais melhorem com
maior rapidez.
Interessante documento produziu a
organização Todos pela Educação, o “Educação Já”, com uma abordagem estratégica
e sistêmica para uma nova fase evolutiva do ensino básico. Estão elencadas ali
dez metas que considero fundamentais.
Entre os destaques das metas propostas pelo
documento ressaem as mudanças no ensino médio, apesar de termos aprovado a
reforma desta última fase do ensino básico durante o meu governo. Todos sabem
que concluímos, depois de 20 anos de debate, a reforma que mudou profundamente
a estrutura curricular do ensino para os adolescentes brasileiros. Considero o
que foi feito um grande avanço, mas acredito que as escolhas devem ser
desdobramentos dessa grande articulação nacional em prol do ensino público. É
desse movimento que surgirão as melhores soluções.
Há um novo mundo surgindo e o Brasil
precisa estar à altura dos desafios. Que saibamos agir como quem recebe uma
bela oportunidade, não como quem nutre um desejo de vingança. Nada de realmente
relevante poderá ser feito sem o apoio da sociedade brasileira, e é importante
que ela esteja pacificada para tanto.
A experiência já nos mostrou que não
precisamos de salvadores da pátria, mas de líderes, gente com capacidade de
articulação e negociação. Gente que goste de estar junto e misturado.
Precisamos enfrentar nossos desafios sem mais tardar. Há um Brasil esperando
por todos nós e as eleições deste ano se aproximam como um grande reencontro
dos brasileiros com seu próprio País.
*ADVOGADO, PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
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