Correio Braziliense
O professor Hussein Kalout costuma lembrar
que o próximo presidente terá três desafios: pacificação, governança e
reconstrução. Ele terá o desafio de pacificar o país, social e politicamente.
Quebrar a polarização que divide o Brasil em polos divorciados, depois de cinco
séculos de desigualdade social com cara de apartação, e de alguns anos com
líderes, militantes e cidadãos separados em extremos sem diálogo.
Deverá também ser capaz de exercer
governança que permita ao Brasil voltar a funcionar, depois da degradação de
suas instituições, do imenso desequilíbrio fiscal, da corrupção, do
corporativismo e da política sem espírito público. Fazer o país funcionar e o
Estado ter eficiência é um desafio fundamental para o próximo presidente.
Precisará também iniciar a reconstrução do
que vem sendo destruído ao longo dos anos de recessão econômica, sequestro e
aparelhamento do Estado, atraso tecnológico, agravados pela estupidez
revogatória do atual governo eliminando avanços do passado. Esses desafios
seriam enfrentados mais facilmente se as forças políticas tivessem sido capazes
de encontrar propostas, nomes, ideias e forças novas que permitissem, em 2022,
um salto adiante, sem amarras com o passado. Mas isso não ocorreu.
Prisioneiras do radicalismo, do partidarismo e do imediatismo, nossas lideranças políticas não foram capazes de apresentar novidade nas eleições deste ano. Os 12 candidatos que se apresentam têm cara e propostas (ou falta de propostas) características do passado, dificilmente surgirão nomes capazes de trazer ares novos, passar confiança e seduzir o eleitorado, nas poucas semanas adiante, antes das eleições.
Tudo indica que o processo eleitoral
chegará ao segundo turno entre Bolsonaro e Lula, e este último será o nome que
o Brasil disporá para pacificar, exercer governança e reconstruir o país. Mas,
para isso, ele precisará enfrentar dificuldades com a postura tradicional do
partido.
Para pacificar, precisará superar o
comportamento de parte da militância e da direção de dividir o Brasil entre o
PT e o resto; ser capaz de atrair os que são tratados como inimigos por terem
sido discordantes. Esta é uma eleição para o eleito se comportar como
pacificador, não como vitorioso.
Lula passa essa visão quando dialoga com
líderes de outras forças, mas é preciso mais que isso: uma postura de aceitação
de outras forças, propostas e visões dos que desejam tirar o Brasil do abismo,
mesmo discordando do PT. A pacificação é um desafio para vencer a eleição, de
preferência no primeiro turno, e necessária para permitir a governança depois
da posse.
Nesse desafio, o próximo presidente
precisará ser pacificador e responsável. Não haverá governança com
irresponsabilidade fiscal e inflação roubando salários de trabalhadores e
aposentados, tampouco sem reformas em regras que isolam e emperram a economia
brasileira; precisará liberar forças produtivas e barrar privilégios
corporativos que impedem a distribuição da produção. A governança exigirá
sensibilidade social para atender às necessidades das camadas pobres, mas
também responsabilidade com os limites dos recursos, ecológicos ou fiscais.
Seria uma tragédia vencer para acabar com o negacionismo de direita e
substituí-lo por negacionismo de esquerda.
Para reconstruir, Lula precisa olhar para o
futuro, escapando de visões obsoletas de alguns de seus aliados que se recusam
a perceber a realidade do século 21, preferem continuar com ideias superadas,
vendo o próximo governo como instrumento de desfazimento e não de construção.
Não se constrói o futuro com nostalgia do passado.
A governança será fundamental para retirar
o Brasil do atual abismo, reconstruindo nossa economia e nosso tecido social.
Por isso, Lula não pode cair na tentação de revogar e desfazer para voltar a um
passado superado, precisa avançar na construção de uma economia sólida e um
tecido social justo.
A pacificação e a governança vão exigir
comprometimento com a eficiência do Estado a serviço do país e do futuro. Para
tanto, há uma palavra adicional, que serve de liga aos três desafios:
confiança. Para pacificar, governar e construir, Lula e o PT precisam entender
que o Brasil é maior do que qualquer partido e que o futuro não se constrói com
nostalgias que negam a realidade.
*Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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