Valor Econômico
Com Alckmin à espera, PT e PSB reúnem-se na
quinta-feira
Publicado há 70 anos, “O velho e o mar”
traz o duelo eletrizante entre Santiago, um velho pescador, e um peixe gigante,
de mais de cinco metros, que o desafiou em uma aparente centelha de sorte, após
uma maré de revezes. “A sorte é uma coisa que vem de muitas formas, e quem é
que pode reconhecê-la?”, refletiu a certa altura o personagem de Ernest
Hemingway (1899-1961).
Quem conhece a obra, sabe que após uma luta
que se estendeu por tortuosos dois dias e duas noites, a história chegou ao fim
sem vencedor ou vencido, a não ser por um remoto “triunfo interior” que alguns
críticos atribuem ao pescador. “O homem não foi feito para a derrota. Um homem
pode ser destruído, mas nunca derrotado”, ensinou Santiago, em outro trecho do
romance.
O embate entre o velho e o peixe serve de metáfora ao duelo de forças que se desdobra nos bastidores entre PT e PSB. Do desfecho depende a possível indicação do ex-governador Geraldo Alckmin para a vaga de vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na chapa petista.
Tal qual o clássico de Hemingway, a batalha
entre as duas forças de esquerda implica uma combinação de tempo, estratégia e
paciência de ambos os lados. “Posso aguentar tanto tempo quanto ele”, rugiu o
pescador, em outra passagem do livro, num exemplo de persistência.
O próximo “round” da negociação entre PT e
PSB está programado para quinta-feira (20) em Brasília. A presidente do PT,
Gleisi Hoffmann, e o presidente do PSB, Carlos Siqueira, voltam a se reunir
para retomar as discussões sobre a criação de uma federação entre as siglas,
que também abrangeria PCdoB e PV.
Outro impasse envolve os palanques em São
Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. As articulações
desandaram após o último encontro da cúpula dos dois partidos no dia 20 de
dezembro, em São Paulo, que contou com as participações de Lula e do
ex-prefeito Fernando Haddad.
De lá pra cá, o PT lançou a pré-candidatura
do senador Humberto Costa ao governo de Pernambuco, fazendo a terra tremer em
território dominado pelo PSB há 15 anos. A possível escolha de Alckmin como
vice de Lula foi criticada pelo ex-presidente do PT Rui Falcão: “Lula não
precisa de muleta eleitoral”, reprovou Falcão, que é próximo de Lula.
A fala do ex-dirigente contrariou Alckmin e
Haddad, um dos artífices da chapa, porque a composição implica a transferência
de capital político do ex-tucano para a campanha petista ao Palácio dos Bandeirantes.
Para colocar panos quentes, o ex-presidente
do diretório paulista do PT Emídio de Souza, escreveu ontem em seu perfil nas
redes sociais: “O PT já aprendeu há muito tempo que não se faz aliança com
iguais. Lula não precisa de muleta eleitoral, mas de um amplo arco de alianças
para vencer e sustentar um programa de redução da desigualdade social e de
garantias democráticas”. Emídio foi um dos coordenadores da campanha de Haddad
em 2018.
Os defensores da escolha de Alckmin veem no
enlace a mesma força simbólica da união do petista com o empresário José
Alencar há 20 anos.
Em conversa com a coluna, Gleisi comparou o
simbolismo da aliança de 20 anos atrás, com a possibilidade de uma chapa com
Geraldo Alckmin, ou outro político que represente o espectro de centro. “Em
2002, a chapa com Zé Alencar apontou para uma necessária aliança com o setor
produtivo da economia, que se refletiu no plano político, abrindo interlocução
com setores que eram refratários a Lula e ao PT em torno de um programa para o
país”, disse a dirigente petista.
“A composição da chapa de 2022 decorrerá
mais de um processo de alianças políticas porque o país conhece Lula e seu modo
de governar. O que o Brasil não aceita mais são aventureiros e candidatos que
negam a política”, completou Gleisi.
O secretário-geral do PT, deputado federal
Paulo Teixeira, acrescentou à coluna que a sigla ainda fará a discussão formal
sobre Alckmin na vice da chapa petista. “O partido vai amadurecer junto com o
Lula e o fruto desse amadurecimento será a decisão final”, resumiu.
Até lá, as conversas entre PT e PSB evoluem
aos solavancos. No Rio Grande do Sul, a militância petista continua avessa ao
apoio à candidatura ao governo do ex-deputado Beto Albuquerque, um aguerrido
crítico da sigla no passado recente. No Espírito Santo, o PSB quer o apoio do
PT à reeleição do governador Renato Casagrande. Mas o secretário estadual de
Planejamento, Gilson Daniel, filiado ao Podemos, está na pré-campanha do
ex-juiz Sergio Moro.
Em 2018, as negociações entre PT e PSB para
a coligação nacional prolongaram-se até o limite do calendário eleitoral. No
dia 5 de agosto, último dia do prazo legal, o PSB realizou a convenção nacional
formalizando a opção de não apoiar nenhum candidato a presidente, desagradando
a ala do partido que queria marchar com Ciro Gomes. O ato sacramentou o acordo
celebrado entre Gleisi e Siqueira quatro dias antes - após meses de
articulações.
O PSB resistia a se aliar ao PT porque as
lideranças da sigla estavam convictas de que, ao fim, a Justiça Eleitoral
impediria a candidatura de Lula. O nome de Fernando Haddad seria formalizado
somente em 11 de setembro.
Para impedir a aliança com Ciro Gomes, o PT
sacrificou a candidatura da então vereadora Marília Arraes ao governo de
Pernambuco, o que viabilizou a reeleição do governador Paulo Câmara (PSB) no
primeiro turno. O arranjo também minou a postulação de Marcio Lacerda (PSB) ao
governo mineiro, mas o então governador Fernando Pimentel (PT) acabou em
terceiro lugar.
A coligação formal com o PSB repassaria ao
PDT de Ciro Gomes, pelo menos, mais 3 minutos e 50 segundos para a propaganda
eleitoral no rádio e na televisão. O acordo entre PT e PSB enfureceu Ciro
Gomes, que acabou isolado. “Eu que tenho a cabeça fora da linha d’água, estou
ponderando e pedindo muita calma nessa hora", declarou o pedetista, na
ocasião.
Ciro não estava errado: calma, paciência,
tempo e alguma sorte são ingredientes das articulações bem sucedidas, que
envolverão vencedores, derrotados e destruídos, como diria o velho Santiago.
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