terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Carlos Andreazza: O ganha-ganha de Ciro Nogueira

O Globo

Li o artigo de Ciro Nogueira neste GLOBO. O ministro avisa — ameaça: “Na economia, haverá um dia seguinte!”. E pergunta: “Como será?”.

Será com ele no volante.

O texto é a exposição alegre e segura — com delírios metodicamente ministrados — de quem foi consagrado regente do Orçamento no ano eleitoral.

Como será?

O Orçamento de 2022, que já pilota, é a melhor resposta. Uma peça que, mesmo ante os mais de R$ 115 bilhões de espaço fiscal arrombado pela PEC dos Precatórios, mesmo com quase R$ 17 bilhões para emendas do relator, mesmo com possivelmente R$ 5,7 bilhões em fundo eleitoral, ainda assim — dada a sanha da galera — precisará cavar R$ 10 bilhões para recompor gastos obrigatórios propositalmente subestimados pelo Parlamento no seu arranjo. Será assim.

Assim: “Um governo que mais do que duplicou o valor do antigo Bolsa Família (...) Tudo isso sem pedaladas fiscais (...)”. Tudo isso como se a PEC dos Precatórios não tivesse constitucionalizado as pedaladas fiscais.

E a turma quer mais. Quer e terá. Como será?

Está aí, valendo, a consagração de Nogueira, a nova expressão do contrato entre liras e governo, também o novo encolhimento do já minúsculo Paulo Guedes: o Decreto 10.937, por meio do qual Bolsonaro lista delegações (para manejo dos recursos orçamentários) ao ministro da Economia, em seguida ao que condiciona, em movimento sem precedentes, “a prática dos atos à manifestação prévia favorável do ministro da Casa Civil”; que passou a ter controle, o pulo do gato, sobre mudanças solicitadas pelo Congresso no fluxo das emendas do relator — fachada ao exercício do orçamento secreto.

Nogueira é o senhor do Orçamento e vai distribuir. Como será? Está sendo. Bolsonaro já declarou que “hoje em dia estão todos ganhando”. E não se referia a nós, roídos pela inflação — os que ainda têm emprego e alguma grana para ser comida. Falava de deputados e senadores, os que o apoiam, “todos ganhando” dinheiros públicos para suas paróquias: “O Parlamento está muito bem atendido conosco”.

A Guedes sobrando o papel de apregoar bizarra condição para si: sim, perdeu poder com o decreto, admite; mas isso seria bom, porque diminuirá a pressão sobre sua pasta. O vaidoso Posto Ipiranga, um dia ministro de quase tudo, celebrando a própria irrelevância, fica no cargo — e, destelhado o teto de gastos, seu antigo último limite, já informa que continuará fiando a reeleição de Bolsonaro, mas desde que o presidente, na campanha, solte uma palavra de compromisso com a agenda reformista liberal, o novo limite.

Ciro Nogueira, desde há muito medindo o sangue na água, debocha de Guedes e Roberto Campos Neto no artigo. Só pode ser. Grato pelo acúmulo de incompetências que lhe deu o poder. Ou o que será o elogio a “um governo que diminuiu a taxa de juros e praticou a menor de todos os tempos da História recente do país”? O elogio a um Banco Central — elogia também a independência do Banco Central, como se isso não estivesse desmoralizado por um presidente do BC que se comporta como ministro de Bolsonaro — que demorou a reagir ao descontrole de preços, que esteve sempre atrasado, que avaliou que a inflação fosse algo passageiro e que continuou a baixar juros em 2021, talvez encantado pelas palestras de Guedes segundo as quais o vírus cedia, e a economia, no fim de 2020, recuperava-se em V.

Como será? “O dia seguinte do governo Bolsonaro será o teto de gastos, o equilíbrio fiscal (...). Tudo isso é o que o PT já disse querer destruir” — mas ao que o governo atual se antecipou. Serviço feito. Escombros sobre os quais Nogueira fez a cama (e o texto).

Debocha, sim.

Há mesmo “um clima de deslumbramento no ar”. O ministro tem razão. A jactância de quem ganhou, desde a semana passada tutor — agora formal — de Guedes. “Euforia, sensação de vitória inevitável, uma certa soberba.” Por que não? Ou alguém tem dúvida de que Nogueira sairá vencedor de 2022? De que, independentemente do resultado das urnas, estará formado com o próximo presidente, ainda que “com o PT”, numa “guinada para Venezuela, Argentina ou Bolívia”?

E ele nos lembra de que “há um longo caminho até as eleições presidenciais”. Como não estar feliz? Um longo caminho até as eleições — e pilotando o trator do Orçamento. Um longo caminho até as eleições — e a certeza de que estará a serviço do próximo presidente. Ou não terá, aquele que ficaria “com Lula até o fim”, servido aos governos petistas com a paixão ora devotada a Bolsonaro, outrora “fascista”?

Um longo caminho até as eleições — e a liberdade para, tendo quantos apadrinhados, hoje, na administração federal?, exaltar “a compreensão correta de que não podemos ter um Estado inchado, com estatais que funcionam para seus comissários e não para a população”. Quantos apadrinhados Nogueira teria quando sócio dos comissários?

“Nada melhor do que encerrar este artigo inspirado no título do filme que será o que o eleitor brasileiro fará cada vez mais quando chegar a hora: olhe para cima” — escreveu Ciro Nogueira.

Olhe para o bolso — digo eu.

 

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