EDITORIAIS
Rio precisa de um novo plano de recuperação
fiscal
O Globo
É do interesse de todos os brasileiros o
debate em curso sobre a saúde fiscal do Estado do Rio. O Rio, como outros entes
da Federação, está quebrado. A despesa é maior que a receita, e o estado
depende da União para refinanciar sua dívida gigantesca. A decisão que deverá
ser tomada em breve a respeito terá impacto não apenas no futuro das finanças
fluminenses, mas também na de outros estados em situação semelhante. É
fundamental o governo estadual ter metas que promovam um ajuste fiscal com
credibilidade — e que seja transmitido ao país um recado de responsabilidade.
Com a intenção de reingressar no Regime de
Recuperação Fiscal da União, o governo fluminense apresentou um plano de ajuste
reprovado ontem pelo Tesouro Nacional. Diante do resultado já esperado, o
Palácio Guanabara dá sinais de que levará o caso ao Supremo Tribunal Federal
(STF). Se isso ocorrer, a decisão será acompanhada de perto pelo precedente que
abrirá.
É fundamental reconhecer os avanços
alcançados pela administração estadual nos últimos anos. Mas também é preciso
que as autoridades fluminenses tenham a honestidade de reconhecer as muitas e
sérias limitações do plano reprovado pelo Tesouro.
Entre os pontos positivos, o mais importante foi o esforço para controlar as despesas com pessoal. Revelou-se um sucesso a concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Foi registrada uma significativa redução no estoque de restos a pagar, dando fôlego ao caixa do estado para manter atividades essenciais. Como vários outros estados, o Rio aumentou a contribuição previdenciária dos servidores.
As críticas de que nada foi feito não se
sustentam. Mas dizer que o estado fez muito, como fizeram Rio Grande do Sul ou
Goiás, seria um disparate. Os avanços do Rio não bastaram para restabelecer a
credibilidade fiscal. É preciso fazer mais. Muito mais. E, nisso, o plano
apresentado representa um passo para trás. Ele prevê que, ao final de nove
anos, as despesas do estado crescerão 45,2%, e as receitas só 37% (incluindo
esporádicas). Não faz sentido.
É absurdo um estado com graves problemas
fiscais decidir oferecer recomposição salarial da inflação ao funcionalismo.
Assim como bonificações a certas categorias ou a manutenção de benesses como
triênios ou licenças compensatórias. Num mundo ideal, todos, não apenas
funcionários públicos, deveriam estar protegidos da corrosão da alta de preços.
A realidade é outra. O ajuste das contas públicas só será possível se a despesa
com pessoal for controlada. Cálculos políticos com os olhos nas eleições deste
ano são um desserviço à população.
A saída para a grave situação fiscal do Rio
se torna ainda mais difícil em virtude do plano de investimentos de R$ 17
bilhões. É verdade que boa parte do dinheiro será destinada a projetos
necessários. Mas supor que trarão mais crescimento econômico e mais receita não
passa de pensamento mágico. Se resolver crises fiscais fosse tão simples, o Rio
não estaria na situação atual.
Sem metas críveis, perseguidas e cumpridas
com rigor, o estado continuará eternamente na penúria, com uma máquina estatal
pesada e ineficiente. Se a disputa desaguar no STF, os ministros da Corte, se
quiserem ajudar o Rio, precisam deixar claro que o melhor para o estado e o
país é o governo fluminense apresentar um novo plano capaz de resgatar sua
credibilidade.
Mudança no WhatsApp é incoerente e
inaceitável em pleno ano eleitoral
O Globo
É evidente a contradição entre o que a Meta
(ex-Facebook), dona das maiores redes sociais do planeta, conta às autoridades
eleitorais e sua iniciativa interna para promover mudanças no aplicativo de
mensagens mais usado no Brasil, o WhatsApp. É uma incoerência inaceitável,
sobretudo às vésperas das eleições.
De acordo com reportagem do GLOBO, está em
fase de testes internos a implementação de “comunidades” compostas de vários
grupos de usuários, permitindo maior alcance das mensagens ao estender o número
de destinatários possíveis, hoje limitado a 256. Ao mesmo tempo, a empresa
continua a afirmar publicamente que o WhatsApp é um aplicativo cuja vocação é a
comunicação individual, e não a disseminação de mensagens em massa.
A mudança, é ocioso dizer, representaria a
realização do sonho dos propagadores de fake news e desinformação. Se, hoje,
eles dependem de disparos em massa por meio de centenas de celulares para
espalhar suas mentiras, conseguiriam o mesmo efeito apenas com um clique. É
escandaloso que, em pleno ano eleitoral no país que consagrou o “zap” como
veículo preferencial para desinformação, a Meta considere implementar essa
ideia estapafúrdia, em vez de fazer o oposto: restringir a circulação de
mensagens para que o aplicativo cumpra sua vocação declarada de comunicação “um
a um”.
Durante a discussão do Projeto de Lei das
Fake News, cuja redação final traz vários avanços no rumo da transparência e
responsabilidade no meio digital, várias ideias circularam para limitar o
alcance dos disparos em massa nos aplicativos de mensagem. Entre elas, o
armazenamento, por três meses, dos dados relativos aos emissores e receptores
de mensagens reproduzidas mais de mil vezes — sem violação do conteúdo delas —
e a proibição pura e simples do encaminhamento a mais de um usuário.
Nos debates, nenhuma dessas ideias
prosperou. No primeiro caso, pela posição equivocada dos que viam risco à
privacidade numa regra menos invasiva que a vigente para escutas telefônicas ou
telemáticas. No segundo, pela resistência em acabar com uma comodidade para
controlar a desinformação. Ainda assim, a redação que deverá ir a plenário na
Câmara aponta o caminho certo: exige que as plataformas imponham restrições ao
encaminhamento múltiplo e que usuários deem anuência a sua inclusão em grupos.
É o mínimo para tentar garantir que o WhatsApp deixe de ser uma arma para a
propaganda mentirosa.
A revelação de que a Meta diz uma coisa e
faz outra em relação ao WhatsApp só aumenta a urgência de uma regulação mais
rígida. O Congresso precisa dar ao PL das Fake News o devido senso de urgência.
Do contrário, a democracia, no Brasil e noutros países, continuará refém do que
decidem as empresas de tecnologia no Vale do Silício — cujo interesse, como
este caso demonstra mais uma vez, tem pouco a ver com democracia.
Retrato da inépcia
Folha de S. Paulo
Datafolha explicita subnotificação de
infecções por Covid e incompetência do governo em monitorá-las
Desconexão com a realidade e incompetência
são duas das características marcantes do governo Jair Bolsonaro (PL) no
enfrentamento da Covid-19, a "gripezinha"
postulada pelo presidente que matou centenas de milhares e impôs lutos
evitáveis às famílias brasileiras.
Uma
série de pesquisas Datafolha explicita agora a dimensão do descalabro
patrocinado por seu governo. Os dados revelam que 25% dos brasileiros com mais
de 16 anos disseram ter testado positivo para o coronavírus, em um total de 42
milhões de contaminados.
Isso equivale a quase o dobro dos lançamentos
apontados no painel oficial do Ministério da Saúde
—que, de forma inadmissível, permanece
desatualizado desde 9 de dezembro de 2021.
Outros registros públicos, coletados pelo
consórcio de imprensa, somam 23 milhões de casos, reunindo informações de todas
as idades. Como os dados do Datafolha são dos infectados maiores de 16 anos, a
subnotificação nas estatísticas revela-se gigantesca.
Em quase dois anos de pandemia, o governo
federal foi incapaz de formular uma regra única para o envio e a contabilização
de casos registrados nos estados e municípios, amplificando as falhas no
registro das estatísticas. Por incompetência ou má-fé, o Brasil talvez nunca
saiba quantos de fato adoeceram e morreram na pandemia.
Desde o início, menosprezando o risco que a
Covid-19 representava, o governo Bolsonaro também ignorou recomendação de
especialistas e da Organização Mundial da Saúde de promover a testagem em massa
para acompanhar a evolução da doença e embasar decisões cruciais, como a compra
de insumos médicos —a
exemplo do oxigênio que faltou em Manaus—
e a abertura de leitos de UTI para a internação de doentes graves.
Na contramão da ciência, torrou dinheiro
público na fabricação da ineficaz cloroquina e incentivou aglomerações que só
ajudaram a espalhar um vírus que não teve a capacidade de monitorar.
Não satisfeito, Bolsonaro agiu
enfaticamente contra a vacinação infantil, contrariando novamente a ciência e o
anseio da população por proteção —pois, segundo o Datafolha, nada menos do
que 79%
dos brasileiros apoiam a imunização de crianças de 5 a 11 anos.
Finalmente vencido pela realidade, seu
governo acabou contratando —sem licitação e por R$ 62,2 milhões— uma empresa
inexperiente para a distribuição dos imunizantes infantis, que chegaram a ser
transportados em caixas de papelão recheadas com gelo.
Com 69% dos brasileiros imunizados, o pior
da pandemia pode até ter ficado para trás. Mas, infelizmente, ainda resta quase
um ano do pior governo que o Brasil já teve.
Homem das cavernas
Folha de S. Paulo
Bolsonaro abre oportunidade para obras de
infraestrutura dizimarem belezas do subsolo
A sanha desregulamentadora do governo Jair
Bolsonaro (PL) no campo ambiental chegou ao subterrâneo. Decreto do presidente
abriu a porteira para cavernas, grutas, lapas, tocas, abismos ou furnas de
relevância máxima serem destruídos para dar lugar a projetos de infraestrutura.
Cavidades naturais recebem proteção legal e são classificadas em quatro graus de importância—máxima, alta, média e baixa. Até o decreto, as primeiras não podiam sofrer impactos irreversíveis.
Com a norma, órgãos ambientais ficam autorizados a declarar cavernas passíveis
de dano definitivo quando o empreendimento planejado for de utilidade pública.
Teme-se que autoridades federais, estaduais
e municipais adotem critérios frouxos e permitam inutilizar esses patrimônios
naturais para obter arrecadação.
As exigências estipuladas no decreto são
custear compensações para impactos (por exemplo, em benefício de outra cavidade
similar) e não gerar extinção de espécies no local alterado.
Arqueólogos, espeleologistas e
ambientalistas em geral avaliam tais condições como insuficientes.
Em primeiro lugar, não se explicita que a compensação para dano em caverna de
relevância máxima ocorra em outra da mesma categoria.
Quanto às espécies, a eventual extinção só
poderá ser determinada a posteriori, pois nem o mais minucioso estudo logrará
predizer as consequências da alteração.
Cavernas são ambientes frágeis que costumam
abrigar espécies endêmicas, como populações diminutas de peixes e insetos só
encontrados naquele espaço. Uma vez perturbado o equilíbrio, organismos
desaparecerão para sempre.
Haverá quem defenda que rodovias,
mineradoras ou linhas de transmissão falam mais alto, mas o poder público não
pode ignorar que essa não é a visão predominante na sociedade. Normas
ambientais existem para proteger esses bens naturais, segundo limites
ditados por consensos possíveis.
Em cada empreendimento, há que
compatibilizar valores e motivações em conflito no caso concreto. Para tomada
de decisão, não convém alocar poder excessivo a atores interessados, como
governantes e empresários.
Cavernas de relevância máxima deveriam
permanecer como são e estão, em modificação somente pela ação do tempo desde
muito antes de existirem a espécie humana e governos predatórios.
O desafio da seca
O Estado de S. Paulo.
Chuva escassa e muito calor prejudicam o
setor mais eficiente da economia. A ministra da Agricultura promete socorro
Chuva escassa e muito calor prejudicam o
setor mais eficiente da economia.
Principal fonte de receita comercial do
Brasil, com exportações de US$ 129,59 bilhões em 2021, o agronegócio tem sido
afetado severamente pela seca e pelo intenso calor em Estados do Sul e do
Centro-oeste. Perdas de R$ 45 bilhões foram estimadas por fontes oficiais e do
setor privado citadas em reportagem do Estadão publicada no dia 14 passado. Mas
esse é um balanço preliminar. O Ministério da Agricultura poderá, a partir de
um levantamento mais detalhado e sistemático, oferecer uma estimativa mais
precisa dos danos e de seus efeitos prováveis na economia nacional. É
arriscado, neste momento, especular sobre a evolução das exportações em 2022 e
dos preços no mercado interno. Mais urgente e muito mais produtivo é cuidar do
socorro aos agricultores e apoiar o próximo plantio, como promete a ministra da
Agricultura, Tereza Cristina.
Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e
Mato Grosso do Sul foram visitados até o dia 13 por uma equipe liderada pela
ministra. Áreas afetadas pela seca foram sobrevoadas e produtores foram
ouvidos. Informações foram coletadas para avaliação das medidas necessárias e
para discussões com outras áreas do governo, como o Ministério da Economia. Um
passo óbvio e já definido é um amplo apoio ao plantio da chamada safrinha de
milho, uma segunda safra muito mais importante, de fato, do que parece indicar
a forma diminutiva. As ações deverão incluir medidas especiais de crédito e
cobertura de perdas por meio do seguro rural.
A ação do Ministério da Agricultura
contrasta, mais uma vez, com os padrões observados em outras áreas da
administração federal. Lentidão, desarticulação, ineficiência e até erros
desastrosos marcaram – para citar só alguns dos eventos mais conhecidos – o
enfrentamento da pandemia de covid-19 e o socorro às populações atingidas por
enchentes neste verão. No caso da pandemia, pode-se falar de uma coleção de
erros, omissões e desastres. Dificilmente será esquecido, por exemplo, o
episódio dos pacientes morrendo em Manaus sem oxigênio, no começo do ano
passado, enquanto o Ministério da Saúde preparava a distribuição de material
para um ineficiente “tratamento precoce”.
A próxima estimativa da safra de grãos e
oleaginosas deverá mostrar, quase certamente, um quadro menos favorável que
aquele indicado pelo levantamento de dezembro. Segundo esse levantamento,
divulgado há poucos dias, a produção dessas lavouras deverá atingir 284,4
milhões de toneladas, superando em 12,5% a obtida na temporada anterior. Com
140,5 milhões de toneladas, a soja deve manter-se como o principal produto,
mesmo com redução de 2,3% em relação à colheita da safra 2020/2021. A produção
de milho, a segunda maior, foi prevista em 112,9 milhões de toneladas,
incluídos os três plantios anuais.
Com a seca, o balanço definitivo poderá
apontar números menores, embora as perdas do verão possam ser pelo menos
parcialmente compensadas, ainda em 2022, com os plantios seguintes do milho e
de alguns outros produtos.
A ministra Tereza Cristina deverá
esforçar-se para garantir a compensação, nas lavouras com mais de um plantio,
das perdas causadas pela seca. Talvez tenha de batalhar para obter recursos
adicionais, disputando verbas orçamentárias até com parlamentares do Centrão
apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. A obtenção do dinheiro poderá depender
do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, elevado pelo presidente ao
posto de supervisor da execução orçamentária, acima, portanto, do ministro da
Economia, Paulo Guedes.
Convém torcer pelo êxito da ministra Tereza
Cristina. A agropecuária, no Brasil, é especialmente relevante por três
circunstâncias: 1) a alimentação tem grande peso no orçamento dos consumidores,
bem maior que em países de renda familiar mais alta; 2) o campo garante uma parcela
muito importante das exportações; e 3) as lavouras e as criações têm sido
precioso fator de sustentação da economia, num cenário de retrocesso
industrial. Falta conferir se o presidente Jair Bolsonaro chegará a entender
esses pontos.
Discussão imprópria e inoportuna
O Estado de S. Paulo.
Governo retoma debate sobre lei orgânica
para policiais militares em ano eleitoral para conter declinante apoio da
categoria a Bolsonaro
Em sua busca desesperada por votos, Jair
Bolsonaro dobrou a aposta na distribuição de benefícios a seus apoiadores.
Depois de prometer um reajuste para membros da Polícia Federal, Polícia
Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário Nacional em plena crise, o
presidente quer agora aprovar um projeto de lei que beneficia policiais
militares (PMS) e bombeiros estaduais, maior contingente de segurança pública
do País, com quase 462 mil agentes na ativa, segundo o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
Tratada como prioridade pela bancada da
bala, a Lei Orgânica das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros foi
apresentada pelo Executivo em 2001. Durante quase 21 anos praticamente não
avançou na Câmara, até que ressuscitou na Casa no fim de 2019. O relatório do
deputado Capitão Augusto (PL-SP), antecipado pelo Estado, mostra as reais
intenções da base bolsonarista com a proposta.
O parecer permite retorno aos quadros das
forças de segurança daqueles que se tornaram parlamentares caso não consigam se
reeleger – inclusive os congressistas atuais. Hoje, segundo a Constituição,
eles passam imediatamente para a reserva quando assumem um cargo eletivo e não
podem voltar à ativa. Além disso, o texto chega ao cúmulo de garantir a
nomeação e promoção para investigados pela Justiça e até para os que se
tornaram réus. Segundo o relator, o item foi incluído no projeto sob o
argumento de que a Constituição garante o princípio da presunção de inocência.
No início de dezembro, quando a Câmara
aprovou requerimento de urgência do projeto, recurso que permite a votação do
texto diretamente em plenário sem passar pelas comissões, o líder do PSL na
Câmara, Major Vitor Hugo (GO), disse que a proposta contava com o aval de
várias entidades, do Ministério da Justiça e das Forças Armadas. “Nesse
sentido, o governo Bolsonaro também é a favor”, afirmou. Faltou consultar os
Estados, a quem essas forças de segurança são subordinadas. O relator cogitou
até incluir tempo de mandato e lista tríplice para os comandantes-gerais da PM
nos Estados, hoje livremente escolhidos pelos governadores, mas recuou.
Dificilmente uma proposta dessa natureza
será aprovada pelos deputados em um ano eleitoral. Mesmo que ela avance na
Câmara, deve parar no Senado, onde os governadores têm mais influência. Pode-se
discutir se o decreto-lei de 1969 que rege as forças de segurança deve passar
por revisões, e há quem seja a favor de uma atualização. Mas certamente o
momento para isso não é o ano de 2022, quando a única prioridade do presidente
é distribuir benesses a seguidores para tentar se reeleger.
Em setembro, o governo já havia lançado o
Habite Seguro, que criou condições mais vantajosas para financiar a compra de
imóveis por profissionais da segurança pública em todo o País. Até agora, no
entanto, apenas 274 contratos foram fechados e somente 665 estavam em análise
nas agências da Caixa. Insatisfeita, a categoria já manifestou disposição para
conversar com outros pré-candidatos ao Palácio do Planalto. A retomada das
discussões da lei orgânica se insere nesse contexto em que Bolsonaro tenta
evitar a perda do apoio de uma classe que sempre lhe foi fiel.
Na volta das férias, após concordar com a
reserva de R$ 1,7 bilhão em recursos do Orçamento para o reajuste das carreiras
policiais, o cada vez mais esvaziado ministro da Economia, Paulo Guedes,
alertou Bolsonaro que contemplar apenas as forças de segurança vai elevar a
pressão das demais categorias, que já entregaram cargos de confiança e
realizaram operação-padrão em portos e fronteiras. O Supremo Tribunal Federal
(STF) teria mandado o recado de que poderá obrigar o governo a conceder aumento
para todos os servidores, caso seja acionado. Na equipe econômica, já há
avaliação de que a promessa foi um erro e deflagrou uma briga política com
outros funcionários públicos, que preparam paralisações e não descartam greves.
Só quem não reconhece isso e renova essa estratégia autodestrutiva é o
candidato Jair Bolsonaro.
Barreiras para ampliar o saldo da balança
comercial
Valor Econômico
Nada indica que o governo vai buscar criar
condições para uma evolução mais sustentável do comércio exterior
Uma das raras frentes em que a economia
brasileira está indo bem, a do comércio exterior, deve frustrar as expectativas
otimistas do governo neste ano. A previsão do Ministério da Economia de que o
saldo da balança comercial supere o recorde de US$ 61,2 bilhões do ano passado
não parece plausível. O Ministério conta com avanço de 30,1% para US$ 79,4
bilhões neste ano. Na melhor das hipóteses há quem espere resultado semelhante
ao de 2021, ao redor de US$ 62 bilhões, como o Banco Itaú. A previsão mediana
apurada pelo Boletim Focus está em US$ 56 bilhões; e há quem fale em bem menos,
como os US$ 35 bilhões do BTG Pactual e os US$ 34,5 bilhões da Associação de
Comércio Exterior do Brasil (AEB).
O cenário nebuloso para a economia global
justifica a divergência de estimativas. Uma das principais incógnitas é a
evolução da pandemia, especialmente após o surgimento da variante ômicron, que
está pondo em risco não só vidas humanas, mas também a recuperação do nível de
atividades. A reação econômica verificada em boa parte do mundo no ano passado
estimulou o comércio e puxou os preços internacionais.
E foi exatamente o aumento dos preços das
commodities que explicou o recorde do saldo comercial brasileiro, segundo a
Fundação Getulio Vargas (FGV). O Indicador de Comércio Exterior (Icomex),
calculado pela FGV, mostrou que os preços dos produtos exportados pelo Brasil
subiram 29,3%, enquanto o volume aumentou apenas 3,2%. Já nas importações, o
volume cresceu 21,9%, e os preços, 13,1%. Apenas soja, minério de ferro e óleo
bruto de petróleo representaram 40% do total das exportações do país, em comparação
com 35% em 2020, dando argumento aos críticos da “primarização” da economia
brasileiras. As commodities como um todo tiveram participação de 67,7% nas
exportações totais, com aumento de 38,9% em valor, que compensou o recuo de
1,8% em volume. As exportações dos demais produtos cresceram 28,1%, resultado
do aumento dos preços em 12,4% e do volume em 13,5%.
Ao apostar em novo recorde comercial, o
Ministério da Economia conta com uma supersafra de grãos. Mas a instabilidade
climática deste início de ano põe em dúvida essa previsão depois que chuvas
pesadas na Bahia, Mato Grosso e Minas e estiagem na região Sul causaram perdas.
A questão climática também vai influenciar
o comércio exterior pelo lado da demanda. A crise hídrica pesou negativamente
na balança do ano passado ao aumentar a importação de gás natural para
termelétricas, item que registrou alta de 298%. Há ainda a questão do câmbio,
que deve continuar pressionado com o período eleitoral, favorecendo as
exportações, como já ocorreu neste ano.
Do lado da demanda, a perspectiva é que a
economia global deve crescer menos do que no ano passado. Relatório do Banco
Mundial divulgado na semana passada projeta desaceleração da China, Estados
Unidos e da zona do euro (Valor 14/1).
Para China, a projeção é de crescimento de 5,1% neste ano, após os 8,1% de
2021. Além da pandemia, o ritmo será determinado pela elevação dos juros e
desmontagem da política de estímulos monetários, em resposta à alta da
inflação.
O cenário favorece as políticas
protecionistas, que já haviam sido reforçadas pela pandemia e a respeito das
quais o governo de Jair Bolsonaro revelou falta de habilidade diplomática ou
desinteresse para lidar. Mesmo quando Donald Trump era presidente dos EUA, o
governo de Bolsonaro não soube tirar proveito do alinhamento demonstrado com
Washington para ficar de fora das ações protecionistas americanas. Há muito
menos chance de isso ocorrer agora com Joe Biden, que manteve o incentivo às
compras no mercado doméstico.
Do lado da União Europeia, há a expectativa
com os desdobramentos no comércio exterior da COP26. Os ambientalistas defendem
a proibição de compra de produtos provenientes de áreas de desmatamento ilegal
e definiram metas que vão influenciar as matrizes energéticas. No âmbito da
América do Sul, não houve praticamente avanço no Mercosul e as relações com a
Argentina continuam frias. Bolsonaro e seus filhos pararam de criticar Pequim -
ao menos por enquanto. A China segue como principal parceira comercial do país,
absorvendo 32% das exportações e respondendo por 21% das importações.
Nada indica que o governo vai buscar
superar esses entraves para criar condições para uma evolução mais sustentável
do comércio exterior, especialmente neste ano em que Brasília demonstra estar,
mais do que nunca, interessada apenas nas eleições.
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