Valor Econômico
Governo de Jair Bolsonaro tende a apoiar um
candidato mais identificado com os empregadores
Ao mesmo tempo em que o PT quer discutir a
reforma trabalhista na campanha presidencial, o governo de Jair Bolsonaro tende
a apoiar um candidato mais identificado com os empregadores para a
direção-geral da Organização Internacional do Trabalho (OI) em eleição no dia
25 de março, em Genebra.
A OIT tem quatro objetivos estratégicos:
promover e aplicar princípios e direitos fundamentais do trabalho; aumentar as
possibilidades para homens e mulheres de obter um emprego decente; ampliar o
benefício e eficácia de proteção social para todos; e reforçar o diálogo
social. É a única instituição “tripartite” das Nações Unidas, ou seja, suas
normas do trabalho, suas políticas e programas são elaboradas conjuntamente por
representantes de governos, de empregadores e de trabalhadores.
Essa eleição ocorre em meio a grandes
incertezas causadas pelo coronavírus e pelas mudanças nos sistemas econômicos
resultantes das alterações climáticas, transformação tecnológica de alta
velocidade e questionamentos quanto o impacto sobre o futuro do trabalho.
Há cinco candidatos para suceder o britânico Guy Ryder, de origem sindical e na direção da OIT desde 2012. Eles vêm da África do Sul, Togo, França, Austrália e Coreia do Sul. Para ser eleito, o candidato precisa receber mais da metade dos votos do conselho de administração, composto por 56 membros (28 governos, 14 empregadores e 14 trabalhadores).
O sul-africano Mthunzi Perry-Mason Mdwaba
foi porta-voz dos trabalhadores por quatro anos na OIT. A África do Sul lançou
inicialmente sua candidatura, mas a “revogou’” repentinamente em outubro sem
dar explicações. A imprensa sul-africana atribuiu a reviravolta a queixas de
alguns ministros de que o candidato seria “antitrabalhador e arrogante’”. Sua
candidatura acabou endossada por Lesoto e Maláui e por alguns empregadores.
É precisamente no candidato Mdwaba que o
governo Bolsonaro mostra-se propenso a votar inicialmente, conforme relatos na
cena multilateral. Ele é identificado com posições muito mais próximas daquelas
do governo atual, incluindo menos direitos formais e um mercado de trabalho
mais flexível. A avaliação é que o Ministério do Trabalho o vê como uma
resistência a uma organização considerada exageradamente pró-trabalhador e que
teria “birra” com o Brasil por causa da reforma trabalhista feita pelo governo
de Michel Temer.
As chances de Mdwaba são, porém,
consideradas modestas. Além de fragilizado sem apoio de seu próprio país, nunca
um representante dos empregadores ganhou a direção da OIT. Se ele for eliminado
nas primeiras rodadas de votação, o governo Bolsonaro ficará numa situação
incômoda para apostar num dos dois candidatos dados como tendo mais chances de
ganhar. O primeiro é Gilberto Houngbo, do Togo, que esteve nesta semana no
Brasil em busca de apoio, considerado mais progressista e não indiferente aos
sindicalistas. O outro é a candidata da França, Muriel Pénicaud, que foi
ministra do Trabalho durante os três primeiros anos do governo de Emmanuel
Macron. Ela levou adiante a reforma do Código do Trabalho em 2017 e a lei “pela
liberdade de escolher seu futuro profissional” em 2018.
Com Pénicoud, a França diz “defender uma
visão ambiciosa do papel da organização para a construção de um novo contrato
social essencial à regulação mundial”. O que complica para ela conseguir voto
de Brasília é que Bolsonaro não quer nem ouvir em apoiar alguém que venha do
círculo de influência de Macron.
Pelo que sinaliza o PT, as leis
trabalhistas serão tema importante no debate eleitoral. Ter uma liderança na
OIT alinhada com uma certa visão do mundo do trabalho pode ajudar na pressão
sobre os desdobramentos da reforma trabalhista no Brasil. A posição do diretor-geral
influencia, sim, na Comissão de Aplicação de Normas da entidade. Mas Antonio
Lisboa, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e membro alterno do conselho
de administração da OIT no grupo dos trabalhadores, reconhece que essa
influência tem limites, porque governos, trabalhadores e empregadores têm
liberdade para definir quais os temas que serão tratados anualmente.
O fato é que, desde 2017, o Brasil tem
estado mais em evidência na OIT. O país foi colocado na lista de países
supostamente violadores de direitos trabalhistas, depois de queixa de centrais
de redução de direitos dos trabalhadores com a reforma feita por Temer.
Com Bolsonaro no governo, as denúncias
aumentaram contra o país na Comissão de Aplicação de Normas da entidade.
Sindicatos questionaram ou continuaram a questionar a aplicação pelo governo de
várias convenções internacionais: a 98, sobre sindicalização e negociação
coletiva; a 11, de direito de sindicalização na agricultura; a 135, de proteção
de representantes sindicais; a 141, de organizações de trabalhadores rurais; a
144, de consultas tripartites sobre normas internacionais do trabalho; a 151,
de relações de trabalho no serviço público; a 154, de fomento à negociação
coletiva; a 155, sobre igualdade de oportunidades e tratamento para homens e
mulheres trabalhadores; a 169, que trata dos direitos de povos originários
(nações indígenas, quilombolas); e a 189, sobre trabalhadores domésticos.
Lisboa sinaliza que vai continuar
denunciando na OIT “os efeitos nocivos da reforma trabalhista brasileira,
especialmente quando o governo pretende fragilizar ainda mais as relações de
trabalho e o diálogo social no país”. Diz esperar que a próxima liderança da
entidade, independentemente de quem seja, consiga tratar com equilíbrio os
temas na agenda, incluindo a reforma trabalhista “que é do interesse não só dos
trabalhadores do Brasil, mas também do mundo inteiro, porque ela é uma
referência do que não deve ser feito em termos de relações trabalhistas”.
Já para o representante dos empregadores brasileiros
nas discussões na OIT, Alexandre Furlan, a reforma trabalhista “não pode voltar
à pauta do jeito que querem de forma nenhuma. Ela tem de avançar, estamos hoje
em outra época, outro padrão”. E acrescenta: “Eu não me permito nem pensar em
retrocesso no que diz respeito à reforma trabalhista. O que faltou em termos de
implementação foi que, com dois anos de vigência, veio uma pandemia que parou
tudo”.
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