sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Vinicius Torres Freire: O novo fim de Paulo Guedes

Folha de S. Paulo

Decreto coloca ministro sob ainda mais tutela, mas Guedes já não podia quase nada

Um decreto de Jair Bolsonaro submeteu Paulo Guedes à tutela oficial de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, em alguns assuntos orçamentários menores. Nogueira é senador e presidente licenciado do PP, um dos dois regentes do que sobra do governo bolsonariano: a distribuição de dinheiros que auxiliem a eleição da turma do centrão. O outro regente é Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.

Dizem que Guedes perdeu poder. Perdeu poder de quê?

Para começar, qualquer ministro da Economia pode pouco se não há um governo com rumo e base parlamentar, para nem mencionar articulação social. O governo de Jair Bolsonaro não existe, para todos os fins humanos e positivamente práticos.

Quando se meteu em assuntos econômicos, Bolsonaro sabotou ou desmoralizou Guedes, como se o ministro ainda precisasse passar mais vergonha depois de tanta promessa de trilhão, déficit zero, da privatização da semana que vem, afora disparates e preconceitos.

Guedes não tem articulação política. Perdeu seus principais assessores. Alguns porque não conseguiam fazer nada ou não sabiam fazê-lo. Uns foram fritados por Bolsonaro. Outros saíram para não dar mais vexame ou com medo de processos, como a baciada que debandou quando chutaram o pau de teto de gastos.

Além do mais, Guedes perdeu um naco do seu superministério cheio de criptonita (o Trabalho). Pode ser que o Planejamento seja amputado também na "reforma ministerial", um arranjo final do governo para a reeleição, aliás enrolado.

Em outubro de 2021, Guedes já era um pato manco depenado, como se escrevia nestas colunas. Então, já havia perdido o poder sobre o Orçamento de 2022. Isto é, sobre pequena parte do dinheiro federal, pois 95% é carimbada para despesas obrigatórias, na prática mais do que isso, se não se quiser apagar a luz e fechar as portas da "máquina". Lira, Nogueira e o comitê central do centrão tomaram conta.

A política macroeconômica, que era pouca, se acabou com a mudança inepta e picareta do teto de gastos. Está à deriva, nas ondas do mercado de juros e câmbio, que mais e mais vai depender da política, da eleição e das atrocidades de Bolsonaro, ou nas mãos do Banco Central. Fim. Claro que sempre é possível fazer mais besteira. Para todos os fins prestantes, é isso: fim.

Dizem que, com o decreto, Nogueira vai ficar com o pepino de definir politicamente o destino de uns dinheiros, arbitrando a fome das hienas. Nogueira pega o pepino e faz salada, que come com gosto. É parte da sua dieta política, que é retalhar os dinheiros públicos entre amigos de paróquias e currais.

Trocando em miúdos, o decreto exige que Nogueira dê aval a mudanças em princípio pequenas no Orçamento. Se aparecer uma sobra de dinheiro que possa ser mudada para lá ou para cá e um crédito especial (gasto imprevisto na lei orçamentária), pode se fazer um favor para amigos "da base", como se faz com emendas parlamentares, várias delas aliás dirigidas para as regiões de ministros que vão se candidatar. Apenas em caso de mutreta grossa e catástrofe (abertura de créditos extraordinários) apareceria dinheiro grande.

Sim, essa gente vai se estapear por um dinheiro "pequeno", dado o total do Orçamento, mas "grande", em termos político-eleitorais. Não muda grande coisa na porcaria que são os planos e a execução orçamentários, embora possa encher o cofre eleitoral da turma, onde há até adversários regionais de Bolsonaro.

Sim, na última meia década, o Congresso ficou com mais poder de decidir o que fazer, porcamente, do que sobra de dinheiro livre do Orçamento. O decreto foi mais um avanço nessa boquinha. Quanto a Guedes, é barulho por nada.

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