Valor Econômico
2022 será intenso e não se acalmará com
resultado eleitoral
Bolsonaro se elegeu na onda da
antipolítica. Um de seus principais alvos foram os partidos, organizações sem
as quais ele dizia ser possível governar. A posição desafiou quem compreendia
ser inviável aprovar a agenda presidencial sem passar pelas lideranças
partidárias no Congresso. O que ocorreu a partir de então?
O conceito de “presidencialismo de coalizão” ilustra o arranjo institucional trazido, principalmente, pela Constituição de 1988. Sergio Abranches apontou que seria complexo governar: dificuldades em alta e estímulos colaborativos em baixa tornariam as relações entre Legislativo e Executivo frágeis. Em 1992, já cairia o primeiro presidente eleito sob a nova ordem. Mas Itamar Franco e o primeiro mandato de FHC indicaram um país governável. É de Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi a ideia de que existiam elementos capazes de fazer a agenda executiva prosperar no parlamento. O presidencialismo era de coalizão, e a pactuação entre Poderes entregava o combinado, com partidos coesos e disciplinados internamente em torno do Executivo. A parceria era tão intensa que até a reeleição presidencial foi aprovada, e tivemos oito inéditos anos de um mesmo governo sob ordem democrática. Lula repetiu o feito, mas escancarou a ideia de que as bases cobravam algo que transcendia o debate moral sobre cargos, ministérios e emendas orçamentárias somadas às fortalezas legislativas do Executivo. Existia um ilícito chamado mensalão.
O que se notou, adicionalmente, foi a força
da base do governo na construção da agenda do Planalto no Congresso, a partir
da atuação de lideranças partidárias. O impacto sobre os projetos presidenciais
levou Andréa Freitas a afirmar que o presidencialismo pertencia à coalizão,
pois o Executivo não governava sozinho e dependia de partidos ativos na Câmara.
Isso fortificou a noção de potência das
legendas e arrefece a ideia absolutista que paira no senso comum acerca do
papel do presidente da República. Assim, a partir de 2019, como governar sem os
partidos? Depois de três anos de Bolsonaro no poder, dois dos quais sem
filiação partidária, estamos diante de duas hipóteses: A) partidos nunca
deixaram o poder, mas o presidente manteve seu discurso radical. Resultado: um
governismo envergonhado, onde parte dos atores entrega o que o Planalto quer
sem se identificar. Bolsonaro tentou manter viva, sobretudo até a sua adesão ao
Partido Liberal, a ideia de que não conversava com o governismo tradicional, ao
mesmo tempo em que parcela da base não queria ser taxada de aliada, a despeito
de receber recursos. B) partidos foram escanteados, sobretudo com Arthur Lira
(PP-AL) na presidência da Câmara controlando um “orçamento secreto” - recurso
disformemente destinado a parlamentares, em distintos momentos, que engrossou
as emendas impositivas garantidas na Constituição faz cerca de cinco anos. Isso
teria desorganizado um dos preditores da governabilidade, que somado à
pluralização das legendas no Congresso marginalizou a força dos líderes
partidários.
O governo Bolsonaro impactou no
redimensionamento do papel dos partidos. Mas o novo cenário trouxe incertezas,
e nunca um presidente teve tantos vetos derrubados, medidas provisórias
caducadas e derrotas no Congresso. Existe semblante de caos, e parte dele
passou por um desejo de a dupla formada por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, na
presidência anterior das casas parlamentares, protagonizar agendas. Completam o
cenário as ameaças reais de impeachment, e um conjunto de alterações, em parte
justificado pela pandemia, no processo legislativo que o tornou mais açodado.
Isso conduziu a oposição a um Supremo Tribunal Federal com semblante ativista
agudo. Nunca o STF legislou e mandou executar tanto, e quando esse destaque
encontra um Planalto intolerante, o conflito é certo.
Bolsonaro desafia a justiça e é derrotado
por ela com frequência acima da média, em volume imenso e inédito de causas. A
lógica da governabilidade foi recodificada e passa pelo Supremo. Completa esse
cenário o ambiente plural da opinião pública. A mídia não é simpática ao
presidente, mas seu universo criou uma rede paralela de canais de notícias e
disseminação de mentiras. De acordo com a Bites, não existe no mundo líder
político mais poderoso que Bolsonaro nas redes sociais. Isso lhe dá força nas
radicalidades, que somada ao controle da máquina federal explicam suas chances
de reeleição, mesmo com 60% de rejeição eleitoral e 50% de desaprovação ao seu
mandato.
Governabilidade associada a apoio popular
extremista, força radicalizada das redes sociais, ativismo exacerbado da
justiça, enfraquecimento e atomização dos partidos no Legislativo, descrédito
da política e nova lógica de funcionamento da agenda presidencial no Congresso
alteraram o cenário político nesses três anos. Para cambiar a situação,
bastaria lembrar que faltam dez meses para as eleições, e um ano para novo
mandato presidencial. 2022 será intenso demais, mas se acalmará com a
divulgação dos resultados eleitorais. Será? Duvido.
*Humberto Dantas é cientista político, doutor em Ciência Política e coordenador da pós-graduação em Ciência Política da FESP-SP. Responsável pelas análises políticas da 4E Consultoria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário