O Estado de S. Paulo
Seriam as expectativas otimistas
suficientes para ele ter sucesso em montar uma candidatura com reais chances de
ser competitiva?
Para os portugueses da época das invasões
mouriscas, a presença de mouros na costa era, evidentemente, prevista, mas
como, quando e onde tentariam o desembarque era imprevisível.
Que o ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro,
poderia retomar sua breve carreira política estava previsto. Mas não era
previsível como, quando ou onde ocorreria, nem muito menos que faria tábula
rasa da pré-campanha eleitoral.
O retorno de Moro provocou um choque de
realidade no processo sucessório, porque mostra que nem a reeleição de Bolsonaro
nem a volta de Lula estão garantidas. Alguns candidatos, partidos e “analistas”
deram sinal de alívio ou de esperança, outros se mostraram desapontados ou
enraivecidos.
Com base no que tenho observado e compartilhado neste espaço, a entrada de um candidato competitivo na chamada terceira via poderia desacreditar a tática da polarização e, com isso, reduzir a pulverização do espaço da de centro. Minha hipótese é de que a polarização entre os extremos, somada à pulverização dos moderados, é o que abre caminho para candidatos aventureiros.
Seria Moro mais um aventureiro, tendo como
único trunfo sua popularidade no terreno da lei e da ordem, sem experiência
política, sem um currículo de gestor público ou de legislador, sem capacidade
para reunir uma equipe capaz de montar um governo? Tecnicamente, diria que sim,
mas saber se sua candidatura irá reproduzir a trajetória do aventureirismo
político ou se vai construir algo mais sólido depende dos passos que tomará
daqui até o primeiro turno.
É razoável a surpresa de todos com o Moro
candidato. Alguns contavam que ele voltaria como mais um neopopulista, já sem
carisma e sem estofo político. Outros reagiram como se enxergassem em sua
conduta algo além de sua popularidade: uma posição política conservadora, economicamente
liberal, e alguma disposição para abraçar políticas progressistas do ponto de
vista social e ambiental.
Seriam essas expectativas otimistas
suficientes para Moro ser bem-sucedido em montar uma candidatura com reais
chances de ser competitiva? Moro só será competitivo se neutralizar a tática de
polarização, com o objetivo maior de reduzir, drasticamente, a fragmentação dos
moderados. Seu obstáculo imediato, por outro lado, será o sucesso da dupla
Lula/Bolsonaro em dar nova vida à polarização e contribuir para consolidar a
fragmentação do resto do eleitorado.
A pressão sobre ele para polemizar com
Bolsonaro e Lula já é crescente e deverá aumentar durante a campanha
propriamente dita. Para não ser engolido pela polarização forçada, terá de
evitar, a qualquer custo, envolver-se em temas restritos às questões de lei e
ordem que confirmariam a pecha de arremedo de Bolsonaro ou ser reduzido a um
algoz de Lula.
Resta saber quais fatores contribuem para o
sucesso ou o fracasso da candidatura Moro.
O maior risco que ele pode correr é o de
ficar refém do eleitorado de direita, pois dividiria com Bolsonaro a intenção
de voto, sem ganhar nada em troca. Essa divisão poderia inviabilizar o acesso
de ambos ao segundo turno.
Portanto, o futuro de Moro depende de sua
capacidade de mover-se em direção ao centro. O primeiro passo foi dado quando
procurou associar seu perfil ao de um economista respeitado, com posições
liberais e capacidade de atrair apoio na sociedade civil, especialmente entre
especialistas com experiência de governo, que são amplamente reconhecidas.
Mas não basta, pois a candidatura Moro está
atrelada a um partido pequeno, mais conhecido por sua falta de orientação
política clara do que por sua contribuição ao processo político nacional. Isso
significa que caberá ao candidato dar suporte ao sucesso eleitoral do partido,
e não o inverso. Se não reunir, em torno de sua candidatura, uma coalizão mais
ampla, dificilmente poderá ir longe.
Outro obstáculo é o espaço político
congestionado por pré-candidatos. Também não é suficiente sinalizar, com
palavras, o desejo de cumprir as expectativas do eleitorado situado entre a
centro-direita e a centro-esquerda. Moro preciso montar uma aliança formal em
que parte relevante deste eleitorado moderado confie. Isso significa aliar-se a
partidos tradicionais com bases municipal e estadual bem estabelecidas.
Apenas uma aliança bi ou tripartidária, com
divisão bem clara de papéis, na eleição e no futuro governo, e que compartilhe
uma plataforma de objetivos convergentes será capaz de evitar que a candidatura
fique restrita à direita, de dar credibilidade ao suporte partidário do
candidato e de atrair o voto identificado com a terceira via.
Assim, a probabilidade de que o alívio e a
esperança, aparentemente provocados pelo choque do retorno de um Moro mais
assertivo, venham a render voto na urna seria superior à probabilidade de que
Lula/Bolsonaro recuperem os votos conquistados em 2018, uma vez que a
polarização dos extremos e a fragmentação dos moderados dependem de fatores que
nem um nem outro pode controlar.
Todos tratam Moro como a bola da vez. Resta
saber o que ele fará com a bola.
*Professor titular da USP
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