domingo, 13 de fevereiro de 2022

Luiz Carlos Azedo: Encontro de Bolsonaro com Putin é o centro das atenções mundiais

Correio Braziliense / Estado de Minas

Há mais convergências políticas e ideológicas entre Bolsonaro e Putin do que as aparências, mas os interesses geopolíticos do Brasil e da Rússia são muito diferentes

Como acontece com algumas palavras do nosso vocabulário, a palavra obrigado em russo tem vários significados. “Spassibo” se pronuncia com a tônica na segunda sílaba e o “a” no lugar do “o”: spa-ssí-ba. Sua origem é a expressão “spassi bog”, do eslavo antigo, que significa “Deus o salve”. Entre os internautas russos, foi abreviada para “spassib”; na comunidade LGBT , “passib”. É uma palavra muito usada para agradecer, mas também pode ter outros significados, como em “skaji spasibo”, usado para dizer que uma pessoa é mal-agradecida.

Os russos podem ser rudes na forma de falar obrigado: “Spasibo v karman ne polojich”, isto é, “você não pode colocar obrigado no bolso”. Ou extremamente agradecidos: “Spassibo ogromnoe” é literalmente um “enorme obrigado”. Essa expressão é usada quando alguém realmente fez um favor ou ajudou muito. Prestemos muita atenção, pois, na forma como o presidente Vladimir Putin agradecerá a visita do presidente Jair Bolsonaro, que viaja amanhã para a Rússia.

Bolsonaro está indo para o olho do furacão da conjuntura política mundial. O conflito da Ucrânia exumou a “guerra fria” e corre o risco de virar guerra quente, se Putin realmente decidir invadir a Ucrânia, o que pode ocorrer a qualquer momento, segundo o alarmismo dos serviços de inteligência norte-americano e britânico. Seus dois encontros com Putin — uma reunião bilateral e um almoço entre os dois chefes de Estado — foram marcados antes da escalada do conflito, com foco nas relações comerciais, principalmente a exportação de carne e a compra de fertilizantes. O contexto, porém, mudou completamente, devido à dimensão geopolítica envolvida na relação Brasil-Rússia.

Houve momentos na História do Brasil em que essas relações estiveram no centro da nossa política nacional. O primeiro foi em 1935, quando Luís Carlos Prestes, líder da Aliança Nacional Libertadora (ANL), tentou tomar o poder; o segundo, em 1964, quando o líder comunista articulava a reeleição de João Goulart. A aproximação do presidente brasileiro com o então premiê da União Soviética, Nikita Kruschov, corroborada pela visita do astronauta Yuri Gagárin e a exposição soviética no Rio de Janeiro, serviria como um dos pretextos para o golpe militar.

A Federação Russa não tem um regime comunista, porém, em termos geopolíticos, seus interesses estratégicos são os mesmos da velha Rússia czarista e da antiga União Soviética. Após a derrubada do Muro de Berlim, frustraram-se as aspirações russas de ingressar na União Europeia, enquanto a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos Estados Unidos e a Inglaterra, avançou em direção às antigas repúblicas do Leste Europeu.

A contrapartida foi a guinada nacionalista de Putin e sua deriva autoritária, a partir de uma aliança com os militares e a Igreja Ortodoxa, o controle do Judiciário, do setor energético e dos meios de comunicação. Quando assumiu o poder, Putin não tinha uma estratégia clara, encontrou um país em profunda crise econômica, desagregação e em meio ao caos social. Ergueu a bandeira da ordem e, com ela, governa há quase 22 anos. O outro lado dessa moeda é que a Rússia se tornou uma “democracia iliberal”.

Há muito mais convergências políticas e ideológicas entre Bolsonaro e Putin do que as aparências, mas os interesses geopolíticos do Brasil e da Rússia são muito diferentes. Geopolítica é um dos pilares de qualquer política de Estado. A crise da Ucrânia empurra a Rússia para uma aliança militar com a China, porque aquela ex-república soviética pode se transformar numa nova Taiwan.

Passo em falso

Na história da Rússia, a Ucrânia sempre foi um corredor de acesso para os invasores europeus, foi assim com Carlos XII da Suécia, Napoleão Bonaparte (França) e Adolfo Hitler (Alemanha). Da França a Moscou, não existe nenhuma barreira natural que facilite a defesa russa, como a Sibéria e os Montes Urais, a não ser a profundidade do seu território e o inverno. Com a entrada da Ucrânia na Otan, essa vantagem seria anulada, porque a distancia entre Kiev e a capital russa são apenas 860km, percurso que pode ser feito em menos de 11 horas.

A expansão da Otan para a Ucrânia, em contrapartida, é um esforço dos Estados Unidos e da Inglaterra para conter o declínio da hegemonia de uma aliança ameaçada pela transformação da China na grande potência econômica que é hoje. Com o deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico, as necessidades logísticas da Rússia são outro fator de sua aproximação com a China, ainda mais quando o arranjo econômico que a une aos países da Europa central está sendo colocado sob esse forte estresse da crise da Ucrânia.

O que Bolsonaro fará na Rússia? Em termos geopolíticos, o Brasil é um país do Ocidente, historicamente ligado à Europa e aos Estados Unidos, muito embora hoje nosso principal parceiro comercial seja a China. Por razões ideológicas, Bolsonaro tem mais identidade com líderes autoritários, como o ex-presidente Donald Trump, um amigo de Putin, e Viktor Orban, primeiro-ministro da Hungria. Mas será um grande passo em falso se aproximar de Putin quanto à questão ucraniana, ou seja, para além dos nossos mútuos interesses comerciais, no momento em que o eixo da conjuntura é uma ameaça de guerra. Nossa tradição diplomática é a defesa da paz e da solução negociada dos conflitos. Esse é o caminho a seguir.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Cada um vê o conflito de um jeito,ninguém sabe,com certeza,de nada.