Folha de S. Paulo
Em 2014, anexação da Crimeia pela Rússia
deu em nada; desta vez pode ser diferente
No dia 26 de fevereiro, faz oito anos que
agentes e soldados da Rússia escamoteados ajudaram russos da Crimeia, então
parte da Ucrânia, a derrubar
o governo da região, que seria anexada por Vladimir Putin em março de 2014.
O que aconteceu com a economia mundial? Nada.
Os termômetros de tensão nem se moveram:
Bolsas, juros americanos, preço do petróleo. O que acontece agora se a Rússia
invadir a Ucrânia? Desta vez vai ser diferente?
Pode até ser. Os americanos prometem
represálias que machuquem os bolsos russos. No entanto, uma retaliação
econômica forte deve causar danos colaterais, talvez efeito bumerangue,
afetando aliados. Tumulto
financeiro e petróleo caro podem prejudicar ainda mais o desempenho do
Partido Democrata na eleição parlamentar do fim do ano. O remédio pode ser tão
ruim quanto a doença.
Joe Biden afirma que vai "impor
as sanções mais graves que já foram impostas", em caso de invasão. Por
enquanto, deixe-se de lado o que quer dizer exatamente "invasão".
Quais seriam essas sanções graves?
Biden sugere que pode pegar o dinheiro que amigos oligarcas de Putin têm no exterior e criar problemas para instituições financeiras russas. Que pode tornar inviável o novo gasoduto Nord Stream 2, construído para levar gás da Rússia à Alemanha, pelo mar Báltico.
Cerca de 66% do gás e de 29% do petróleo
que a Alemanha compra fora da União Europeia vêm da Rússia. Cerca de 44% do gás
importado pela União Europeia vem da Rússia, assim como 25% do petróleo. Desde
a crise de 2014, os alemães tentam evitar encrenca com os russos.
Em um caso extremo, de interrupção do
comércio euro-russo de combustíveis, haveria problemas. Os europeus teriam de
procurar energia em outra parte, em um mercado mundial que ficaria ainda mais
apertado e caro, a não ser que a Arábia Saudita traísse a Rússia, sua aliada
informal de cartel petroleiro, produzindo mais.
Havendo tantos danos mútuos, haveria tal
retaliação?
A Rússia apanharia. Embora longe de pobre,
os russos não são lá ricos (PIB per capita 43% maior que o do Brasil; 88%
maior, em paridade de poder de compra). Vivem de um grande saldo comercial, de
exportações, quase metade delas de petróleo e gás.
Jornais americanos e analistas de política
e segurança internacionais especulam também que a Rússia poderia ser excluída
de uma rede internacional de comunicações e financeiras, a SWIFT (Society
for Worldwide Interbank Financial Telecommunications), uma espécie de
cooperativa criada por bancos que presta o serviço de transferir dinheiro entre
eles. Ficar fora desse sistema é um problemão, no médio prazo. Por quanto tempo
a Rússia seria excluída? E se decidir retaliar, dando calotes no "Ocidente"?
A invasão em si mesma também pode ser um
problema econômico, a depender do que signifique.
Em abril e maio de 2014, separatistas
pró-Rússia das províncias ucranianas de Donetsk e Lugansk declararam
independência, com apoio militar muito mal velado da Rússia. Começou
uma guerra civil.
Invasão significa cercar Donetsk e Lugansk?
Pior ainda, ir até Kiev? Criar um corredor por terra entre a Rússia e a
Crimeia? Tudo isso deve custar muita morte e dinheiro, fora o risco de fiasco.
Ou a Rússia apenas intimidaria ucranianos e vizinhos pró-Otan e
"Ocidente", com uns tiros, ciberataques e outras sabotagens?
As consequências econômicas de uma invasão
e de represálias para valer, duradouras, podem ser bens ruins, está claro. O
risco de danos mútuos grandes, para "Ocidente" e Rússia, também. Mas
uma "invasãozinha" pode render uma "sançãozinha", mais
baratas. Pode ser um motivo de esperança de que não aconteça mais desgraça na
Ucrânia.
Um comentário:
Parece criança brincando de vídeo game.
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