quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Congresso é melhor freio a intenções de Lula sobre a ‘mídia’

O Globo

Mestre da ambivalência, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, favorito a vencer a eleição de outubro segundo todas as pesquisas, tem conduzido sua pré-campanha transmitindo mensagens a todos os públicos. Precisa agradar ao fiel eleitorado petista que sustenta as fantasias do partido sobre a Operação Lava-Jato e sua prisão. Mas também precisa de um eleitor que jamais votaria em Lula, não fosse o desejo de se livrar de Jair Bolsonaro.

Tal ambivalência fica evidente na pauta econômica — até agora ninguém sabe como seria seu governo nessa questão crítica. Ou no convite ao ex-tucano Geraldo Alckmin, rival histórico dos petistas, para a vaga de vice na chapa de Lula. Começa também a se tornar clara noutros temas, sobre os quais as declarações de Lula têm flutuado ao sabor dos ventos. É o caso de um dos fetiches do PT, a proverbial “regulação da mídia”, tema que ele sempre tratou com uma ambiguidade conveniente.

Ninguém sabe dizer com precisão o que Lula quer dizer com essa expressão, embora o histórico das manifestações petistas a respeito não seja muito abonador. Alas do PT já quiseram implantar um “conselhão” para controlar a imprensa, e houve, no governo Dilma, um projeto que disfarçava essa tentativa sob a forma de uma “regulação econômica”. De modo ambíguo, Lula tem misturado uma questão pacificada há décadas na sociedade brasileira — a regulação da imprensa e da radiodifusão — a outra absolutamente urgente: disciplinar as redes sociais e a internet.

Depois de ter, pelas contas do portal Poder360, mencionado nove vezes o desejo de promover em seu governo a tal “regulação da mídia”, agora Lula mudou de tom e tem afirmado o óbvio: qualquer decisão sobre o assunto caberá ao Congresso Nacional. Ora, sempre foi assim — e é assim que deve ser numa democracia. Lula sabe muito bem disso. Todas as tentativas de petistas para impor controles à imprensa sempre esbarraram na rejeição veemente do Parlamento a essas ideias.

A levar em conta as declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nada mudou em relação ao assunto. Lira tomou a decisão correta ao dar prioridade à regulação mais urgente e necessária para o atual ambiente de comunicação: o Projeto de Lei das Fake News, na versão relatada pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Trata-se de uma contribuição decisiva para atribuir às redes sociais uma responsabilidade compatível com seu papel na disseminação de campanhas de desinformação. É fundamental que o Congresso transforme logo esse projeto em lei para que tenhamos uma campanha eleitoral mais limpa e substantiva.

Quanto a Lula e ao PT, seria bom que a profissão de fé na competência do Congresso para decidir não ficasse apenas no discurso. O Parlamento tinha plena legitimidade democrática quando limitou os arroubos mais radicais nos governos petistas. Tem legitimidade hoje para regular a desinformação espalhada pelas redes sociais e aplicativos de mensagem. E continuará a ter legitimidade para impor os freios necessários às inclinações autoritárias do futuro presidente da República, seja ele Lula, Bolsonaro ou qualquer outro.

Repetição de tragédias no país revela despreparo para enfrentar chuvas

O Globo

Impressionam os flagrantes do temporal esta semana em Petrópolis, na Região Serrana do Rio: ruas transformadas em corredeiras, veículos arrastados pelas águas, encostas se desmanchando, moradores em pânico. A tempestade, que trouxe à tona o pesadelo da tragédia de 11 anos atrás, a mais letal já registrada no país, deixou cerca de cem mortos e centenas de desabrigados ou desalojados. O número de vítimas deve subir, já que prosseguem as buscas em mais de 200 áreas de deslizamentos.

A catástrofe de Petrópolis é apenas a última a chocar o país desde o fim do ano passado, quando teve início uma sequência de tempestades que atingiram principalmente o Nordeste e o Sudeste. Repete-se o drama do Sul da Bahia, de Minas Gerais e do interior de São Paulo. Em todos esses casos choveu mais que o previsto. Em Petrópolis, o volume de seis horas correspondeu ao esperado para todo o mês. A excepcionalidade não justifica, porém, o número de mortes. É flagrante o despreparo das cidades para enfrentar fenômenos climáticos previsíveis.

Já deveria estar claro para os governantes que, devido às mudanças climáticas, chuvas extremas se tornaram mais frequentes e letais. Por isso é fundamental que União, estados e municípios se preparem para enfrentá-las. Infelizmente, não é o que se vê, a começar pela pouca importância dada à prevenção. No ano passado, não foram poucos os governos que cortaram verbas para prevenir enchentes. O orçamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em 2021 foi o menor desde a criação, em 2011.

Uma pesquisa de 2018 do IBGE e do Cemaden mostrou que mais de 8 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco, como margens de rios ou encostas. Depois das tragédias deste ano, é provável que o número tenha aumentado. Sem um mapeamento atualizado dos pontos de risco, é impossível planejar ações para mitigar o problema.

Estados e municípios precisam também reforçar ou criar sistemas robustos de Defesa Civil. Chuvas, mesmo as mais intensas, são previsíveis. E esses avisos precisam chegar rapidamente aos cidadãos, com instruções sobre como proceder em situações de emergência, a exemplo do que ocorre noutros países. É inaceitável que moradores não sejam retirados das imediações de áreas críticas, como encostas e margens de rios, e sejam pegos de surpresa.

Fundamental ainda é fazer um plano de longo prazo, que sobreviva à troca de governos, para remover as famílias das áreas mais vulneráveis e assentá-las em lugares seguros. Moradias erguidas sem rigor técnico, em terrenos instáveis ou à beira de abismos são um convite ao desastre. É preciso também impedir novas ocupações em áreas inadequadas para habitação.

O país precisa levar a sério a ameaça das chuvas extremas. Não há como impedi-las, mas é possível reduzir danos e salvar vidas. É lamentável que governos prefiram fazer vista grossa e empurrar o problema com a barriga, abandonando moradores de áreas vulneráveis à própria sorte. O Estado só aparece quando está tudo perdido.

Etapa vencida

Folha de S. Paulo

Venda da Eletrobras, que avançou no TCU, é prejudicada por injunções políticas

Com a validação pelo Tribunal de Contas da União dos valores definidos para a privatização da Eletrobras, o processo poderá prosseguir. Por um placar de 6 a 1, o tribunal manteve os parâmetros sugeridos pelo Executivo.

Em voto divergente, o ministro Vital do Rêgo considerou que os recursos a serem recebidos pela União e os repasses para minimizar o impacto nas tarifas para o consumidor estariam subestimados.

Na soma geral, o montante fixado pelo Conselho de Política Energética a partir de recomendações do relator, Aroldo Cedraz, ficou em R$ 67 bilhões, dos quais R$ 23,2 bilhões para o Tesouro Nacional. No entender do ministro divergente, a quantia deveria ser de R$ 130,4 bilhões, com R$ 57,2 bilhões destinados aos cofres públicos.

A diferença significativa decorre de o modelo adotado pelo governo não ter incorporado a eventual venda de potência de energia, uma contratação de longo prazo para atender o funcionamento do sistema em horários de pico.

Um segundo ponto de divergência diz respeito ao impacto nas tarifas, que segundo Rêgo podem ser bem maiores, o que exigiria mais transferências para a Conta de Desenvolvimento Energético. Seria necessário, segundo o voto, a busca de estudos adicionais, já que algumas entidades apontam para números diferentes.

Nenhum dos pontos foi referendado pelos demais ministros, que mantiveram a posição do relator. O argumento contrário à inclusão da venda de potência é não haver um mercado ativo para esse fim, sendo impossível modelar contingências futuras. Esse aspecto técnico pode merecer escrutínio adicional nas fases subsequentes.

Já o tema das contas de luz leva em conta implicações da lei aprovada no Congresso para permitir a privatização —e que não têm relação direta com seus parâmetros.

A inclusão de exigências como a construção de termelétricas a gás em locais direcionados politicamente terá custos que recairão sobre a Eletrobras, a começar pela dificuldade em assegurar a oferta de gás. Dispositivos do gênero, equivocados e nocivos, a esta altura se tornaram irreversíveis.

Com a decisão do TCU, o governo agora vai preparar a próxima etapa, que é a oferta de ações propriamente dita, incluindo o preço mínimo para diluir a participação da União —que deixará de ter o controle acionário, mas ainda manterá cerca de 40% de participação. As próximas fases também precisarão ser referendadas pelo TCU.

Mesmo com as ressalvas necessárias, o melhor caminho é prosseguir com o processo para o aumento de capital, que propiciará mais recursos para investimentos na precária infraestrutura nacional.

Disque STF

Folha de S. Paulo

Sabotagem à política sanitária, agora da parte de Damares, merece novo veto

O Supremo Tribunal Federal tem atuado, ao longo da pandemia, como um contraponto necessário às omissões e sabotagens do governo Jair Bolsonaro (PL).

São exemplos desse papel decisões como a que reafirmou a competência concorrente de estados, municípios e União para gerir a crise, bem como a que manteve a obrigatoriedade do passaporte da vacina para todo viajante do exterior que desembarca no Brasil.

Enquanto a primeira permitiu a implementação local de restrições à circulação e ao funcionamento de estabelecimentos, cruciais nos momentos em que o coronavírus matava diariamente milhares de brasileiros, a segunda visava o objetivo óbvio de impedir que não vacinados escolhessem o território brasileiro como destino.

Nesta semana, a intervenção do tribunal, na figura do ministro Ricardo Lewandowski, mostrou-se mais uma vez necessária diante das deploráveis manifestações do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves.

Conforme revelou a Folha, a pasta elaborou nota técnica contrária aos imperativos da imunização infantil e do passaporte vacinal, os mais recentes alvos das hostes bolsonaristas —depois do distanciamento, das vacinas e das máscaras.

Mais grave, o ministério também incentivou que o Disque 100, principal canal governamental para denúncias de violações dos direitos humanos, fosse usado por aqueles que não se vacinam para relatar "discriminações" sofridas.

Como um professor que corrige uma tarefa malfeita, Lewandowski determinou que o documento seja retificado a fim de que se coadune com a interpretação conferida ao tema pela corte.

Nele devem ser incluídas afirmações que, embora elementares, servem para evitar a desinformação —como esclarecer que "vacinação compulsória não significa vacinação forçada" e pode ser implementada por meio da "restrição ao exercício de certas atividades", desde que previstas em lei.

Quanto ao Disque 100, o ministro prescreveu que a pasta pare de utilizá-lo fora de suas finalidades institucionais e deixe de estimular "o envio de queixas relacionadas às restrições de direitos consideradas legítimas" pelo Supremo.

Não deixa de ser lamentável que questões dessa natureza terminem decididas em um tribunal. No entanto, ante a treva bolsonarista, trata-se do menor dos males.

Lula promete o atraso

O Estado de S. Paulo

Ao falar da omissão petista na promoção das reformas, Lula diz que o País não precisa delas. Eis os fatos: não houve e nunca haverá governo do PT reformista

A razia bolsonarista demanda a eleição de um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem da verdade, a crise política, econômica, social e, sobretudo, moral que está arruinando o Brasil começou muito antes, durante o trevoso mandarinato lulopetista, e culminou na eleição de Jair Bolsonaro – mau militar, mau deputado e mau presidente. Ou seja, com exceção do breve intervalo do governo de Michel Temer, que representou um instante de racionalidade reformista em meio a tanta irresponsabilidade demagógica, já se vão 20 anos de retrocesso e destruição do futuro.

Se depender de Lula da Silva, no entanto, o atraso será transformado de vez em política de Estado. Pois o líder das pesquisas de intenção de voto para presidente diz, sem qualquer constrangimento, que o País, pasme o leitor, não precisa de reformas – justamente os instrumentos indispensáveis para modernizar o Brasil, criando as condições para o desenvolvimento pleno de sua imensa potencialidade.

No dia 15 passado, Lula deu uma entrevista à rádio Banda B, de Curitiba, na qual a entrevistadora ousou lhe perguntar por que ele, quando esteve na Presidência, não promoveu “as reformas que o País tanto precisava”, embora tivesse apoio da maioria no Congresso. Ótima pergunta. Lula não se deu ao trabalho nem ao menos de afetar algum ânimo reformista. De bate-pronto, respondeu: “Mas quem é que disse que o Brasil precisava das reformas?”.

É esse o candidato que se apresenta para o trabalho de “reconstrução e transformação do Brasil”, conforme se lê num papelucho apresentado pelo PT em 2020 como um plano para o futuro – melhor seria qualificá-lo de ameaça.

Ora, quem é contra as reformas – seja as que ainda não foram feitas, seja aquelas que já foram aprovadas, como a trabalhista e a previdenciária, e evitaram que o País afundasse ainda mais na crise – não está interessado em reconstruir nada. Não haverá solidez em nenhum projeto de governo nem de país se este não estiver escorado em amplas e profundas reformas; fora disso, resta apenas o populismo estatólatra.

Esta é a verdade sobre Lula e o PT: não fizeram as reformas porque consideram que o País não precisa delas. A omissão petista ao longo de 14 anos não se deu por uma questão circunstancial – ou seja, nem sequer se deram ao trabalho de tentar encaminhar alguma reforma de vulto. Lula e o PT não fizeram as reformas porque não quiseram e continuam a não querer.

A resposta de Lula é um acinte, especialmente com os desempregados e com as famílias mais vulneráveis. O Estado,

inchado, perdulário e dominado por interesses privados, é incapaz de prestar os serviços básicos para a população, além de drenar recursos que deveriam ser investidos em desenvolvimento e na geração de empregos, mas Lula acha que não há necessidade de reformar nada. Em sua visão, o País não precisaria de nenhuma mudança estrutural. Ou seja, tudo pode ficar como está.

Se a resposta de Lula é constrangedora pelo descaramento com que admite a omissão petista, é ainda mais assustadora pelo que revela a respeito do presente e do futuro. O declarado desprezo do líder petista pelas reformas deveria ser suficiente para antever um porvir sombrio, caso se confirme o favoritismo de Lula e o PT volte ao poder, apesar do histórico de corrupção e incompetência.

A despeito das articulações de Lula para posar de centrista, é preciso ser muito ingênuo para acreditar que um dia haverá um governo do PT reformista. Lula, fiel à sua natureza, aproveitase das reformas que outros fizeram, colhe os frutos e a popularidade das mudanças estruturais que outros implementaram, mas ele mesmo não quer fazer nada. Lula não está disposto ao trabalho árduo de promover mudanças legislativas estruturais, politicamente difíceis e que exigem contrariar interesses de setores organizados. Prefere ridicularizá-las.

A educação, a saúde, a economia e tantos outros setores fundamentais do País precisam urgentemente das reformas para funcionarem melhor. Basta de populismo negacionista.

O emergente que não emerge

O Estado de S. Paulo

O ‘Monitor’ da FGV mostra a retomada econômica em 2021, mas nada aponta a reversão do longo declínio industrial

Mais que suficiente para tirar o País do buraco onde afundou 3,9% em 2020, o crescimento econômico do Brasil chegou a 4,7% no ano passado, segundo o Monitor do PIB – FGV, a mais detalhada prévia mensal das contas nacionais. Publicada na semana anterior, a prévia do Banco Central apontou uma expansão de 4,5%. Os dados oficiais do Produto Interno Bruto (PIB) devem ser divulgados no dia 4 de março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se os 4,7% forem confirmados, o ritmo anual de avanço a partir de 2017, primeiro ano depois da última grande recessão, terá sido, em média, inferior a 1,5% – um desempenho espantosamente baixo para um país classificado como emergente.

Além de exibir uma economia emperrada, o Brasil empobreceu nos últimos anos. Os mais abonados podem ter engordado suas contas, mas a visão do conjunto ficou bem mais feia. Somadas todas as classes, a população tem aumentado mais que o bolo disponível para os convivas. Cada fatia teria diminuído, se houvesse uma divisão igualitária.

O PIB por habitante em 2021 foi estimado em R$ 40.712,42. Descontada a inflação, esse valor foi menor que os de 2019, 2018 e de todos os anos entre 2010 e 2015. Em 2010, cada pedaço equivaleria a R$ 42.348,22. Mas, de fato, as condições evoluíram de formas muito desiguais para os diversos grupos. Com a atividade em marcha lenta, o desemprego se manteve muito alto e as condições de trabalho se tornaram dramáticas. Com dinheiro escasso para os mais vulneráveis, a insegurança alimentar passou a assombrar milhões de famílias, embora sempre tenha havido comida suficiente para todos os brasileiros e para os consumidores de vários outros países.

Embora cada fatia ainda tenha sido menor que em 2019, o bolo cresceu o suficiente, em 2021, para ultrapassar por 0,6% o valor total do ano anterior à pandemia. Todos os grandes setores avançaram no ano passado. Houve aumento de 0,6% na produção agropecuária, de 4,4% na industrial e de 4,7% na de serviços.

A recuperação nos serviços foi possibilitada pela vacinação, como observou o economista Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB. Essa retomada, pode-se acrescentar, teria sido mais difícil se o presidente Jair Bolsonaro tivesse tido maior sucesso em seu esforço para retardar e para desestimular o uso da vacina. Esse esforço incluiu, numa etapa recente, a divulgação de notícia falsa sobre relação entre o imunizante e o HIV. O presidente e o ministro da Saúde também insinuaram dúvidas quanto à conveniência de vacinar crianças e adolescentes contra o coronavírus, embora a segurança e a eficácia já fossem atestadas pela experiência de países desenvolvidos.

Apesar da política bolsonariana, dos tropeços da equipe econômica e da insegurança causada pelas barganhas eleitoreiras, os negócios tiveram alguma recuperação no ano passado. Mas nenhuma ação organizada se iniciou, até agora, para reverter o prolongado declínio do setor industrial, uma das marcas mais preocupantes da economia brasileira no último decênio.

Em sete dos dez anos de 2012 a 2021, a variação do produto industrial foi negativa. Em seis desses dez anos houve declínio da indústria de transformação, na qual se incluem os segmentos de veículos, equipamentos, móveis, bens eletroeletrônicos, tecidos, vestuário, calçados, medicamentos e artigos de higiene e limpeza, entre outros.

Além de encolher, a atividade industrial modernizou-se bem menos do que em outros países, foi deficiente em inovação, tornou-se menos competitiva e perdeu peso nas exportações de mercadorias. Algumas empresas, grupos e segmentos continuaram a progredir, mas isso pouco altera o desempenho geral. Não é exagero falar de uma desindustrialização do Brasil, um evidente retrocesso histórico, nem de longe revertido pela retomada setorial em 2021.

Examinado o conjunto, nada, no Monitor, autoriza prever para 2022 um desempenho econômico melhor que o estimado até agora pelo mercado – aumento do PIB dificilmente superior a 0,5%, com inflação e desemprego ainda altos.

Bolsonaro paga a conta

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro acerta contas com o Centrão para que possa seguir com sua campanha pela reeleição

Por meio de um decreto publicado no dia 11 passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) autorizou o pagamento de R$ 25 bilhões em emendas parlamentares até as eleições de outubro. É um recorde até mesmo para os padrões de sua administração, já notabilizada por ter liberado valores sem precedentes a título de emendas parlamentares, malgrado ser o governo que menos conseguiu converter em lei projetos de sua iniciativa ou interesse.

Do montante total liberado por Bolsonaro, quase a metade será paga por meio das emendas do relator-geral do Orçamento da União, as chamadas emendas RP9, sustentáculo do “orçamento secreto”, mecanismo que o presidente engendrou, como revelado pelo Estadão, para comprar um arremedo de base de apoio no Congresso. Ou seja, não haverá qualquer tipo de transparência sobre cerca de R$ 12 bilhões de que poderão dispor os parlamentares aliados do governo neste ano eleitoral. Como também não houve transparência sobre a origem e o destino de outros tantos bilhões de reais liberados por emendas RP-9 em 2020 e 2021, ao arrepio de nada menos do que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

A autorização de Bolsonaro para o pagamento recorde de emendas parlamentares não significa que todo o dinheiro estará disponível de imediato. Para organizar minimamente a farra, o governo estabeleceu um limite para a execução das verbas oriundas das emendas de relator. De acordo com o decreto, até março poderão ser gastos “apenas” R$ 2,7 bilhões a título de emendas RP-9. Até setembro, o montante chegará a R$ 12 bilhões.

Seguramente, o governo será muito pressionado a respeito da liberação desses recursos, tanto por parlamentares como por membros da própria equipe econômica que ainda resistem bravamente à predação do orçamento público. Embora seja muitíssimo significativo – basta dizer que o valor das emendas RP-9 supera o orçamento de muitos Ministérios –, os valores parecem pouco para atender à voracidade dos beneficiários em potencial, sobretudo porque muitos deles estão em plena campanha para renovar seus mandatos e querem receber o dinheiro bem antes de outubro.

O “árbitro” dessa disputa por dinheiro público em que só o contribuinte sai perdendo será o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), prócer do Centrão a quem Bolsonaro, por meio de outro decreto, deu poder decisório sobre a execução orçamentária, uma prerrogativa que era do Ministério da Economia.

Com a autorização do pagamento recorde de emendas parlamentares em 2022, Bolsonaro faz um novo acerto de contas com o Centrão para que possa prosseguir em sua campanha pela reeleição sem ser fustigado pelo Congresso.

Passam de 140 os pedidos de impeachment contra o presidente da República que dormitam na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PPAL). Para a parte da sociedade representada nesses pedidos, os documentos simbolizam a indignidade e a inaptidão de Bolsonaro para o cargo. Para os caciques do Centrão, a “papelada” é a chave que abre uma via de acesso ao Orçamento da União com a qual, antes de Bolsonaro, eles apenas sonhavam.

Economia anda de lado apesar de alta indicada pelo IBGE

Valor Econômico

A realidade mostra que, em 2021, a economia foi capaz apenas de recuperar o tombo de 2020

Dados divulgados este mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram crescimento em três grandes setores da economia no ano passado. A indústria cresceu 3,9% em 2021 ante queda de 4,5% em 2020. O comércio teve expansão de 1,4% em relação à alta de 1,2% no ano anterior. E os serviços fecharam 2021 com alta de 10,9% frente ao recuo de 7,8% em 2020. Apesar dos números positivos no agregado, houve perda de fôlego no varejo e nos serviços, no quarto trimestre do ano passado, enquanto a indústria permaneceu estável em relação ao trimestre anterior. Os números confirmam que, frente às dificuldades internas e externas, a economia brasileira continua a andar de lado e deve ter crescimento pífio em 2022, próximo de zero.

Ao observar as taxas trimestrais divulgadas pelo IBGE, percebe-se que, no quarto trimestre de 2021, a indústria ficou estável frente ao terceiro trimestre, após três quedas trimestrais seguidas. Já o varejo restrito - que não inclui vendas de veículos e de material de construção - registrou queda de 2,1% no quarto trimestre na comparação com o trimestre anterior. Os serviços, por sua vez, desaceleraram para 0,4% no 4º trimestre, frente ao trimestre anterior.

Quando se olham só os dados de dezembro sobre novembro, houve recuo de 0,1% no varejo restrito e avanço de 1,4% nos serviços, na série com ajuste sazonal. Na indústria, a alta foi de 2,9%. Apesar dos ganhos, os resultados sugerem um começo de ano mais fraco.

No dia 24 o IBGE vai divulgar o indicador do mercado de trabalho relativo a dezembro de 2021. No trimestre móvel encerrado em novembro, a taxa de desemprego no país ficou em 11,6%, abaixo dos 12,1% do trimestre móvel encerrado em outubro. Embora tenha havido reação na criação de vagas, o rendimento médio do trabalhador caiu.

Até novembro o Brasil tinha 12,4 milhões de desempregados. Análise da consultoria IDados indica que o nível de desemprego deve acompanhar a estagnação da economia em 2022.

No front externo, ainda há gargalos na cadeia de suprimentos global, expectativa de aumento dos juros nos Estados Unidos, o que não é bom para países emergentes como o Brasil, e incertezas em relação às novas variantes da covid-19. No campo doméstico, além do crescimento de casos de covid-19 pela variante ômicron, há uma inflação que permanece elevada e pode mais uma vez ultrapassar o teto da meta, juros em alta, altos índices de desemprego e incertezas relacionadas às eleições.

Os números oficiais do PIB de 2021 serão conhecidos em 4 de março, quando o IBGE divulga as contas nacionais do último trimestre do ano passado. Na semana passada, o Banco Central divulgou o seu indicador, o Índice de Atividade (IBC-Br), que subiu 0,33% em dezembro, e acumulou alta de 4,5% em 2021 depois de queda de 4,05% em 2020.

O desempenho vai de encontro às projeções de mercado do Relatório Focus, do BC, que esta semana indicou expansão do PIB de 4,5% em 2021, um leve ajuste ante a previsão anterior, de 4,49%. Para 2022, o Focus prevê crescimento econômico de 0,30%. Em 2023, o ponto-médio das estimativas para o PIB caiu de 1,53% para 1,50% e, para 2024, manteve-se em alta de 2%.

O crescimento do PIB em 2021 foi garantido pelo impulso do primeiro trimestre do ano e houve efeito de carregamento estatístico do ano anterior. Depois a economia andou de lado no agregado. Setorialmente, foi possível ver algumas mudanças. A indústria perdeu espaço por restrições derivadas dos gargalos de insumos e de logística globais, que limitaram a produção. Quando essa situação for resolvida, a indústria precisará recompor estoques para poder aumentar a produção, o que ajuda na atividade econômica. Os serviços, por sua vez, ganharam impulso no ano passado com o avanço da vacinação e a redução de medidas de restrição à mobilidade. Mas se expandiram sobre base baixa e, a partir de agora, vão ter mais dificuldade para seguir crescendo.

O saldo agregado de 2021 foi de frustração uma vez que, em meados do ano passado, havia expectativa de crescimento maior para o biênio 2021-2022, que não deve se confirmar. Outro fator local que explica essa frustração foi a seca do ano passado, quando choveu 28% a menos do que a média dos últimos 40 anos, segundo cálculos do economista Bráulio Borges da FGV Ibre. A alta da conta de luz impacta decisões de investimento e reduz a renda para o consumidor.

A realidade mostra que, em 2021, a economia foi capaz apenas de recuperar o tombo de 2020.

 

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