EDITORIAIS
Congresso é melhor freio a intenções de
Lula sobre a ‘mídia’
O Globo
Mestre da ambivalência, o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, favorito a vencer a eleição de outubro segundo todas
as pesquisas, tem conduzido sua pré-campanha transmitindo mensagens a todos os
públicos. Precisa agradar ao fiel eleitorado petista que sustenta as fantasias
do partido sobre a Operação Lava-Jato e sua prisão. Mas também precisa de um
eleitor que jamais votaria em Lula, não fosse o desejo de se livrar de Jair
Bolsonaro.
Tal ambivalência fica evidente na pauta
econômica — até agora ninguém sabe como seria seu governo nessa questão
crítica. Ou no convite ao ex-tucano Geraldo Alckmin, rival histórico dos
petistas, para a vaga de vice na chapa de Lula. Começa também a se tornar clara
noutros temas, sobre os quais as declarações de Lula têm flutuado ao sabor dos
ventos. É o caso de um dos fetiches do PT, a proverbial “regulação da mídia”,
tema que ele sempre tratou com uma ambiguidade conveniente.
Ninguém sabe dizer com precisão o que Lula quer dizer com essa expressão, embora o histórico das manifestações petistas a respeito não seja muito abonador. Alas do PT já quiseram implantar um “conselhão” para controlar a imprensa, e houve, no governo Dilma, um projeto que disfarçava essa tentativa sob a forma de uma “regulação econômica”. De modo ambíguo, Lula tem misturado uma questão pacificada há décadas na sociedade brasileira — a regulação da imprensa e da radiodifusão — a outra absolutamente urgente: disciplinar as redes sociais e a internet.
Depois de ter, pelas contas do portal
Poder360, mencionado nove vezes o desejo de promover em seu governo a tal
“regulação da mídia”, agora Lula mudou de tom e tem afirmado o óbvio: qualquer
decisão sobre o assunto caberá ao Congresso Nacional. Ora, sempre foi assim — e
é assim que deve ser numa democracia. Lula sabe muito bem disso. Todas as
tentativas de petistas para impor controles à imprensa sempre esbarraram na
rejeição veemente do Parlamento a essas ideias.
A levar em conta as declarações do
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nada mudou em relação ao assunto.
Lira tomou a decisão correta ao dar prioridade à regulação mais urgente e
necessária para o atual ambiente de comunicação: o Projeto de Lei das Fake
News, na versão relatada pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Trata-se de
uma contribuição decisiva para atribuir às redes sociais uma responsabilidade
compatível com seu papel na disseminação de campanhas de desinformação. É
fundamental que o Congresso transforme logo esse projeto em lei para que
tenhamos uma campanha eleitoral mais limpa e substantiva.
Quanto a Lula e ao PT, seria bom que a
profissão de fé na competência do Congresso para decidir não ficasse apenas no
discurso. O Parlamento tinha plena legitimidade democrática quando limitou os
arroubos mais radicais nos governos petistas. Tem legitimidade hoje para
regular a desinformação espalhada pelas redes sociais e aplicativos de
mensagem. E continuará a ter legitimidade para impor os freios necessários às
inclinações autoritárias do futuro presidente da República, seja ele Lula,
Bolsonaro ou qualquer outro.
Repetição de tragédias no país revela
despreparo para enfrentar chuvas
O Globo
Impressionam os flagrantes do temporal esta
semana em Petrópolis, na Região Serrana do Rio: ruas transformadas em
corredeiras, veículos arrastados pelas águas, encostas se desmanchando,
moradores em pânico. A tempestade, que trouxe à tona o pesadelo da tragédia de
11 anos atrás, a mais letal já registrada no país, deixou cerca de cem mortos e
centenas de desabrigados ou desalojados. O número de vítimas deve subir, já que
prosseguem as buscas em mais de 200 áreas de deslizamentos.
A catástrofe de Petrópolis é apenas a
última a chocar o país desde o fim do ano passado, quando teve início uma
sequência de tempestades que atingiram principalmente o Nordeste e o Sudeste.
Repete-se o drama do Sul da Bahia, de Minas Gerais e do interior de São Paulo.
Em todos esses casos choveu mais que o previsto. Em Petrópolis, o volume de
seis horas correspondeu ao esperado para todo o mês. A excepcionalidade não
justifica, porém, o número de mortes. É flagrante o despreparo das cidades para
enfrentar fenômenos climáticos previsíveis.
Já deveria estar claro para os governantes
que, devido às mudanças climáticas, chuvas extremas se tornaram mais frequentes
e letais. Por isso é fundamental que União, estados e municípios se preparem
para enfrentá-las. Infelizmente, não é o que se vê, a começar pela pouca
importância dada à prevenção. No ano passado, não foram poucos os governos que
cortaram verbas para prevenir enchentes. O orçamento do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em 2021 foi o menor desde
a criação, em 2011.
Uma pesquisa de 2018 do IBGE e do Cemaden
mostrou que mais de 8 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco, como
margens de rios ou encostas. Depois das tragédias deste ano, é provável que o
número tenha aumentado. Sem um mapeamento atualizado dos pontos de risco, é
impossível planejar ações para mitigar o problema.
Estados e municípios precisam também
reforçar ou criar sistemas robustos de Defesa Civil. Chuvas, mesmo as mais
intensas, são previsíveis. E esses avisos precisam chegar rapidamente aos
cidadãos, com instruções sobre como proceder em situações de emergência, a
exemplo do que ocorre noutros países. É inaceitável que moradores não sejam
retirados das imediações de áreas críticas, como encostas e margens de rios, e
sejam pegos de surpresa.
Fundamental ainda é fazer um plano de longo
prazo, que sobreviva à troca de governos, para remover as famílias das áreas
mais vulneráveis e assentá-las em lugares seguros. Moradias erguidas sem rigor
técnico, em terrenos instáveis ou à beira de abismos são um convite ao
desastre. É preciso também impedir novas ocupações em áreas inadequadas para
habitação.
O país precisa levar a sério a ameaça das
chuvas extremas. Não há como impedi-las, mas é possível reduzir danos e salvar
vidas. É lamentável que governos prefiram fazer vista grossa e empurrar o
problema com a barriga, abandonando moradores de áreas vulneráveis à própria
sorte. O Estado só aparece quando está tudo perdido.
Etapa vencida
Folha de S. Paulo
Venda da Eletrobras, que avançou no TCU, é
prejudicada por injunções políticas
Com a validação pelo Tribunal de Contas da
União dos valores
definidos para a privatização da Eletrobras, o processo poderá prosseguir.
Por um placar de 6 a 1, o tribunal manteve os parâmetros sugeridos pelo
Executivo.
Em voto divergente, o ministro Vital do
Rêgo considerou que os recursos a serem recebidos pela União e os repasses para
minimizar o impacto nas tarifas para o consumidor estariam subestimados.
Na soma geral, o montante fixado pelo
Conselho de Política Energética a partir de recomendações do relator, Aroldo
Cedraz, ficou em R$ 67 bilhões, dos quais R$ 23,2 bilhões para o Tesouro
Nacional. No entender do ministro divergente, a quantia deveria ser de R$ 130,4
bilhões, com R$ 57,2 bilhões destinados aos cofres públicos.
A diferença significativa decorre de o
modelo adotado pelo governo não ter incorporado a eventual venda de potência de
energia, uma contratação de longo prazo para atender o funcionamento do sistema
em horários de pico.
Um segundo ponto de divergência diz
respeito ao impacto nas tarifas, que segundo Rêgo podem ser bem maiores, o que
exigiria mais transferências para a Conta de Desenvolvimento Energético. Seria
necessário, segundo o voto, a busca de estudos adicionais, já que algumas
entidades apontam para números diferentes.
Nenhum dos pontos foi referendado pelos
demais ministros, que mantiveram a posição do relator. O argumento contrário à
inclusão da venda de potência é não haver um mercado ativo para esse fim, sendo
impossível modelar contingências futuras. Esse aspecto técnico pode merecer
escrutínio adicional nas fases subsequentes.
Já o tema das contas de luz leva em conta
implicações da lei aprovada no Congresso para permitir a privatização —e que
não têm relação direta com seus parâmetros.
A inclusão de exigências como a construção
de termelétricas a gás em locais direcionados politicamente terá custos que
recairão sobre a Eletrobras, a começar pela dificuldade em assegurar a oferta
de gás. Dispositivos do gênero, equivocados e nocivos, a esta altura se
tornaram irreversíveis.
Com a decisão do TCU, o governo agora vai
preparar a próxima etapa, que é a oferta de ações propriamente dita, incluindo
o preço mínimo para diluir a participação da União —que deixará de ter o
controle acionário, mas ainda manterá cerca de 40% de participação. As próximas
fases também precisarão ser referendadas pelo TCU.
Mesmo com as ressalvas necessárias, o
melhor caminho é prosseguir com o processo para o aumento de capital, que
propiciará mais recursos para investimentos na precária infraestrutura
nacional.
Disque STF
Folha de S. Paulo
Sabotagem à política sanitária, agora da
parte de Damares, merece novo veto
O Supremo Tribunal Federal tem atuado, ao
longo da pandemia, como um contraponto necessário às omissões e sabotagens do
governo Jair Bolsonaro (PL).
São exemplos desse papel decisões como a
que reafirmou a competência concorrente de estados, municípios e União para
gerir a crise, bem como a que manteve a obrigatoriedade do passaporte da vacina
para todo viajante do exterior que desembarca no Brasil.
Enquanto a primeira permitiu a
implementação local de restrições à circulação e ao funcionamento de
estabelecimentos, cruciais nos momentos em que o coronavírus matava diariamente
milhares de brasileiros, a segunda visava o objetivo óbvio de impedir que não
vacinados escolhessem o território brasileiro como destino.
Nesta semana, a
intervenção do tribunal, na figura do ministro Ricardo Lewandowski, mostrou-se
mais uma vez necessária diante das deploráveis manifestações do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares
Alves.
Conforme revelou a Folha, a pasta elaborou nota
técnica contrária aos imperativos da imunização infantil e do passaporte
vacinal, os mais recentes alvos das hostes bolsonaristas —depois do
distanciamento, das vacinas e das máscaras.
Mais grave, o ministério também incentivou
que o Disque 100, principal canal governamental para denúncias de violações dos
direitos humanos, fosse usado por aqueles que não se vacinam para relatar
"discriminações" sofridas.
Como um professor que corrige uma tarefa
malfeita, Lewandowski determinou que o documento seja retificado a fim de que
se coadune com a interpretação conferida ao tema pela corte.
Nele devem ser incluídas afirmações que,
embora elementares, servem para evitar a desinformação —como esclarecer que
"vacinação compulsória não significa vacinação forçada" e pode ser
implementada por meio da "restrição ao exercício de certas
atividades", desde que previstas em lei.
Quanto ao Disque 100, o ministro prescreveu
que a pasta pare de utilizá-lo fora de suas finalidades institucionais e deixe
de estimular "o envio de queixas relacionadas às restrições de direitos
consideradas legítimas" pelo Supremo.
Não deixa de ser lamentável que questões
dessa natureza terminem decididas em um tribunal. No entanto, ante a treva
bolsonarista, trata-se do menor dos males.
Lula promete o atraso
O Estado de S. Paulo
Ao falar da omissão petista na promoção das
reformas, Lula diz que o País não precisa delas. Eis os fatos: não houve e
nunca haverá governo do PT reformista
A razia bolsonarista demanda a eleição de
um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem da
verdade, a crise política, econômica, social e, sobretudo, moral que está
arruinando o Brasil começou muito antes, durante o trevoso mandarinato
lulopetista, e culminou na eleição de Jair Bolsonaro – mau militar, mau
deputado e mau presidente. Ou seja, com exceção do breve intervalo do governo
de Michel Temer, que representou um instante de racionalidade reformista em
meio a tanta irresponsabilidade demagógica, já se vão 20 anos de retrocesso e
destruição do futuro.
Se depender de Lula da Silva, no entanto, o
atraso será transformado de vez em política de Estado. Pois o líder das
pesquisas de intenção de voto para presidente diz, sem qualquer
constrangimento, que o País, pasme o leitor, não precisa de reformas –
justamente os instrumentos indispensáveis para modernizar o Brasil, criando as
condições para o desenvolvimento pleno de sua imensa potencialidade.
No dia 15 passado, Lula deu uma entrevista
à rádio Banda B, de Curitiba, na qual a entrevistadora ousou lhe perguntar por
que ele, quando esteve na Presidência, não promoveu “as reformas que o País
tanto precisava”, embora tivesse apoio da maioria no Congresso. Ótima pergunta.
Lula não se deu ao trabalho nem ao menos de afetar algum ânimo reformista. De
bate-pronto, respondeu: “Mas quem é que disse que o Brasil precisava das
reformas?”.
É esse o candidato que se apresenta para o
trabalho de “reconstrução e transformação do Brasil”, conforme se lê num
papelucho apresentado pelo PT em 2020 como um plano para o futuro – melhor
seria qualificá-lo de ameaça.
Ora, quem é contra as reformas – seja as
que ainda não foram feitas, seja aquelas que já foram aprovadas, como a
trabalhista e a previdenciária, e evitaram que o País afundasse ainda mais na
crise – não está interessado em reconstruir nada. Não haverá solidez em nenhum
projeto de governo nem de país se este não estiver escorado em amplas e
profundas reformas; fora disso, resta apenas o populismo estatólatra.
Esta é a verdade sobre Lula e o PT: não
fizeram as reformas porque consideram que o País não precisa delas. A omissão petista
ao longo de 14 anos não se deu por uma questão circunstancial – ou seja, nem
sequer se deram ao trabalho de tentar encaminhar alguma reforma de vulto. Lula
e o PT não fizeram as reformas porque não quiseram e continuam a não querer.
A resposta de Lula é um acinte,
especialmente com os desempregados e com as famílias mais vulneráveis. O
Estado,
inchado, perdulário e dominado por
interesses privados, é incapaz de prestar os serviços básicos para a população,
além de drenar recursos que deveriam ser investidos em desenvolvimento e na
geração de empregos, mas Lula acha que não há necessidade de reformar nada. Em
sua visão, o País não precisaria de nenhuma mudança estrutural. Ou seja, tudo
pode ficar como está.
Se a resposta de Lula é constrangedora pelo
descaramento com que admite a omissão petista, é ainda mais assustadora pelo
que revela a respeito do presente e do futuro. O declarado desprezo do líder
petista pelas reformas deveria ser suficiente para antever um porvir sombrio,
caso se confirme o favoritismo de Lula e o PT volte ao poder, apesar do
histórico de corrupção e incompetência.
A despeito das articulações de Lula para
posar de centrista, é preciso ser muito ingênuo para acreditar que um dia
haverá um governo do PT reformista. Lula, fiel à sua natureza, aproveitase das
reformas que outros fizeram, colhe os frutos e a popularidade das mudanças
estruturais que outros implementaram, mas ele mesmo não quer fazer nada. Lula
não está disposto ao trabalho árduo de promover mudanças legislativas estruturais,
politicamente difíceis e que exigem contrariar interesses de setores
organizados. Prefere ridicularizá-las.
A educação, a saúde, a economia e tantos
outros setores fundamentais do País precisam urgentemente das reformas para
funcionarem melhor. Basta de populismo negacionista.
O emergente que não emerge
O Estado de S. Paulo
O ‘Monitor’ da FGV mostra a retomada
econômica em 2021, mas nada aponta a reversão do longo declínio industrial
Mais que suficiente para tirar o País do
buraco onde afundou 3,9% em 2020, o crescimento econômico do Brasil chegou a
4,7% no ano passado, segundo o Monitor do PIB – FGV, a mais detalhada prévia
mensal das contas nacionais. Publicada na semana anterior, a prévia do Banco
Central apontou uma expansão de 4,5%. Os dados oficiais do Produto Interno
Bruto (PIB) devem ser divulgados no dia 4 de março pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Se os 4,7% forem confirmados, o ritmo anual de
avanço a partir de 2017, primeiro ano depois da última grande recessão, terá
sido, em média, inferior a 1,5% – um desempenho espantosamente baixo para um
país classificado como emergente.
Além de exibir uma economia emperrada, o
Brasil empobreceu nos últimos anos. Os mais abonados podem ter engordado suas
contas, mas a visão do conjunto ficou bem mais feia. Somadas todas as classes,
a população tem aumentado mais que o bolo disponível para os convivas. Cada
fatia teria diminuído, se houvesse uma divisão igualitária.
O PIB por habitante em 2021 foi estimado em
R$ 40.712,42. Descontada a inflação, esse valor foi menor que os de 2019, 2018
e de todos os anos entre 2010 e 2015. Em 2010, cada pedaço equivaleria a R$
42.348,22. Mas, de fato, as condições evoluíram de formas muito desiguais para
os diversos grupos. Com a atividade em marcha lenta, o desemprego se manteve
muito alto e as condições de trabalho se tornaram dramáticas. Com dinheiro
escasso para os mais vulneráveis, a insegurança alimentar passou a assombrar milhões
de famílias, embora sempre tenha havido comida suficiente para todos os
brasileiros e para os consumidores de vários outros países.
Embora cada fatia ainda tenha sido menor
que em 2019, o bolo cresceu o suficiente, em 2021, para ultrapassar por 0,6% o
valor total do ano anterior à pandemia. Todos os grandes setores avançaram no
ano passado. Houve aumento de 0,6% na produção agropecuária, de 4,4% na
industrial e de 4,7% na de serviços.
A recuperação nos serviços foi
possibilitada pela vacinação, como observou o economista Claudio Considera,
coordenador do Monitor do PIB. Essa retomada, pode-se acrescentar, teria sido
mais difícil se o presidente Jair Bolsonaro tivesse tido maior sucesso em seu
esforço para retardar e para desestimular o uso da vacina. Esse esforço
incluiu, numa etapa recente, a divulgação de notícia falsa sobre relação entre
o imunizante e o HIV. O presidente e o ministro da Saúde também insinuaram
dúvidas quanto à conveniência de vacinar crianças e adolescentes contra o
coronavírus, embora a segurança e a eficácia já fossem atestadas pela
experiência de países desenvolvidos.
Apesar da política bolsonariana, dos
tropeços da equipe econômica e da insegurança causada pelas barganhas
eleitoreiras, os negócios tiveram alguma recuperação no ano passado. Mas
nenhuma ação organizada se iniciou, até agora, para reverter o prolongado
declínio do setor industrial, uma das marcas mais preocupantes da economia
brasileira no último decênio.
Em sete dos dez anos de 2012 a 2021, a
variação do produto industrial foi negativa. Em seis desses dez anos houve
declínio da indústria de transformação, na qual se incluem os segmentos de
veículos, equipamentos, móveis, bens eletroeletrônicos, tecidos, vestuário,
calçados, medicamentos e artigos de higiene e limpeza, entre outros.
Além de encolher, a atividade industrial
modernizou-se bem menos do que em outros países, foi deficiente em inovação,
tornou-se menos competitiva e perdeu peso nas exportações de mercadorias.
Algumas empresas, grupos e segmentos continuaram a progredir, mas isso pouco
altera o desempenho geral. Não é exagero falar de uma desindustrialização do
Brasil, um evidente retrocesso histórico, nem de longe revertido pela retomada
setorial em 2021.
Examinado o conjunto, nada, no Monitor,
autoriza prever para 2022 um desempenho econômico melhor que o estimado até
agora pelo mercado – aumento do PIB dificilmente superior a 0,5%, com inflação
e desemprego ainda altos.
Bolsonaro paga a conta
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro acerta contas com o Centrão para que possa seguir com sua campanha pela reeleição
Por meio de um decreto publicado no dia 11
passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) autorizou o pagamento de R$ 25
bilhões em emendas parlamentares até as eleições de outubro. É um recorde até
mesmo para os padrões de sua administração, já notabilizada por ter liberado
valores sem precedentes a título de emendas parlamentares, malgrado ser o
governo que menos conseguiu converter em lei projetos de sua iniciativa ou
interesse.
Do montante total liberado por Bolsonaro,
quase a metade será paga por meio das emendas do relator-geral do Orçamento da
União, as chamadas emendas RP9, sustentáculo do “orçamento secreto”, mecanismo
que o presidente engendrou, como revelado pelo Estadão, para comprar um
arremedo de base de apoio no Congresso. Ou seja, não haverá qualquer tipo de
transparência sobre cerca de R$ 12 bilhões de que poderão dispor os
parlamentares aliados do governo neste ano eleitoral. Como também não houve
transparência sobre a origem e o destino de outros tantos bilhões de reais
liberados por emendas RP-9 em 2020 e 2021, ao arrepio de nada menos do que uma
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A autorização de Bolsonaro para o pagamento
recorde de emendas parlamentares não significa que todo o dinheiro estará
disponível de imediato. Para organizar minimamente a farra, o governo
estabeleceu um limite para a execução das verbas oriundas das emendas de
relator. De acordo com o decreto, até março poderão ser gastos “apenas” R$ 2,7
bilhões a título de emendas RP-9. Até setembro, o montante chegará a R$ 12 bilhões.
Seguramente, o governo será muito
pressionado a respeito da liberação desses recursos, tanto por parlamentares
como por membros da própria equipe econômica que ainda resistem bravamente à
predação do orçamento público. Embora seja muitíssimo significativo – basta
dizer que o valor das emendas RP-9 supera o orçamento de muitos Ministérios –,
os valores parecem pouco para atender à voracidade dos beneficiários em
potencial, sobretudo porque muitos deles estão em plena campanha para renovar
seus mandatos e querem receber o dinheiro bem antes de outubro.
O “árbitro” dessa disputa por dinheiro
público em que só o contribuinte sai perdendo será o ministro-chefe da Casa
Civil, Ciro Nogueira (PP), prócer do Centrão a quem Bolsonaro, por meio de
outro decreto, deu poder decisório sobre a execução orçamentária, uma
prerrogativa que era do Ministério da Economia.
Com a autorização do pagamento recorde de
emendas parlamentares em 2022, Bolsonaro faz um novo acerto de contas com o
Centrão para que possa prosseguir em sua campanha pela reeleição sem ser
fustigado pelo Congresso.
Passam de 140 os pedidos de impeachment
contra o presidente da República que dormitam na gaveta do presidente da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira (PPAL). Para a parte da sociedade representada
nesses pedidos, os documentos simbolizam a indignidade e a inaptidão de
Bolsonaro para o cargo. Para os caciques do Centrão, a “papelada” é a chave que
abre uma via de acesso ao Orçamento da União com a qual, antes de Bolsonaro,
eles apenas sonhavam.
Economia anda de lado apesar de alta
indicada pelo IBGE
Valor Econômico
A realidade mostra que, em 2021, a economia
foi capaz apenas de recuperar o tombo de 2020
Dados divulgados este mês pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram crescimento em três
grandes setores da economia no ano passado. A indústria cresceu 3,9% em 2021
ante queda de 4,5% em 2020. O comércio teve expansão de 1,4% em relação à alta
de 1,2% no ano anterior. E os serviços fecharam 2021 com alta de 10,9% frente
ao recuo de 7,8% em 2020. Apesar dos números positivos no agregado, houve perda
de fôlego no varejo e nos serviços, no quarto trimestre do ano passado,
enquanto a indústria permaneceu estável em relação ao trimestre anterior. Os
números confirmam que, frente às dificuldades internas e externas, a economia
brasileira continua a andar de lado e deve ter crescimento pífio em 2022,
próximo de zero.
Ao observar as taxas trimestrais divulgadas
pelo IBGE, percebe-se que, no quarto trimestre de 2021, a indústria ficou
estável frente ao terceiro trimestre, após três quedas trimestrais seguidas. Já
o varejo restrito - que não inclui vendas de veículos e de material de
construção - registrou queda de 2,1% no quarto trimestre na comparação com o
trimestre anterior. Os serviços, por sua vez, desaceleraram para 0,4% no 4º
trimestre, frente ao trimestre anterior.
Quando se olham só os dados de dezembro
sobre novembro, houve recuo de 0,1% no varejo restrito e avanço de 1,4% nos
serviços, na série com ajuste sazonal. Na indústria, a alta foi de 2,9%. Apesar
dos ganhos, os resultados sugerem um começo de ano mais fraco.
No dia 24 o IBGE vai divulgar o indicador
do mercado de trabalho relativo a dezembro de 2021. No trimestre móvel
encerrado em novembro, a taxa de desemprego no país ficou em 11,6%, abaixo dos
12,1% do trimestre móvel encerrado em outubro. Embora tenha havido reação na
criação de vagas, o rendimento médio do trabalhador caiu.
Até novembro o Brasil tinha 12,4 milhões de
desempregados. Análise da consultoria IDados indica que o nível de desemprego
deve acompanhar a estagnação da economia em 2022.
No front externo, ainda há gargalos na
cadeia de suprimentos global, expectativa de aumento dos juros nos Estados
Unidos, o que não é bom para países emergentes como o Brasil, e incertezas em
relação às novas variantes da covid-19. No campo doméstico, além do crescimento
de casos de covid-19 pela variante ômicron, há uma inflação que permanece
elevada e pode mais uma vez ultrapassar o teto da meta, juros em alta, altos
índices de desemprego e incertezas relacionadas às eleições.
Os números oficiais do PIB de 2021 serão
conhecidos em 4 de março, quando o IBGE divulga as contas nacionais do último
trimestre do ano passado. Na semana passada, o Banco Central divulgou o seu
indicador, o Índice de Atividade (IBC-Br), que subiu 0,33% em dezembro, e
acumulou alta de 4,5% em 2021 depois de queda de 4,05% em 2020.
O desempenho vai de encontro às projeções
de mercado do Relatório Focus, do BC, que esta semana indicou expansão do PIB
de 4,5% em 2021, um leve ajuste ante a previsão anterior, de 4,49%. Para 2022,
o Focus prevê crescimento econômico de 0,30%. Em 2023, o ponto-médio das
estimativas para o PIB caiu de 1,53% para 1,50% e, para 2024, manteve-se em
alta de 2%.
O crescimento do PIB em 2021 foi garantido
pelo impulso do primeiro trimestre do ano e houve efeito de carregamento
estatístico do ano anterior. Depois a economia andou de lado no agregado.
Setorialmente, foi possível ver algumas mudanças. A indústria perdeu espaço por
restrições derivadas dos gargalos de insumos e de logística globais, que
limitaram a produção. Quando essa situação for resolvida, a indústria precisará
recompor estoques para poder aumentar a produção, o que ajuda na atividade
econômica. Os serviços, por sua vez, ganharam impulso no ano passado com o
avanço da vacinação e a redução de medidas de restrição à mobilidade. Mas se
expandiram sobre base baixa e, a partir de agora, vão ter mais dificuldade para
seguir crescendo.
O saldo agregado de 2021 foi de frustração
uma vez que, em meados do ano passado, havia expectativa de crescimento maior
para o biênio 2021-2022, que não deve se confirmar. Outro fator local que
explica essa frustração foi a seca do ano passado, quando choveu 28% a menos do
que a média dos últimos 40 anos, segundo cálculos do economista Bráulio Borges
da FGV Ibre. A alta da conta de luz impacta decisões de investimento e reduz a
renda para o consumidor.
A realidade mostra que, em 2021, a economia
foi capaz apenas de recuperar o tombo de 2020.
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