EDITORIAIS
Senado faz bem em priorizar PEC da reforma
tributária
O Globo
O calendário eleitoral não deveria ser
pretexto para adiar a agenda de reformas urgentes para modernizar a economia
brasileira. Por isso fez bem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
ao se comprometer com a votação do texto sobre a mudança da estrutura
tributária — barafunda injusta, bizarra e freio ao crescimento. A Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 110, relatada pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA),
deverá ser avaliada ainda nesta semana pela Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ). Assim que estiver aprovada na CCJ, Pacheco prometeu levá-la
imediatamente ao plenário.
O relator apresentou sua proposta no ano
passado. A nova versão que deverá ser examinada na CCJ ainda não veio a
público. Se o texto não tiver sido alterado de modo substantivo, trata-se da
melhor chance de o Brasil avançar na questão. Por dois motivos: ataca a
complexidade da estrutura tributária e elimina impostos cumulativos.
O texto original propõe um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) fundindo vários impostos. A diferença em relação às propostas do tipo é a criação de um sistema dual. Uma parte dos tributos ficaria com a União, a outra com estados e municípios. Ao estabelecer uma legislação nacional para o ICMS e determinar a cobrança no lugar de destino, não mais na origem, a mudança daria fim à guerra fiscal que distorce as decisões de investimento e alocação de recursos.
Executivos estrangeiros, quando
transferidos ao Brasil, precisam fazer um curso rápido para entender nossa
convoluta estrutura tributária. Não há nada comparável em outra grande
economia. A unificação de impostos traria um ar de normalidade ao sistema.
Um dos resultados esperados da eventual
aprovação no Senado e na Câmara é a queda no tempo gasto pelas empresas para
entender como manter os tributos em dia. Outra provável consequência é a queda
no número de litígios. O Brasil tem excesso de regras e detalhes. Pior: as
interpretações do Fisco vivem mudando. Mesmo quem quer fazer tudo certo muitas
vezes se vê perdido e acaba sem opção a não ser recorrer à Justiça. Resultado:
o Brasil tem o maior contencioso tributário do mundo. Perdem-se tempo e
dinheiro.
A proposta original da PEC 110 ataca outro
grande problema: muitos impostos pagos em cascata ao longo de uma cadeia
produtiva não são recuperados pelas empresas. Essa situação é trágica porque
reduz a competitividade da economia. As companhias deveriam poder reaver esses
tributos, como acontece noutros países. Seria essencial que o novo texto da PEC
mantivesse o fim dessa cobrança cumulativa.
A sociedade precisa estar atenta para
analisar em detalhes esse novo texto que será lido pelo relator na CCJ. É
importante conferir se as ideias não foram desfiguradas, como já ocorreu outras
vezes. A mesma preocupação deve ser mantida até a votação final nas duas Casas.
A estrutura tributária brasileira é uma
aberração até hoje porque setores e segmentos beneficiados pelo statu quo
sempre foram eficientes em derrotar qualquer tentativa de avanço. Forças
retrógradas exageram previsões dos custos da mudança para conquistar apoio no
Congresso. Concentram-se no detalhe e esquecem o todo. Isso não pode se
repetir. O Brasil precisa de uma estrutura tributária capaz de gerar
crescimento, não de sufocá-lo.
É preciso pôr fim à descabida ‘taxa do
príncipe’ cobrada em Petrópolis
O Globo
As cenas de morte e destruição que se
seguiram à tempestade devastadora da semana passada em Petrópolis, na Região
Serrana do Rio, trouxeram à tona o debate sobre o imposto absurdo apelidado
“taxa do príncipe”, um laudêmio que moradores da cidade precisam pagar até hoje
aos herdeiros da família imperial. Uma distorção que se perpetua e expõe como o
Brasil — uma República desde 1889 — ainda sustenta privilégios de uma realeza
que não existe há mais de um século.
Criado em 1847, o laudêmio é cobrado de
proprietários de imóveis na região central da cidade — justamente a mais
atingida pelo temporal —, onde ficava a Fazenda do Córrego Seco, comprada pelo
imperador Pedro I em 1830 e herdada por Pedro II, que instalou no local sua
residência de verão, dando início à ocupação de Petrópolis. Até hoje, mais de
130 anos depois do fim da Monarquia, um percentual de 2,5% das transações
imobiliárias no município é destinado a descendentes da família imperial. A
taxa é arrecadada pela Companhia Imobiliária de Petrópolis (CIP), constituída
pelos herdeiros. Os valores recolhidos não são de conhecimento público.
Nessa realidade distorcida, bastou uma
mensagem de Dom Bertrand de Orleans e Bragança, trineto de Dom Pedro II,
solidarizando-se com as vítimas do temporal, para que as redes sociais fossem
inundadas pela indignação contra o laudêmio. Dom Bertrand afirmou que sua
família imediata não recebe mais o imposto. Disse que seu pai vendeu as ações
na companhia nos anos 1940. A explicação não aplacou a ira contra a cobrança
descabida.
A indignação é compreensível. Petrópolis é
uma cidade arrasada. O número de mortos se aproxima de 200 e já supera o saldo
das tragédias de 1988 e 2011, até então as mais letais. Famílias vivem o drama
da procura por desaparecidos, enquanto prosseguem as buscas nas comunidades
soterradas por toneladas de terra. Nas áreas mais afetadas, serviços
essenciais, como luz e água, ainda não foram restabelecidos. Quase mil famílias
estão desabrigadas.
Como mostrou reportagem do GLOBO, 65% das
empresas da cidade sofreram danos, acumulando prejuízo de R$ 665 milhões,
segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). A
grande maioria permanece fechada e não tem data para reabrir. Vias importantes,
como a Rua Teresa, maior polo têxtil do estado, estão intransitáveis. A cidade
sofreu perda de 2% no PIB.
Diante desse quadro, a “taxa do príncipe”,
que sempre foi um absurdo, torna-se uma excrescência. Herdeiros da família
imperial deveriam ter a nobreza de abrir mão do laudêmio. É um cenário improvável,
considerando que os descendentes brigam na Justiça pela divisão do butim. Cabe,
pois, aos representantes do povo — vereadores, deputados e senadores — aprovar
leis para pôr fim a essa cobrança esdrúxula e anacrônica. Os recursos dos
moradores devem servir à urgente reconstrução da cidade, e não para manter
privilégios.
Dano à graduação
Folha de S. Paulo
É inaceitável a lentidão do ensino superior
em retomar as aulas presenciais
Dados o avanço da vacinação no país e a
urgência de recuperar perdas devastadoras na educação provocadas pela pandemia,
é inaceitável a lentidão —quando não má vontade— com que instituições de ensino
superior preparam o retorno das aulas presenciais.
Faltam dados para aferir de forma precisa a
situação geral nas universidades e faculdades públicas e privadas, mas há
fartura de exemplos de resistência ao abandono do ensino remoto entre
dirigentes, docentes e demais servidores.
A postergação contínua das atividades
presenciais tem se mostrado prejudicial especialmente para os estudantes que
estão no início ou em vias de conclusão de sua trajetória universitária.
Nas universidades públicas, é sabido que a
pandemia levou em 2020 à queda de 18,8% do número de estudantes que conseguiram
concluir a graduação. Nessas instituições o retorno às salas de aula, no
entanto, tem enfrentado comunicação truncada com a comunidade acadêmica, entre
outros solavancos.
Entre faculdades particulares, como
noticiou a Folha,
muitas optaram por prolongar o ensino remoto alegando riscos em razão da
variante ômicron, enfrentam protestos de alunos e temem que a disputa vá parar
na Justiça.
Anote-se que o Ministério da Educação de
Jair Bolsonaro (PL) alimentou o tumulto ao buscar impedir a exigência de
comprovante de vacinação nas instituições federais —o que, na visão da maioria
do Supremo Tribunal Federal, contraria a autonomia universitária.
Tudo considerado, vacinas e máscaras são as
condições necessárias para que se avance de imediato na restauração gradual da
normalidade, como de resto se dá em todo lugar, incluindo o ensino básico.
É também desejável, obviamente, que se
procurem garantir espaços com boa ventilação e um distanciamento razoável entre
as pessoas. Os estabelecimentos dispõem de autonomia e conhecimento para
encontrar alternativas.
Em São Paulo, a estadual Unicamp anunciou o
cancelamento da matrícula de estudantes que não comprovem ao menos uma dose da
vacina; a Unesp desenvolveu técnica de rastreamento do vírus por coleta de
saliva em grupos.
As atividades acadêmicas decerto podem ser
combinadas com modelos inovadores de ensino experimentados há anos e acelerados
pela pandemia, desde que façam sentido pedagogicamente. O que não se pode é
tomar a Covid-19 como oportunidade para redução de custos com perda de
qualidade.
A educação em todos os níveis precisa ser
prioridade nacional pós-pandêmica. Universidades não podem ser exceção e, muito
menos, espaços de privilégios e resistências corporativistas.
Vindo de quem vem
Folha de S. Paulo
Decreto de Bolsonaro cria temor justificado
de incentivo ao garimpo ilegal
São variadas as ideias fixas de Jair
Bolsonaro (PL), entre as quais reluz o tema do garimpo. A ele o presidente
dedicou decreto
recém-editado com o propósito de fomentar o que chama de
"mineração artesanal e em pequena escala".
O eufemismo se consagra agora nas siglas de
um programa oficial de apoio e desenvolvimento (Pró-Mape) e numa comissão
interministerial (Comape) criada para implementá-lo. Não tanto para disciplinar
o setor, em que campeia a ilegalidade, mas com o aparente intuito de
incentivá-lo.
Os objetivos do Pró-Mape são vagos:
integrar e fortalecer políticas setoriais, sociais, econômicas e ambientais
para o desenvolvimento da atividade; estimular melhores práticas, formalização
e promoção da saúde, da assistência e da dignidade das pessoas envolvidas; e
promover sinergia entre as partes interessadas e envolvidas na cadeia
produtiva.
O veio de boas intenções não renderá
grandes pepitas nas reuniões semestrais da Comape (ocorrerão só duas, se tanto,
até findar o atual mandato). Mas garimpeiros atilados poderão reconhecer a
senha do vocábulo "formalização".
O decreto indica a Amazônia como região
prioritária para a Comape. Ora, ali predomina a mineração clandestina, que nada
mais tem de artesanal ou de pequena escala. Ela mobiliza investimento
milionário (balsas e escavadeiras) para turvar rios como o antes verde Tapajós
e conspurcar paraísos como Alter do Chão.
Não falta diploma legal para formalizar
garimpos, regidos como são desde 1989 pela lei 7.805. Ela estipula que lavras
garimpeiras podem abranger até 50 hectares, salvo no caso de cooperativas, e
impõe responsabilidades e obrigações.
Falta, em realidade, capacidade e
disposição de órgãos federais para exigir tais condições. Mais de 30 toneladas
de ouro saem do país de modo irregular por ano, estima relatório recente, forte
indício de exploração ilegal (sem autorização ou fora dos limites da lavra).
Helicópteros do Ibama foram incendiados em
Manaus, em revide pela queima legítima de maquinário flagrado em lavras ilegais.
Em áreas conflagradas, como Jacareacanga (PA), a Polícia Federal vem sendo
recebida com pedras.
O afago pretendido com o decreto, é lícito
temer, pode excitar ânimos já exaltados com a promessa implícita de
regularização —assim como a leniência com o desmatamento estimulou a grilagem.
O mito do grande articulador
O Estado de S. Paulo
Lula se apresenta como exímio negociador,
mas evidências mostram que a governabilidade lulopetista foi altamente custosa
e pouco efetiva
Uma das narrativas que circulam a propósito
da candidatura do ex-presidente Lula à Presidência é a de que ele teria sido um
grande articulador junto ao Congresso, e que seus talentos como negociador
garantiriam a aprovação dos programas transformadores de que o Brasil precisa.
Trata-se de uma falácia, por dois motivos: primeiro porque Lula não tem agora,
como não teve no passado, grandes reformas a propor – ao contrário, ele já
avisou que não as promoverá. Depois, porque os dados desmentem o mito do grande
articulador.
Em regimes presidenciais multipartidários,
o grande desafio dos presidentes após as eleições é construir e administrar
coalizões. Assume-se que presidentes à frente de coalizões minoritárias são
mais vulneráveis a iniciativas como impeachments ou comissões parlamentares de
inquérito e são menos eficazes do que seus pares majoritários na implementação de
suas agendas. Porém, em estudo apresentado na Associação Brasileira de Ciência
Política, os pesquisadores Carlos Pereira, Marcus Melo e Frederico Bertholini
verificaram que não só a condição minoritária dos presidentes em regimes
multipartidários é a norma ao redor do mundo, como em diversas ocasiões
presidentes minoritários foram bem-sucedidos na implementação de sua agenda,
enquanto muitos que gozavam de uma maioria nominal enfrentaram alta
instabilidade institucional.
As evidências mostram que a efetividade das
gestões presidenciais não se explica pelo mero tamanho das coalizões, mas por
fatores como a congruência ideológica e o grau de poder e recursos
compartilhados com os aliados. A coalizão articulada por Michel Temer, por
exemplo, tinha praticamente o mesmo tamanho da de Dilma Rousseff, mas ele
sobreviveu a dois pedidos de impeachment e aprovou reformas expressivas.
A pesquisa constatou que as coalizões
montadas por Lula foram grandes, mas, com o hegemonismo e voluntarismo
característicos do lulopetismo, foram heterogêneas, desproporcionais e as mais
distantes das preferências do Congresso. “Como consequência, o custo de
governabilidade de Lula (medido por um índice que agrega o número de
Ministérios, seus gastos orçamentários e execução das emendas parlamentares)
foi duas vezes e meia superior ao de FHC e quase seis vezes maior do que
Temer”, explicou Carlos Pereira, em artigo no Estadão. “Além de incongruentes,
as coalizões de Lula foram monopolistas, na medida em que o PT foi o principal
destinatário desses recursos, com 70%, enquanto seus parceiros receberam apenas
30%.”
Quando o PT assumiu o Planalto, em 2003, o
custo da governabilidade aumentou enormemente. Isso não seria problema se esse
custo fosse compensado. Não basta conquistar governabilidade, é preciso que ela
sirva para algo. Mas quais foram as grandes reformas aprovadas nas gestões
petistas?
Inversamente, os ex-presidentes Fernando
Henrique Cardoso e Michel Temer aprovaram programas ambiciosos e muitas vezes
impopulares com baixo custo. O Congresso é a instância de representação popular
por excelência, e a sensibilidade à composição ideológica das legislaturas foi
essencial. Além disso, ambos se dispuseram a compartilhar poder e recursos com
seus aliados. Na primeira gestão de FHC, por exemplo, os custos com seu próprio
partido, o PSDB, foram significativamente menores do que com os outros partidos
aliados. Temer alocou menos de 30% dos recursos ao seu próprio partido, o MDB,
e 70% para seus aliados.
Assim como a hegemonia de Lula prevalece
sobre os demais quadros do PT, o PT sempre busca a hegemonia sobre seus
aliados. O modo como o partido vem impondo candidaturas regionais nas
negociações de potenciais federações partidárias mostra que essa estratégia permanece
intacta.
O estilo PT de governar sai caro ao País.
Não se trata apenas das políticas populistas e irresponsáveis (para não falar
dos escândalos de corrupção) que tanto degradaram o quadro fiscal e a
moralidade pública do Brasil, mas da sua própria concepção de presidencialismo
de coalizão. As ambições lulopetistas de governar à revelia das preferências
dos representantes eleitos no Congresso são garantia de um governo muito
custoso e pouco efetivo.
O agronegócio e o risco climático
O Estado de S. Paulo
Devastação e mudança do clima podem
resultar em perdas multibilionárias no setor mais competitivo da economia
brasileira
Uma seca devastadora, a mais severa em
décadas, já causou perdas de R$ 71,9 bilhões a produtores de grãos do Sul e do
Centro-oeste, segundo estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil (CNA). Ao mesmo tempo, chuvas em excesso reduziram a colheita de frutas
no Vale do Rio São Francisco, impondo prejuízos consideráveis aos plantadores,
mesmo com a alta de preços decorrente da menor oferta. Apesar dos danos, a
safra 2021-22 ainda poderá atingir 268,2 milhões de toneladas de cereais,
leguminosas e oleaginosas, segundo a última estimativa do Ministério da
Agricultura, superando por 5% a colheita da temporada anterior. Mas esse
resultado será 5,7% menor que o previsto no levantamento de janeiro, de 284,4
milhões. Todo esse estrago será apenas consequência de fenômenos conhecidos há
muitos anos, como La Niña, ou já refletirá os efeitos do aquecimento causado pela
devastação ambiental?
Com ou sem La Niña e El Niño, mudanças
climáticas estão presentes e seus efeitos são notados no Brasil e na maior
parte da América do Sul, segundo especialistas em questões ambientais. Eventos
extremos, como tempestades, enchentes, furacões, ciclones, secas prolongadas e
ondas de calor, tendem a ocorrer com maior frequência, impondo a centenas de
milhões de pessoas condições de vida mais desafiadoras. Uma tentativa de
quantificação desse aumento foi apresentada em agosto de 2021 pelo Painel
Intergovernamental de Mudança do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU).
Exemplo: ondas de calor já ocorrem com o triplo da frequência observada no
período de 1850 a 1900.
Economicamente relevantes em todo o mundo,
esses eventos meteorológicos têm especial importância no Brasil, um dos maiores
produtores e exportadores de alimentos e de matérias-primas de origem
agropecuária. Além de ser o setor mais eficiente e mais competitivo da economia
brasileira, o agronegócio é um fator essencial de bem-estar das famílias e de
estabilidade econômica. Qualquer governo responsável se empenharia, portanto,
em evitar políticas ambientais perigosas para a produção rural – pelo menos
para preservar o bom funcionamento da economia. Um governo sério também levaria
em conta outros objetivos e interesses, bem mais amplos, mas o cuidado com a
saúde econômica já produziria bons efeitos.
A alimentação tem grande peso no orçamento
da maioria dos brasileiros e, portanto, suas condições de oferta podem afetar
muito sensivelmente a evolução dos preços ao consumidor. Em janeiro, por
exemplo, o encarecimento do item alimentação e bebidas (1,11%) teve impacto de
0,23 ponto de porcentagem na alta geral do índice de preços (0,54%).
Especialistas em índices de inflação já se
mostram preocupados com os possíveis efeitos da quebra de produção de vários
produtos agropecuários. Milho e farelo de soja com preços mais altos – para
citar só dois exemplos – tendem a elevar os custos de produção de aves e
suínos, tornando menos acessíveis à maioria da população duas importantes
fontes de proteína.
Além de essencial para o abastecimento
interno, o agronegócio tem relevância estratégica para o comércio
internacional. Seu superávit comercial, US$ 108,4 bilhões nos 12 meses até
janeiro, compensou o déficit de outros setores e deixou uma grande sobra. Nesse
período, o agronegócio exportou produtos no valor de US$ 123,7 bilhões, ou
43,3% de toda a receita comercial do Brasil. Foi uma participação menor que a
de um ano antes, de 48%, mas o novo número basta para mostrar a enorme
importância do setor nas transações externas. Em janeiro deste ano, o valor
exportado, US$ 8,8 bilhões, foi recorde para o mês e equivaleu a 44,9% do total
faturado.
A força do agronegócio garante, além de
outros benefícios muito importantes, a saúde das contas externas, diminuindo o
risco de crises muito dolorosas. Se levasse em conta esse dado, o presidente
Jair Bolsonaro já encontraria um excelente motivo – bem mais forte que as
pressões internacionais – para estimular práticas ambientais muito mais sérias
e responsáveis.
Firmeza contra a insubordinação
O Estado de S. Paulo
A fim de preservar a disciplina e a
hierarquia, Romeu Zema deve destituir o comandante da PM de Minas Gerais
Em um claro ato de insubordinação, o
comandante da Polícia Militar (PM) de Minas Gerais, coronel Rodrigo Sousa
Rodrigues, autorizou a participação de militares da ativa em protestos contra o
governador do Estado, Romeu Zema (Novo), realizados ontem. Para manter a ordem
e a disciplina na PM mineira, é fundamental que o governador destitua
imediatamente o coronel Rodrigues do comando da corporação. Esta é a única
resposta à altura de uma afronta tão desabrida ao regulamento militar e à
Constituição.
Em nota que se prestava a “justificar” a
decisão de autorizar a presença de policiais militares da ativa nos protestos
contra Zema, a quem, convém recordar, a PM está subordinada, o coronel
Rodrigues, tal como um agitador sindicalista, colocou acima de seus deveres
legais a “defesa diuturna dos interesses e direitos da corporação”. Obviamente,
está-se tratando de reajuste salarial, a despeito do aumento de 13% que o
Palácio Tiradentes já concedeu às forças de segurança do Estado. Mas isso é
apenas o que está na superfície da quebra de hierarquia, grave por si só.
Subjaz na atitude do coronel Rodrigues uma tática do presidente Jair Bolsonaro
para minar o poder dos governos estaduais estimulando a participação de agentes
de segurança em atos de natureza política. Uma das marcas da administração
Bolsonaro foi justamente esse conflito permanente com governadores e prefeitos.
As leis e a Constituição são muito claras
ao vedar a participação de policiais militares da ativa em protestos políticos
ou atividades sindicais. Não há qualquer margem para discussão. A razão é
elementar: militares que portam armas e detêm o monopólio da violência em nome
do Estado não podem tomar partido em manifestações de natureza política, atos
eminentemente civis. Devem limitar sua presença ao policiamento ostensivo,
garantindo a ordem, a segurança dos manifestantes e a integridade do
patrimônio, público ou privado.
Contudo, a clareza incontornável da vedação
legal não foi barreira forte o bastante à insubordinação do coronel Rodrigues
tendo em vista que a baderna nas forças de segurança nos Estados é estimulada
por ninguém menos que o presidente da República. Como mau militar que foi,
Bolsonaro entende desse riscado. O presidente ascendeu na política após sua
saída desonrosa do Exército justamente minando a disciplina e a hierarquia na
caserna ao explorar as insatisfações dos militares de baixa patente em benefício
próprio.
A Bolsonaro sempre interessou muito ter
focos de mobilização política entre as forças de segurança pública, ainda mais
agora, que tem uma dura campanha eleitoral pela frente. O presidente já ameaçou
não aceitar uma eventual derrota e conta com uma militância mais agressiva para
tumultuar o País e evitar uma transferência pacífica de poder.
Em São Paulo, o governador João Doria
(PSDB) destituiu um comandante da PM no interior do Estado que convocou
“amigos” pelas redes sociais para a manifestação golpista de Bolsonaro no 7 de
Setembro. Governadores de todo o Brasil devem ser intransigentes com a
insubordinação.
Desastre em Petrópolis expõe falhas das
políticas públicas
Valor Econômico
É preciso oferecer à população alternativas
que envolvam moradia e infraestrutura urbana. Isso envolve uma ação articulada
de todos os poderes
A tragédia da semana passada em Petrópolis,
na região serrana do Rio, expôs as falhas dos investimentos públicos em áreas
básicas como saneamento e limpeza urbana e as deficiências da política
habitacional. O fato de os Estados terem contabilizado investimentos elevados
no ano passado, alimentados por arrecadação surpreendentemente melhor,
evidencia que não foi por falta de dinheiro que faltaram medidas de prevenção
de desastres. Nem o discurso ufanista do programa Casa Verde Amarela evitou que
milhares ainda vivam em condições precárias.
Uma combinação incomum de fatores propiciou
o salto real de 83,6% dos investimentos do Estados em 2021 em relação a 2020 (Valor 15/2). Preços de
commodities em alta, assim como o câmbio e a inflação e transferências de recursos
federais destinados ao combate à pandemia inflaram as receitas com a
arrecadação própria e repasses da União. Do outro lado, algumas despesas
ficaram congeladas como as dos salários de funcionários, além das contratações,
que estiveram suspensas.
Os investimentos dos 26 Estados e do
Distrito Federal somaram R$ 75,9 bilhões e tiveram expansão elevada mesmo nos
mais afetados por eventos climáticos extremos, que registraram número mais
elevado de perdas de vida. No Rio, os investimentos aumentaram 80,6%; em Minas,
191,7%, em São Paulo, 98,3%; e na Bahia, de 50,3%. Para este ano de eleições,
parte dos Estados já planeja avançar ainda mais, além de repor os salários dos
servidores.
Os recursos investidos foram em geral
destinados a obras de construção de estradas, hospitais, escolas,
infraestrutura e segurança. Não chegaram aos pontos mais críticos, nos casos de
maior desastre, como Petrópolis no Rio, ou Franco da Rocha, em São Paulo. Até
no caso de Petrópolis, mesmo considerando os 230 mm de chuva que castigaram a
região, com a maior intensidade em 90 anos, especialistas dizem que a tragédia
poderia ter sido evitada ou bastante minorada se houvesse investimento no
planejamento urbano para frear aglomerações em áreas que apresentem maior
perigo e tivessem sido realizadas as obras de saneamento nos locais críticos.
Os dados revelam que até mesmo quando o
dinheiro disponível era pouco ele não foi totalmente gasto, mostrando falta de
planejamento e preparo técnico. Segundo o Ministério do Desenvolvimento
Regional, Petrópolis teve empenhados R$ 60 milhões desde 2011 para obras de
prevenção, verba que vai sendo repassada à medida em que é gasta. Deste
montante, foram efetivamente usados pela prefeitura R$ 41,4 milhões. Dos
recursos estaduais destinados à prevenção, pequena parcela foi utilizada. Dos
R$ 402 milhões orçados, só R$ 167 milhões foram aplicados.
O mesmo aconteceu na região serrana do Rio
como um todo, que ainda não recebeu boa parte do dinheiro prometido pelo
Ministério do Desenvolvimento Regional para prevenção de novas tragédias, 11
anos após o temporal que deixou quase 1 mil mortos. Também nesse caso há o
“empurra-empurra” entre governo federal e municípios que não realizam as obras
necessárias. De R$ 987,6 milhões empenhados pelo Ministério do Desenvolvimento
Regional na ocasião para obras de manejo de águas pluviais apenas R$ 53 milhões
foram pagos até hoje, sendo que R$ 11,6 milhões só foram repassados nos últimos
três anos para obras de drenagem urbana.
Em balanço realizado no ano passado, o
estado do Rio reconheceu que um terço da verba de cerca de R$ 500 milhões
destinada à construção de moradias, contenção de encostas e limpeza do leito
dos principais rios não havia sido ainda aplicado. Pelas contas do governo,
foram investidos mais de R$ 1 bilhão na entrega de mais de 4 mil casas, no
reassentamento de 2,9 mil famílias, em 93 obras de contenção de encostas, na
reconstrução de 24 pontes e na limpeza de leitos de oito rios. Mesmo assim,
faltava entregar cerca de mil moradias e realizar dez contenções e
desassoreamentos.
A questão habitacional é outra faceta do
problema. A mudança de regras do Casa Verde e Amarela, programa que substitui o
Minha Casa Minha Vida piorou o quadro. O novo programa abriu espaço para o uso
de recursos em reformas, o que esvaziou o objetivo original de reduzir o
déficit habitacional. Para seus críticos, está sendo usado com fins
eleitoreiros pelo governo de Jair Bolsonaro. É preciso evitar que a população
viva em áreas de risco, oferecendo alternativas que envolvam moradia e infraestrutura
urbana. Isso envolve uma ação articulada de todos os poderes. Mas falta vontade
política para tanto.
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