terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Senado faz bem em priorizar PEC da reforma tributária

O Globo

O calendário eleitoral não deveria ser pretexto para adiar a agenda de reformas urgentes para modernizar a economia brasileira. Por isso fez bem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao se comprometer com a votação do texto sobre a mudança da estrutura tributária — barafunda injusta, bizarra e freio ao crescimento. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110, relatada pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), deverá ser avaliada ainda nesta semana pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Assim que estiver aprovada na CCJ, Pacheco prometeu levá-la imediatamente ao plenário.

O relator apresentou sua proposta no ano passado. A nova versão que deverá ser examinada na CCJ ainda não veio a público. Se o texto não tiver sido alterado de modo substantivo, trata-se da melhor chance de o Brasil avançar na questão. Por dois motivos: ataca a complexidade da estrutura tributária e elimina impostos cumulativos.

O texto original propõe um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) fundindo vários impostos. A diferença em relação às propostas do tipo é a criação de um sistema dual. Uma parte dos tributos ficaria com a União, a outra com estados e municípios. Ao estabelecer uma legislação nacional para o ICMS e determinar a cobrança no lugar de destino, não mais na origem, a mudança daria fim à guerra fiscal que distorce as decisões de investimento e alocação de recursos.

Executivos estrangeiros, quando transferidos ao Brasil, precisam fazer um curso rápido para entender nossa convoluta estrutura tributária. Não há nada comparável em outra grande economia. A unificação de impostos traria um ar de normalidade ao sistema.

Um dos resultados esperados da eventual aprovação no Senado e na Câmara é a queda no tempo gasto pelas empresas para entender como manter os tributos em dia. Outra provável consequência é a queda no número de litígios. O Brasil tem excesso de regras e detalhes. Pior: as interpretações do Fisco vivem mudando. Mesmo quem quer fazer tudo certo muitas vezes se vê perdido e acaba sem opção a não ser recorrer à Justiça. Resultado: o Brasil tem o maior contencioso tributário do mundo. Perdem-se tempo e dinheiro.

A proposta original da PEC 110 ataca outro grande problema: muitos impostos pagos em cascata ao longo de uma cadeia produtiva não são recuperados pelas empresas. Essa situação é trágica porque reduz a competitividade da economia. As companhias deveriam poder reaver esses tributos, como acontece noutros países. Seria essencial que o novo texto da PEC mantivesse o fim dessa cobrança cumulativa.

A sociedade precisa estar atenta para analisar em detalhes esse novo texto que será lido pelo relator na CCJ. É importante conferir se as ideias não foram desfiguradas, como já ocorreu outras vezes. A mesma preocupação deve ser mantida até a votação final nas duas Casas.

A estrutura tributária brasileira é uma aberração até hoje porque setores e segmentos beneficiados pelo statu quo sempre foram eficientes em derrotar qualquer tentativa de avanço. Forças retrógradas exageram previsões dos custos da mudança para conquistar apoio no Congresso. Concentram-se no detalhe e esquecem o todo. Isso não pode se repetir. O Brasil precisa de uma estrutura tributária capaz de gerar crescimento, não de sufocá-lo.

É preciso pôr fim à descabida ‘taxa do príncipe’ cobrada em Petrópolis

O Globo

As cenas de morte e destruição que se seguiram à tempestade devastadora da semana passada em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, trouxeram à tona o debate sobre o imposto absurdo apelidado “taxa do príncipe”, um laudêmio que moradores da cidade precisam pagar até hoje aos herdeiros da família imperial. Uma distorção que se perpetua e expõe como o Brasil — uma República desde 1889 — ainda sustenta privilégios de uma realeza que não existe há mais de um século.

Criado em 1847, o laudêmio é cobrado de proprietários de imóveis na região central da cidade — justamente a mais atingida pelo temporal —, onde ficava a Fazenda do Córrego Seco, comprada pelo imperador Pedro I em 1830 e herdada por Pedro II, que instalou no local sua residência de verão, dando início à ocupação de Petrópolis. Até hoje, mais de 130 anos depois do fim da Monarquia, um percentual de 2,5% das transações imobiliárias no município é destinado a descendentes da família imperial. A taxa é arrecadada pela Companhia Imobiliária de Petrópolis (CIP), constituída pelos herdeiros. Os valores recolhidos não são de conhecimento público.

Nessa realidade distorcida, bastou uma mensagem de Dom Bertrand de Orleans e Bragança, trineto de Dom Pedro II, solidarizando-se com as vítimas do temporal, para que as redes sociais fossem inundadas pela indignação contra o laudêmio. Dom Bertrand afirmou que sua família imediata não recebe mais o imposto. Disse que seu pai vendeu as ações na companhia nos anos 1940. A explicação não aplacou a ira contra a cobrança descabida.

A indignação é compreensível. Petrópolis é uma cidade arrasada. O número de mortos se aproxima de 200 e já supera o saldo das tragédias de 1988 e 2011, até então as mais letais. Famílias vivem o drama da procura por desaparecidos, enquanto prosseguem as buscas nas comunidades soterradas por toneladas de terra. Nas áreas mais afetadas, serviços essenciais, como luz e água, ainda não foram restabelecidos. Quase mil famílias estão desabrigadas.

Como mostrou reportagem do GLOBO, 65% das empresas da cidade sofreram danos, acumulando prejuízo de R$ 665 milhões, segundo pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). A grande maioria permanece fechada e não tem data para reabrir. Vias importantes, como a Rua Teresa, maior polo têxtil do estado, estão intransitáveis. A cidade sofreu perda de 2% no PIB.

Diante desse quadro, a “taxa do príncipe”, que sempre foi um absurdo, torna-se uma excrescência. Herdeiros da família imperial deveriam ter a nobreza de abrir mão do laudêmio. É um cenário improvável, considerando que os descendentes brigam na Justiça pela divisão do butim. Cabe, pois, aos representantes do povo — vereadores, deputados e senadores — aprovar leis para pôr fim a essa cobrança esdrúxula e anacrônica. Os recursos dos moradores devem servir à urgente reconstrução da cidade, e não para manter privilégios.

Dano à graduação

Folha de S. Paulo

É inaceitável a lentidão do ensino superior em retomar as aulas presenciais

Dados o avanço da vacinação no país e a urgência de recuperar perdas devastadoras na educação provocadas pela pandemia, é inaceitável a lentidão —quando não má vontade— com que instituições de ensino superior preparam o retorno das aulas presenciais.

Faltam dados para aferir de forma precisa a situação geral nas universidades e faculdades públicas e privadas, mas há fartura de exemplos de resistência ao abandono do ensino remoto entre dirigentes, docentes e demais servidores.

A postergação contínua das atividades presenciais tem se mostrado prejudicial especialmente para os estudantes que estão no início ou em vias de conclusão de sua trajetória universitária.

Nas universidades públicas, é sabido que a pandemia levou em 2020 à queda de 18,8% do número de estudantes que conseguiram concluir a graduação. Nessas instituições o retorno às salas de aula, no entanto, tem enfrentado comunicação truncada com a comunidade acadêmica, entre outros solavancos.

Entre faculdades particulares, como noticiou a Folha, muitas optaram por prolongar o ensino remoto alegando riscos em razão da variante ômicron, enfrentam protestos de alunos e temem que a disputa vá parar na Justiça.

Anote-se que o Ministério da Educação de Jair Bolsonaro (PL) alimentou o tumulto ao buscar impedir a exigência de comprovante de vacinação nas instituições federais —o que, na visão da maioria do Supremo Tribunal Federal, contraria a autonomia universitária.

Tudo considerado, vacinas e máscaras são as condições necessárias para que se avance de imediato na restauração gradual da normalidade, como de resto se dá em todo lugar, incluindo o ensino básico.

É também desejável, obviamente, que se procurem garantir espaços com boa ventilação e um distanciamento razoável entre as pessoas. Os estabelecimentos dispõem de autonomia e conhecimento para encontrar alternativas.

Em São Paulo, a estadual Unicamp anunciou o cancelamento da matrícula de estudantes que não comprovem ao menos uma dose da vacina; a Unesp desenvolveu técnica de rastreamento do vírus por coleta de saliva em grupos.

As atividades acadêmicas decerto podem ser combinadas com modelos inovadores de ensino experimentados há anos e acelerados pela pandemia, desde que façam sentido pedagogicamente. O que não se pode é tomar a Covid-19 como oportunidade para redução de custos com perda de qualidade.

A educação em todos os níveis precisa ser prioridade nacional pós-pandêmica. Universidades não podem ser exceção e, muito menos, espaços de privilégios e resistências corporativistas.

Vindo de quem vem

Folha de S. Paulo

Decreto de Bolsonaro cria temor justificado de incentivo ao garimpo ilegal

São variadas as ideias fixas de Jair Bolsonaro (PL), entre as quais reluz o tema do garimpo. A ele o presidente dedicou decreto recém-editado com o propósito de fomentar o que chama de "mineração artesanal e em pequena escala".

O eufemismo se consagra agora nas siglas de um programa oficial de apoio e desenvolvimento (Pró-Mape) e numa comissão interministerial (Comape) criada para implementá-lo. Não tanto para disciplinar o setor, em que campeia a ilegalidade, mas com o aparente intuito de incentivá-lo.

Os objetivos do Pró-Mape são vagos: integrar e fortalecer políticas setoriais, sociais, econômicas e ambientais para o desenvolvimento da atividade; estimular melhores práticas, formalização e promoção da saúde, da assistência e da dignidade das pessoas envolvidas; e promover sinergia entre as partes interessadas e envolvidas na cadeia produtiva.

O veio de boas intenções não renderá grandes pepitas nas reuniões semestrais da Comape (ocorrerão só duas, se tanto, até findar o atual mandato). Mas garimpeiros atilados poderão reconhecer a senha do vocábulo "formalização".

O decreto indica a Amazônia como região prioritária para a Comape. Ora, ali predomina a mineração clandestina, que nada mais tem de artesanal ou de pequena escala. Ela mobiliza investimento milionário (balsas e escavadeiras) para turvar rios como o antes verde Tapajós e conspurcar paraísos como Alter do Chão.

Não falta diploma legal para formalizar garimpos, regidos como são desde 1989 pela lei 7.805. Ela estipula que lavras garimpeiras podem abranger até 50 hectares, salvo no caso de cooperativas, e impõe responsabilidades e obrigações.

Falta, em realidade, capacidade e disposição de órgãos federais para exigir tais condições. Mais de 30 toneladas de ouro saem do país de modo irregular por ano, estima relatório recente, forte indício de exploração ilegal (sem autorização ou fora dos limites da lavra).

Helicópteros do Ibama foram incendiados em Manaus, em revide pela queima legítima de maquinário flagrado em lavras ilegais. Em áreas conflagradas, como Jacareacanga (PA), a Polícia Federal vem sendo recebida com pedras.

O afago pretendido com o decreto, é lícito temer, pode excitar ânimos já exaltados com a promessa implícita de regularização —assim como a leniência com o desmatamento estimulou a grilagem.

O mito do grande articulador

O Estado de S. Paulo

Lula se apresenta como exímio negociador, mas evidências mostram que a governabilidade lulopetista foi altamente custosa e pouco efetiva

Uma das narrativas que circulam a propósito da candidatura do ex-presidente Lula à Presidência é a de que ele teria sido um grande articulador junto ao Congresso, e que seus talentos como negociador garantiriam a aprovação dos programas transformadores de que o Brasil precisa. Trata-se de uma falácia, por dois motivos: primeiro porque Lula não tem agora, como não teve no passado, grandes reformas a propor – ao contrário, ele já avisou que não as promoverá. Depois, porque os dados desmentem o mito do grande articulador.

Em regimes presidenciais multipartidários, o grande desafio dos presidentes após as eleições é construir e administrar coalizões. Assume-se que presidentes à frente de coalizões minoritárias são mais vulneráveis a iniciativas como impeachments ou comissões parlamentares de inquérito e são menos eficazes do que seus pares majoritários na implementação de suas agendas. Porém, em estudo apresentado na Associação Brasileira de Ciência Política, os pesquisadores Carlos Pereira, Marcus Melo e Frederico Bertholini verificaram que não só a condição minoritária dos presidentes em regimes multipartidários é a norma ao redor do mundo, como em diversas ocasiões presidentes minoritários foram bem-sucedidos na implementação de sua agenda, enquanto muitos que gozavam de uma maioria nominal enfrentaram alta instabilidade institucional.

As evidências mostram que a efetividade das gestões presidenciais não se explica pelo mero tamanho das coalizões, mas por fatores como a congruência ideológica e o grau de poder e recursos compartilhados com os aliados. A coalizão articulada por Michel Temer, por exemplo, tinha praticamente o mesmo tamanho da de Dilma Rousseff, mas ele sobreviveu a dois pedidos de impeachment e aprovou reformas expressivas.

A pesquisa constatou que as coalizões montadas por Lula foram grandes, mas, com o hegemonismo e voluntarismo característicos do lulopetismo, foram heterogêneas, desproporcionais e as mais distantes das preferências do Congresso. “Como consequência, o custo de governabilidade de Lula (medido por um índice que agrega o número de Ministérios, seus gastos orçamentários e execução das emendas parlamentares) foi duas vezes e meia superior ao de FHC e quase seis vezes maior do que Temer”, explicou Carlos Pereira, em artigo no Estadão. “Além de incongruentes, as coalizões de Lula foram monopolistas, na medida em que o PT foi o principal destinatário desses recursos, com 70%, enquanto seus parceiros receberam apenas 30%.”

Quando o PT assumiu o Planalto, em 2003, o custo da governabilidade aumentou enormemente. Isso não seria problema se esse custo fosse compensado. Não basta conquistar governabilidade, é preciso que ela sirva para algo. Mas quais foram as grandes reformas aprovadas nas gestões petistas?

Inversamente, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer aprovaram programas ambiciosos e muitas vezes impopulares com baixo custo. O Congresso é a instância de representação popular por excelência, e a sensibilidade à composição ideológica das legislaturas foi essencial. Além disso, ambos se dispuseram a compartilhar poder e recursos com seus aliados. Na primeira gestão de FHC, por exemplo, os custos com seu próprio partido, o PSDB, foram significativamente menores do que com os outros partidos aliados. Temer alocou menos de 30% dos recursos ao seu próprio partido, o MDB, e 70% para seus aliados.

Assim como a hegemonia de Lula prevalece sobre os demais quadros do PT, o PT sempre busca a hegemonia sobre seus aliados. O modo como o partido vem impondo candidaturas regionais nas negociações de potenciais federações partidárias mostra que essa estratégia permanece intacta.

O estilo PT de governar sai caro ao País. Não se trata apenas das políticas populistas e irresponsáveis (para não falar dos escândalos de corrupção) que tanto degradaram o quadro fiscal e a moralidade pública do Brasil, mas da sua própria concepção de presidencialismo de coalizão. As ambições lulopetistas de governar à revelia das preferências dos representantes eleitos no Congresso são garantia de um governo muito custoso e pouco efetivo.

O agronegócio e o risco climático

O Estado de S. Paulo

Devastação e mudança do clima podem resultar em perdas multibilionárias no setor mais competitivo da economia brasileira

Uma seca devastadora, a mais severa em décadas, já causou perdas de R$ 71,9 bilhões a produtores de grãos do Sul e do Centro-oeste, segundo estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ao mesmo tempo, chuvas em excesso reduziram a colheita de frutas no Vale do Rio São Francisco, impondo prejuízos consideráveis aos plantadores, mesmo com a alta de preços decorrente da menor oferta. Apesar dos danos, a safra 2021-22 ainda poderá atingir 268,2 milhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas, segundo a última estimativa do Ministério da Agricultura, superando por 5% a colheita da temporada anterior. Mas esse resultado será 5,7% menor que o previsto no levantamento de janeiro, de 284,4 milhões. Todo esse estrago será apenas consequência de fenômenos conhecidos há muitos anos, como La Niña, ou já refletirá os efeitos do aquecimento causado pela devastação ambiental?

Com ou sem La Niña e El Niño, mudanças climáticas estão presentes e seus efeitos são notados no Brasil e na maior parte da América do Sul, segundo especialistas em questões ambientais. Eventos extremos, como tempestades, enchentes, furacões, ciclones, secas prolongadas e ondas de calor, tendem a ocorrer com maior frequência, impondo a centenas de milhões de pessoas condições de vida mais desafiadoras. Uma tentativa de quantificação desse aumento foi apresentada em agosto de 2021 pelo Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU). Exemplo: ondas de calor já ocorrem com o triplo da frequência observada no período de 1850 a 1900.

Economicamente relevantes em todo o mundo, esses eventos meteorológicos têm especial importância no Brasil, um dos maiores produtores e exportadores de alimentos e de matérias-primas de origem agropecuária. Além de ser o setor mais eficiente e mais competitivo da economia brasileira, o agronegócio é um fator essencial de bem-estar das famílias e de estabilidade econômica. Qualquer governo responsável se empenharia, portanto, em evitar políticas ambientais perigosas para a produção rural – pelo menos para preservar o bom funcionamento da economia. Um governo sério também levaria em conta outros objetivos e interesses, bem mais amplos, mas o cuidado com a saúde econômica já produziria bons efeitos.

A alimentação tem grande peso no orçamento da maioria dos brasileiros e, portanto, suas condições de oferta podem afetar muito sensivelmente a evolução dos preços ao consumidor. Em janeiro, por exemplo, o encarecimento do item alimentação e bebidas (1,11%) teve impacto de 0,23 ponto de porcentagem na alta geral do índice de preços (0,54%).

Especialistas em índices de inflação já se mostram preocupados com os possíveis efeitos da quebra de produção de vários produtos agropecuários. Milho e farelo de soja com preços mais altos – para citar só dois exemplos – tendem a elevar os custos de produção de aves e suínos, tornando menos acessíveis à maioria da população duas importantes fontes de proteína.

Além de essencial para o abastecimento interno, o agronegócio tem relevância estratégica para o comércio internacional. Seu superávit comercial, US$ 108,4 bilhões nos 12 meses até janeiro, compensou o déficit de outros setores e deixou uma grande sobra. Nesse período, o agronegócio exportou produtos no valor de US$ 123,7 bilhões, ou 43,3% de toda a receita comercial do Brasil. Foi uma participação menor que a de um ano antes, de 48%, mas o novo número basta para mostrar a enorme importância do setor nas transações externas. Em janeiro deste ano, o valor exportado, US$ 8,8 bilhões, foi recorde para o mês e equivaleu a 44,9% do total faturado.

A força do agronegócio garante, além de outros benefícios muito importantes, a saúde das contas externas, diminuindo o risco de crises muito dolorosas. Se levasse em conta esse dado, o presidente Jair Bolsonaro já encontraria um excelente motivo – bem mais forte que as pressões internacionais – para estimular práticas ambientais muito mais sérias e responsáveis.

Firmeza contra a insubordinação

O Estado de S. Paulo

A fim de preservar a disciplina e a hierarquia, Romeu Zema deve destituir o comandante da PM de Minas Gerais

Em um claro ato de insubordinação, o comandante da Polícia Militar (PM) de Minas Gerais, coronel Rodrigo Sousa Rodrigues, autorizou a participação de militares da ativa em protestos contra o governador do Estado, Romeu Zema (Novo), realizados ontem. Para manter a ordem e a disciplina na PM mineira, é fundamental que o governador destitua imediatamente o coronel Rodrigues do comando da corporação. Esta é a única resposta à altura de uma afronta tão desabrida ao regulamento militar e à Constituição.

Em nota que se prestava a “justificar” a decisão de autorizar a presença de policiais militares da ativa nos protestos contra Zema, a quem, convém recordar, a PM está subordinada, o coronel Rodrigues, tal como um agitador sindicalista, colocou acima de seus deveres legais a “defesa diuturna dos interesses e direitos da corporação”. Obviamente, está-se tratando de reajuste salarial, a despeito do aumento de 13% que o Palácio Tiradentes já concedeu às forças de segurança do Estado. Mas isso é apenas o que está na superfície da quebra de hierarquia, grave por si só. Subjaz na atitude do coronel Rodrigues uma tática do presidente Jair Bolsonaro para minar o poder dos governos estaduais estimulando a participação de agentes de segurança em atos de natureza política. Uma das marcas da administração Bolsonaro foi justamente esse conflito permanente com governadores e prefeitos.

As leis e a Constituição são muito claras ao vedar a participação de policiais militares da ativa em protestos políticos ou atividades sindicais. Não há qualquer margem para discussão. A razão é elementar: militares que portam armas e detêm o monopólio da violência em nome do Estado não podem tomar partido em manifestações de natureza política, atos eminentemente civis. Devem limitar sua presença ao policiamento ostensivo, garantindo a ordem, a segurança dos manifestantes e a integridade do patrimônio, público ou privado.

Contudo, a clareza incontornável da vedação legal não foi barreira forte o bastante à insubordinação do coronel Rodrigues tendo em vista que a baderna nas forças de segurança nos Estados é estimulada por ninguém menos que o presidente da República. Como mau militar que foi, Bolsonaro entende desse riscado. O presidente ascendeu na política após sua saída desonrosa do Exército justamente minando a disciplina e a hierarquia na caserna ao explorar as insatisfações dos militares de baixa patente em benefício próprio.

A Bolsonaro sempre interessou muito ter focos de mobilização política entre as forças de segurança pública, ainda mais agora, que tem uma dura campanha eleitoral pela frente. O presidente já ameaçou não aceitar uma eventual derrota e conta com uma militância mais agressiva para tumultuar o País e evitar uma transferência pacífica de poder.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) destituiu um comandante da PM no interior do Estado que convocou “amigos” pelas redes sociais para a manifestação golpista de Bolsonaro no 7 de Setembro. Governadores de todo o Brasil devem ser intransigentes com a insubordinação.

Desastre em Petrópolis expõe falhas das políticas públicas

Valor Econômico

É preciso oferecer à população alternativas que envolvam moradia e infraestrutura urbana. Isso envolve uma ação articulada de todos os poderes

A tragédia da semana passada em Petrópolis, na região serrana do Rio, expôs as falhas dos investimentos públicos em áreas básicas como saneamento e limpeza urbana e as deficiências da política habitacional. O fato de os Estados terem contabilizado investimentos elevados no ano passado, alimentados por arrecadação surpreendentemente melhor, evidencia que não foi por falta de dinheiro que faltaram medidas de prevenção de desastres. Nem o discurso ufanista do programa Casa Verde Amarela evitou que milhares ainda vivam em condições precárias.

Uma combinação incomum de fatores propiciou o salto real de 83,6% dos investimentos do Estados em 2021 em relação a 2020 (Valor 15/2). Preços de commodities em alta, assim como o câmbio e a inflação e transferências de recursos federais destinados ao combate à pandemia inflaram as receitas com a arrecadação própria e repasses da União. Do outro lado, algumas despesas ficaram congeladas como as dos salários de funcionários, além das contratações, que estiveram suspensas.

Os investimentos dos 26 Estados e do Distrito Federal somaram R$ 75,9 bilhões e tiveram expansão elevada mesmo nos mais afetados por eventos climáticos extremos, que registraram número mais elevado de perdas de vida. No Rio, os investimentos aumentaram 80,6%; em Minas, 191,7%, em São Paulo, 98,3%; e na Bahia, de 50,3%. Para este ano de eleições, parte dos Estados já planeja avançar ainda mais, além de repor os salários dos servidores.

Os recursos investidos foram em geral destinados a obras de construção de estradas, hospitais, escolas, infraestrutura e segurança. Não chegaram aos pontos mais críticos, nos casos de maior desastre, como Petrópolis no Rio, ou Franco da Rocha, em São Paulo. Até no caso de Petrópolis, mesmo considerando os 230 mm de chuva que castigaram a região, com a maior intensidade em 90 anos, especialistas dizem que a tragédia poderia ter sido evitada ou bastante minorada se houvesse investimento no planejamento urbano para frear aglomerações em áreas que apresentem maior perigo e tivessem sido realizadas as obras de saneamento nos locais críticos.

Os dados revelam que até mesmo quando o dinheiro disponível era pouco ele não foi totalmente gasto, mostrando falta de planejamento e preparo técnico. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, Petrópolis teve empenhados R$ 60 milhões desde 2011 para obras de prevenção, verba que vai sendo repassada à medida em que é gasta. Deste montante, foram efetivamente usados pela prefeitura R$ 41,4 milhões. Dos recursos estaduais destinados à prevenção, pequena parcela foi utilizada. Dos R$ 402 milhões orçados, só R$ 167 milhões foram aplicados.

O mesmo aconteceu na região serrana do Rio como um todo, que ainda não recebeu boa parte do dinheiro prometido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional para prevenção de novas tragédias, 11 anos após o temporal que deixou quase 1 mil mortos. Também nesse caso há o “empurra-empurra” entre governo federal e municípios que não realizam as obras necessárias. De R$ 987,6 milhões empenhados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional na ocasião para obras de manejo de águas pluviais apenas R$ 53 milhões foram pagos até hoje, sendo que R$ 11,6 milhões só foram repassados nos últimos três anos para obras de drenagem urbana.

Em balanço realizado no ano passado, o estado do Rio reconheceu que um terço da verba de cerca de R$ 500 milhões destinada à construção de moradias, contenção de encostas e limpeza do leito dos principais rios não havia sido ainda aplicado. Pelas contas do governo, foram investidos mais de R$ 1 bilhão na entrega de mais de 4 mil casas, no reassentamento de 2,9 mil famílias, em 93 obras de contenção de encostas, na reconstrução de 24 pontes e na limpeza de leitos de oito rios. Mesmo assim, faltava entregar cerca de mil moradias e realizar dez contenções e desassoreamentos.

A questão habitacional é outra faceta do problema. A mudança de regras do Casa Verde e Amarela, programa que substitui o Minha Casa Minha Vida piorou o quadro. O novo programa abriu espaço para o uso de recursos em reformas, o que esvaziou o objetivo original de reduzir o déficit habitacional. Para seus críticos, está sendo usado com fins eleitoreiros pelo governo de Jair Bolsonaro. É preciso evitar que a população viva em áreas de risco, oferecendo alternativas que envolvam moradia e infraestrutura urbana. Isso envolve uma ação articulada de todos os poderes. Mas falta vontade política para tanto.

 

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