sexta-feira, 18 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Não há justificativa plausível para o orçamento secreto

O Globo

É difícil encontrar adjetivos para descrever as manobras do Congresso que tentam deixar nas sombras o dispositivo conhecido por “emenda do relator”, ou pela sigla RP 9, usado para destinar bilhões do Orçamento a interesses paroquiais dos parlamentares, sem a menor transparência nem fiscalização. Uma nova tentativa de manter opaco o passado do orçamento secreto aconteceu na quarta-feira. O Senado encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido de prorrogação por 90 dias do prazo para divulgar os nomes dos parlamentares beneficiados por essas emendas em 2020 e 2021.

Uma semana antes, o alvo foi o futuro. Em desafio ao bom senso e à decisão do próprio STF, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) determinou que não seria obrigatório revelar todos os deputados e senadores agraciados pelas emendas de relator. Caberá aos parlamentares decidir se querem ser identificados como autores da destinação da verba. É um escárnio.

As iniciativas do Congresso são um problema por pelo menos três motivos. Primeiro, e acima de tudo, porque são contrárias à Constituição, que exige transparência na alocação dos recursos públicos. Segundo, porque dificultam o combate à corrupção. As emendas do relator, usadas pelo governo como moeda de troca para garantir apoio, somam valores gigantescos. Em 2020, totalizaram R$ 19,7 bilhões. No ano passado, R$ 16,7 bilhões. Estão orçadas em R$ 16,5 bilhões neste ano eleitoral. Já foram identificados vários casos de sobrepreço em obras financiadas com esse dinheiro, mas continua em segredo o nome dos parlamentares que destinaram as verbas. A terceira razão é a falta de critério nos gastos, distribuídos sem base em estudos técnicos reconhecidos.

A resistência do Congresso não é de hoje. Em novembro, a ministra Rosa Weber, do STF, suspendeu o pagamento das emendas. Depois de o Congresso aprovar novas regras em dezembro, ela as liberou, mas exigiu a divulgação dos nomes dos parlamentares já beneficiados em 90 dias. A decisão foi chancelada pelo plenário do Supremo.

O Congresso não tem uma justificativa plausível para estender o prazo que vence neste mês. Os presidentes da Câmara e do Senado, ex e atuais ministros, ninguém sabe quem pediu dinheiro e foi atendido?

Como desculpa, alguns parlamentares dizem que o sistema de controle era precário. Se isso for realmente verdade, os responsáveis devem ser afastados de suas funções e levados à Justiça. Controle precário é inaceitável em qualquer operação com dinheiro público. Paira a suspeita de que os registros do orçamento secreto estavam nas mãos de poucos e foram destruídos. Confirmada essa hipótese, o caso seria mais grave ainda por revelar intenções nada republicanas.

Precisa ficar claro que o cidadão brasileiro não é bobo. É impossível que o Congresso e o governo não tenham um caminho para garantir a rastreabilidade dos pedidos de emendas e sua execução. Quanto mais tempo demoram para jogar luz no que aconteceu em 2020 e 2021, quanto mais procuram se ocultar também no futuro, mais aumenta a desconfiança. Péssimo para o Congresso e para o Brasil.

Projeto de termoelétricas em Sepetiba não pode atropelar normas ambientais

O Globo

Não se justifica o açodamento das autoridades fluminenses em autorizar a instalação de um complexo de usinas termoelétricas a gás na Baía de Sepetiba, atropelando as normas ambientais e seguindo a trilha das “boiadas” do governo federal. Para começar, o projeto, de “impacto significativo” e “potencial poluidor alto”, segundo os próprios técnicos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) que o analisaram, recebeu licença antes mesmo de apresentar um Estudo de Impacto Ambiental.

Considerado “estratégico” pelo estado, o projeto das termoelétricas é resultado de um leilão emergencial feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em outubro do ano passado para contornar a crise energética — hoje já não tão crítica assim. Pelo previsto, a empresa Karpowership instalará quatro navios-usina, uma unidade flutuante de armazenamento, 36 torres de transmissão — sete no espelho d’água da Baía de Sepetiba — e 14,7 quilômetros de linhas de transmissão. A capacidade de produção será de 560 megawatts, e o contrato, com duração de 44 meses, poderá render R$ 3 bilhões à empresa.

Embora o contrato seja federal, no dia 22 de fevereiro o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) decidiu delegar ao estado o licenciamento ambiental. Duas semanas depois, a Karpowership já estava de posse da Licença Ambiental Integrada (LAI). Essa permissão diz respeito à construção das torres e linhas de transmissão, já que a empresa decidiu fatiar o licenciamento. O aval para os navios-usina ainda não foi dado.

Além da rapidez incomum nesse tipo de empreendimento, da pouca transparência e da falta de debate, o que tem deixado ambientalistas apreensivos é o impacto que ele pode causar na região. Não apenas em termos ambientais, mas também econômicos e sociais, já que a pesca e o turismo são atividades importantes para a população local. O projeto prevê a supressão de manguezais e de vegetação de Mata Atlântica.

Uma das preocupações dos ambientalistas é que a operação das termoelétricas possa afetar a vida de espécies como o boto-cinza. Seria um desastre. “A Baía de Sepetiba tem uma diversidade biológica de relevância extremamente alta e abriga várias espécies da fauna marinha ameaçadas de extinção”, afirma o biólogo Mário Luiz Gomes Soares, do Núcleo de Estudos em Manguezais da Faculdade de Oceanografia da Uerj (Nema/Uerj).

Independentemente da importância estratégica atribuída ao projeto, não se pode admitir que o licenciamento deixe de seguir os trâmites normais, especialmente quando o empreendimento se enquadra na categoria de “impacto significativo”, a mais alta na classificação do Inea. É fundamental que seja apresentado um Estudo de Impacto Ambiental e que possíveis danos sejam amplamente debatidos com a sociedade. É ela que paga a conta, tanto das termoelétricas quanto dos inexoráveis efeitos sobre o meio ambiente.

Mais juros, lá e aqui

Folha de S. Paulo

Combate necessário à inflação ameaça a atividade econômica nos EUA e no Brasil

Em decisão esperada, o banco central americano elevou sua taxa de juros de zero para 0,25% ao ano, o primeiro passo do que deve ser um longo caminho para fazer a inflação retornar à meta de 2% anuais.

O Fed indicou que fará novos aumentos em sequência, que poderão levar os juros a 3% até 2023. Tal patamar já seria considerado suficiente para contrair a economia, segundo as estimativas da autoridade monetária dos EUA.

Em outras palavras, cresce o risco de uma recessão, que certamente se alastraria mundialmente.

Durante muito tempo a inflação não foi problema para os países ocidentais, que nas últimas décadas se depararam com o problema oposto. O quadro mudou com a pandemia e a resposta adotada pelos governos, na forma de fortes estímulos monetários e fiscais.

A retomada econômica foi forte e o mercado de trabalho respondeu rapidamente, impulsionando salários e preços. Não se pode descartar um processo de inércia inflacionária, muito conhecido no Brasil.

A inflação nos Estados Unidos fechou o ano passado em 7,8%, o maior patamar em três décadas. É esperada uma acomodação neste ano com a normalização das cadeias produtivas perturbadas pela crise sanitária, mas novos fatores podem alterar essa trajetória.

A guerra na Ucrânia pressionou os preços das matérias-primas, e o novo surto de Covid-19 na China já provoca paralisações em importantes centros produtivos. A inflação pode demorar a ser debelada.

No Brasil a ameaça também aumentou. Desde o início dos combates na Europa, houve novo salto nas expectativas para a inflação deste ano, de 5,5% para 6,5%, muito acima da meta de 3,5%.

Nesse quadro, talvez seja adiado o fim do ciclo de aumento da taxa básica, que o Banco Central elevou novamente para 11,75% nesta semana. São prováveis pelo menos mais uma alta de 1 ponto percentual na reunião de maio e, ao menos por ora, algum movimento adicional mais adiante.

O arrocho deve ter impacto crescente sobre a economia, que já enfrenta vários obstáculos. Um mau prognóstico, por exemplo, foi a queda de 0,99% no IBC-br, índice de atividade divulgado pelo BC.

Permanecem, além disso, os riscos para as contas públicas. Preocupado com as eleições, o governo Jair Bolsonaro (PL) continua a pressionar a Petrobras e a aventar subsídios e cortes de impostos sobre os combustíveis, entre outras medidas de cunho populista.

O momento é delicado e demanda uma responsabilidade que a esta altura parece abandonada. Qualquer iniciativa que eleve a incerteza e pressione a inflação poderá trazer ainda mais perdas para a renda e o emprego no país.

Tribunais opacos

Folha de S. Paulo

Omissão de 60 mil contracheques em portal mostra que transparência deve avançar

Nada menos que 60.179 contracheques de juízes e desembargadores foram omitidos do painel de transparência criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para divulgar a remuneração dos magistrados brasileiros, mostra levantamento da Transparência Brasil.

A cifra dá o que pensar. Estarão esses magistrados escondendo alguma coisa? Pensam que estão acima do princípio constitucional da publicidade? Imaginam que as regras valem para os outros servidores, mas não para eles?

É possível que as respostas sejam "sim" para todas as perguntas, mas não se deve descartar uma explicação comezinha: boa parte dos Tribunais de Justiça, a quem cabe alimentar o sistema do CNJ, ainda não absorveu por completo a cultura da transparência que a muito custo avança no país.

As lacunas no sistema criado pelo CNJ em 2017 atingem os dados de 15 TJs. Alguns apresentam problemas em um mês, enquanto outros são relapsos por mais de um ano. Em qualquer caso, estão descumprindo uma obrigação estabelecida pelo órgão de planejamento e controle do Judiciário.

Procurados pela reportagem, a maioria dos TJs deu explicações que sugerem ignorância ou erro procedimental, mais do que má-fé. Ainda bem, porque fica mais fácil para o CNJ cobrar dos responsáveis a pronta correção das falhas.

Esse é o único modo de afastar por completo suspeitas de que alguns tribunais possam driblar o dever de casa a fim de camuflar alguma farra com o dinheiro público.

São conhecidos os exageros, quando não abusos, que se permitem muitos membros do Poder Judiciário. Em 2020, por exemplo, 449 magistrados federais receberam pagamentos superiores a R$ 200 mil num único mês.

O CNJ poderia aproveitar o ensejo para aperfeiçoar o seu painel de divulgação das remunerações. A ferramenta, um inequívoco avanço em termos de transparência, impõe algumas dificuldades a quem se dispõe a utilizá-la para fiscalizar o poder público.

A própria Transparência Brasil, em seu relatório, oferece sugestões que, se adotadas, trariam ganhos imediatos para a sociedade.

Quanto mais o painel do CNJ permitir análises do conjunto de informações, mais será possível descobrir eventuais ilegalidades ou imoralidades porventura praticadas pelos tribunais —e mais o contribuinte poderá conhecer o que se faz com os seus impostos.

Mais arrocho num país estagnado

O Estado de S. Paulo.

Para conter inflação desembestada, BC promete dificultar crédito em economia fraca

Dinheiro curto, crédito caro e inflação elevada vão infernizar os consumidores e atrapalhar os negócios até o fim do ano, segundo cálculos do mercado e do Banco Central (BC). Algum alívio poderá surgir em 2023, no começo do novo mandato presidencial. Mas os brasileiros ainda pagarão por desacertos e desastres acumulados a partir de 2019 e agravados, agora, pelos efeitos da invasão da Ucrânia. Depois de aumentar os juros básicos para 11,75% na quarta-feira, o Copom, Comitê de Política Monetária

do BC, anunciou nova alta de um ponto porcentual no começo de maio, em sua próxima reunião. Novos aumentos poderão ocorrer, nos meses seguintes, no esforço para conter os preços. Especialistas projetam taxas na faixa de 13% a 14% ainda neste ano, com evidentes prejuízos para o crescimento econômico.

Também na quarta-feira, o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, iniciou um ciclo de aperto monetário. Os juros de referência passaram da faixa de zero a 0,25% para o intervalo de 0,25% a 0,50% e devem continuar subindo. A inflação anual bateu em 7,9% em fevereiro, um recorde em quatro décadas. Mas o quadro americano é muito diferente do brasileiro. A economia cresceu 5,7% em 2021, o desemprego tem oscilado em torno de 4% e a atividade continua vigorosa.

No Brasil, o arrocho do crédito ocorre em cenário de estagnação. A economia cresceu 4,6% em 2021 e superou por pouco o patamar pré-pandemia. Mas o desemprego ficou em 11,1% no trimestre final do ano passado e a inflação, nos 12 meses até fevereiro, superou 10%. Para 2022 as estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) têm ficado perto de 0,5%.

Não há espaço para uma política monetária branda, nas condições brasileiras, se o Copom mantiver o compromisso de conduzir a inflação à meta oficial até 2023. No melhor cenário, com o barril de petróleo a US$ 100 no fim deste ano, a inflação ainda alcançará 6,3% em 2022. Mais uma vez, como em 2021, será estourado o teto da meta, fixado em 5%. Em 2023 a alta dos preços ao consumidor poderá ficar em 3,1%, superando o centro do alvo por apenas 0,1 ponto.

No cenário de referência usado pelo Copom, os juros ficam neste ano em 12,75%, com inflação de 7,1%, e recuam para 8,75% no próximo, com os preços aumentando 3,4%. Mas esse quadro, baseado na trajetória de juros indicada pela pesquisa Focus, é descartado pelos formuladores da política de crédito.

O caminho mais seguro, segundo as indicações do Copom, é o de um aperto bem mais forte que o executado a partir do ano passado, quando se alterou a estratégia do BC. Medidas mais severas já eram consideradas inevitáveis no começo deste ano. Depois da reunião encerrada em 2 de fevereiro, quando a taxa básica foi aumentada para 10,75%, o comitê prometeu um ciclo de aperto “mais contracionista que o utilizado no cenário de referência”. Uma política mais severa foi prometida no comunicado emitido no começo da noite da última quarta-feira. Segundo o texto, o aperto monetário deve continuar avançando “significativamente em território ainda mais contracionista”.

Nesse “território ainda mais contracionista” deverá haver menos espaço para a expansão da atividade econômica e para a ampliação do emprego. O resultado final – em termos de inflação, de evolução do PIB e de geração de postos de trabalho – dependerá do confronto entre o aperto do crédito e as medidas de estímulo econômico prometidas pelo Executivo.

Empenhado na disputa eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro, com apoio do Centrão, exigirá mais gastos e mais ajuda, com ou sem planejamento, a grupos pobres. Ao mesmo tempo, deverá continuar tentando neutralizar efeitos inflacionários da crise internacional. Não há como descartar, por enquanto, o uso de benefícios tributários e de subsídios. Menos provável, neste momento, é uma política econômica – e especialmente fiscal – bem desenhada e bem conduzida. Quanto maior a farra, mais duro poderá ser o arrocho, se o Copom, como tem prometido, insistir na missão de frear os preços desembestados.

Escandaloso uso da delação

O Estado de S. Paulo.

O uso político da delação de um antigo diretor da Ecovias escancara uma vez mais o equívoco de importar, sem cuidados, um instrumento de outro sistema jurídico

Depois de anos de Lava Jato, parece que ainda não se aprendeu nada a respeito das delações. Os mesmos erros são cometidos, em uma espantosa repetição que, longe de significar ingenuidade ou inexperiência, revela deliberado uso político de um instrumento que, em tese, vinha aprimorar o funcionamento da Justiça. A depender dos resultados vistos até aqui, conseguiu-se o exato oposto do objetivo original. Em vez de contribuir para a qualidade da investigação, a delação tornou-se meio de destruição da honra alheia.

O caso mais recente refere-se à delação de Marcelino Rafart de Seras, antigo diretor da Ecovias (concessionária que administra o Sistema Anchieta-Imigrantes), mencionando o ex-governador paulista Geraldo Alckmin. Segundo as informações vazadas nos últimos dias, o delator teria realizado, por meio de caixa 2, repasses de R$ 3 milhões para as campanhas eleitorais de 2010 e 2014 de Alckmin.

Tal é a situação de afronta ao Estado Democrático de Direito que o escandaloso do caso não é o conteúdo em si da colaboração premiada – conteúdo este que a própria Justiça já desqualificou –, mas o uso político da delação.

Chama a atenção, em primeiro lugar, o momento escolhido para o vazamento desses dados. As declarações de Marcelino Rafart de Seras foram feitas há quase dois anos, em abril de 2020. No entanto, a divulgação ocorreu agora, em pleno ano eleitoral, como se trouxesse alguma novidade bombástica.

Tão velho é o material que já houve tempo para o Judiciário manifestar-se sobre as informações prestadas na delação. O inquérito criminal foi concluído em fevereiro. Nele, a Polícia Federal entendeu que não havia elementos de prova que corroborassem a palavra do delator. Enviada à Justiça Eleitoral, a investigação foi arquivada a pedido do Ministério Público Eleitoral, que também não viu nada que provasse as declarações prestadas pelo delator.

De certa forma, este caso envolvendo o ex-governador Alckmin representa um novo patamar de abuso da delação. Não é apenas que se toma como verdade, antes da devida apuração, a palavra de um delator. No caso tratado, mesmo depois de a investigação ter concluído que não havia comprovação fática do que foi afirmado no âmbito da colaboração premiada, tentou-se desgastar a imagem e a honra de uma pessoa por meio de vazamentos seletivos em ano eleitoral.

É um panorama muito pouco honroso para a delação. Sem nenhuma utilidade para fins jurídicos – o caso foi arquivado pela Justiça Eleitoral –, restou à colaboração premiada apenas o uso político. Tais evidências contrastam fortemente com o discurso, tantas vezes repetido anos atrás, de que a delação seria a panaceia para a efetividade do sistema criminal brasileiro. Mais do que soluções, a colaboração premiada trouxe novos problemas.

Esse saldo negativo não era algo imprevisível. A delação nasceu em outro sistema jurídico, com pressupostos e regras diferentes dos daqui. Foram muitas as advertências de que sua incorporação ao ordenamento brasileiro, sem os devidos cuidados, traria não pequenos problemas de compatibilidade. Por exemplo, em 2019, em respeito ao princípio da ampla defesa, o Supremo Tribunal Federal teve de definir que, nos processos penais com réus delatores e delatados, estes tinham o direito de apresentar por último suas alegações finais.

No mesmo ano, tentando corrigir alguns desses problemas, o Congresso fixou limites mais precisos para o valor probatório da delação. “Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador: (i) medidas cautelares reais ou pessoais; (ii) recebimento de denúncia ou queixa-crime; e (iii) sentença condenatória”, dispôs a Lei 13.964/2019.

O trabalho de aprimoramento da legislação e delineamento da jurisprudência é de fundamental importância para a proteção das liberdades individuais. Mas deve-se reconhecer que tudo isso fica parecendo mera formalidade perante o despudorado uso político da delação. No Estado Democrático de Direito, não há espaço para tão grande irresponsabilidade.

Planalto pressiona por demissão de Silva e Luna

Valor Econômico

O Planalto segue em modo eleitoral e deve se desviar mais ainda do teto de gastos

Os preços dos combustíveis têm apelo eleitoral óbvio e a invasão da Ucrânia pela Rússia, com a disparada das cotações do petróleo e derivados, foi de mau agouro para as chances de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Incapaz de articular propostas com começo, meio e fim, ou que simplesmente façam sentido, ou ainda de fazê-las em seu tempo correto, Bolsonaro espalha incertezas em várias direções, como se já não bastassem os dissabores com efeitos inflacionários dos reajustes, que recaem com peso desproporcional sobre os mais pobres.

Não se sabe o que o presidente quer com a Petrobras ou com os preços, algo que talvez nem ele próprio saiba. Por motivos evidentes, ele não gostou dos reajustes de preços feitos pela Petrobras - episódio semelhante tirou do comando da estatal Roberto Castello Branco - e detestou o último, executado pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna, de 24,9% para o diesel, 18,7% para a gasolina e 16% para o gás de cozinha. A pancada maior nos preços foi a compensação por um período mais longo que o usual para a atualização, de 57 dias. Bolsonaro, e seus generais no governo, viram nisso “falta de sensibilidade social” e fazem pressão para que Silva e Luna peça demissão.

É difícil encontrar racionalidade nas atitudes do presidente, embora em geral ele busque tirar o corpo fora de decisões impopulares como a dos combustíveis - “eu não mando nada na Petrobras”, disse - ou favorecer algum grupo específico que o apoie. Bolsonaro afirmou que a estatal “não é a que ele gostaria”, que todos são demissíveis, mas jamais chegou a dizer que pretendia mudar a política de preços da empresa. Além das turbulência fiscais, políticas e financeiras que tal decisão provocasse, o colocaria diante da enrascada de elaborar um outro esquema de reajuste que parasse em pé.

A mais recente bronca do presidente é que Silva e Luna não atendeu ao pedido de que esperasse mais um dia para anunciar os reajustes, até que o Congresso votasse neste prazo duas propostas que modificam em parte ou no todo os impactos dos combustíveis, como ocorreu. De fato, um dia não faria a menor diferença, muito menos para o governo.

O projeto que teve apoio do Planalto muda a política de cálculo da incidência do ICMS estadual e retira impostos federais sobre diesel (depois foram incluídos gás de cozinha, biocombustível e querosene de aviação), mas deixa intacta a fórmula de preços da Petrobras. O projeto que de fato muda a política de preços da estatal, em certo sentido na linha do que o PT prega, foi aprovado no Senado, mas o governo é contra e o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem restrições a ele, sinal de que morrerá em alguma gaveta perdida de alguma comissão. O presidente que agora queima o titular da estatal por não esperar nenhum dia levou 1.168 dias de seu mandato até agora praguejando contra reajustes de combustíveis sem apresentar qualquer coisa de aproveitável sobre o assunto.

Bolsonaro vê a Petrobras como viu o Ministério da Saúde, como uma repartição do seu governo, onde deve prevalecer sua vontade, ainda que ela seja intermitente e errática. E quando o presidente propõe algo, é um problema - em geral a proposta tem viés eleitoral ou será paga com o dinheiro dos contribuintes. Após retirar os impostos federais do diesel, ele quer fazer a mesma coisa com a gasolina, a um custo bem mais elevado que os R$ 13 bilhões na desoneração aprovada no Congresso, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente do Senado.

A IFI estimou que apenas com as atitudes tomadas após a invasão da Ucrânia o déficit público subirá R$ 32 bilhões no ano, de R$ 76,2 bilhões para R$ 108,1 bilhões. Para além da fritura de Silva e Luna, o Planalto segue em modo eleitoral e deve se desviar mais ainda do teto de gastos.

Há no governo simpatia a um aumento do vale gás para os participantes do Auxílio Brasil, o mal formulado programa que substituiu o Bolsa Família com R$ 50 bilhões a mais de gastos. O Planalto insinuou que quer subsídio de 100% do preço do gás de cozinha e não mais 50%. Outros neófitos em programas sociais pretendem introduzir o empréstimo consignado no Auxílio Brasil, cuja finalidade é fornecer uma renda mínima para garantir a sobrevivência de famílias retiradas da linha de pobreza. O auxílio de R$ 400 vai até o fim do ano e o tomador do consignado poderá se ver sem a renda anterior para pagar o que deve. A campanha eleitoral está mal começando.

Nenhum comentário: