O Globo
A tempestade perfeita no ambiente global — alta nas cotações de petróleo e gás, valorização recorde das commodities agrícolas, aumento de preço e risco de escassez de fertilizantes químicos — já fez o Ministério da Economia revisar de 4,7% (dentro da meta) para 6,55% (bem acima do teto, de 5%) a estimativa do IPCA para o Brasil em 2022. O Banco Central, para conter a escalada dos preços, elevou a taxa básica de juros para o maior nível em meia década (11,75% ao ano) e prometeu adicionar mais um ponto percentual na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em maio. Se o petróleo chegar a dezembro em US$ 100 por barril — ontem voltou ao patamar de US$ 106 —, o IPCA terminará o ano em 6,3%. É o governo Jair Bolsonaro reconhecendo oficialmente o que toda família brasileira já sabe: a vida está pela hora da morte.
Faz um semestre que a inflação acumulada em
12 meses se mantém acima de 10%. Em fevereiro, três de cada quatro itens
pesquisados pelo IBGE, quase 400 ao todo, subiram de preço, sinal de
espalhamento das remarcações. Pesaram no IPCA do mês mensalidades escolares,
alimentação no domicílio, carros e motos, tarifas de transporte. Para o
bimestre março-abril, está contratado novo aumento no custo de vida, em razão
do tarifaço que a Petrobras aplicou nos preços da gasolina, do diesel e do gás
de cozinha nas refinarias. Combustíveis têm efeitos diretos e indiretos no
orçamento das famílias. Levam dinheiro na hora de encher o tanque, repor o
botijão de gás, pagar passagens; encarecem o frete, pressionam os custos de
produção das empresas, que os repassam a mercadorias e serviços.
As famílias brasileiras estão convivendo
com a escalada inflacionária desde o início da pandemia de Covid-19. A tragédia
sanitária global teve como efeito imediato o aumento da demanda e,
consequentemente, do preço dos alimentos. Em 2020, o grupo Alimentação e
Bebidas registrou alta de 14,09%, mais que o triplo da inflação oficial
(4,52%). Naquele ano, o arroz ficou 76% mais caro; o feijão-preto, 45%; as
carnes, 18%; o leite, 27%. Em 2021, foram combustíveis e a energia elétrica que
não deram trégua. No IPCA de 10,06%, recorde desde 2015, a gasolina encareceu
47%; o etanol, 62%; o óleo diesel, 42%; a conta de luz, com adicional de risco
hídrico, 21%. Neste ano haverá pressão dupla, tanto dos produtos agrícolas quanto
dos derivados de petróleo.
O Brasil tem previsão de safra recorde de
grãos em 2022. A Conab, subordinada ao Ministério da Agricultura, estima 265,7
milhões de toneladas; o IBGE calculou 261,6 milhões de toneladas, das quais
92,7% serão colheitas de soja, milho e arroz. O agronegócio exportador vai
vender e faturar mais, os brasileiros pagarão mais caro. Sergio De Zen, diretor
da Conab, diz que não há risco de desabastecimento, mas os preços subirão. “Há
um choque de oferta brutal, e os alimentos ficarão mais caros, não só no
Brasil. O mundo inteiro vai passar por isso.”
Soja, milho e trigo, bem como açúcar e
óleos vegetais, aceleraram a valorização no mercado internacional com a guerra
na Europa. Rússia e Ucrânia produzem 30% do trigo e 55% do óleo de girassol
consumidos no planeta, informou a FAO, agência da ONU para agricultura e
alimentação. Países que dependem dos fertilizantes químicos russos, Brasil
incluído, temem interrupções no fornecimento, o que reduziria a produtividade
das lavouras. Vinte e cinco nações importam de lá ao menos 30% dos adubos que
consomem. A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e a
Confederação Nacional da Indústria (CNI) alertaram em notas públicas sobre a
pressão inflacionária decorrente da conjuntura internacional.
O lado mais dramático da crise que ronda
custo e produção de alimentos é micro, não macro. Relaciona-se com a dieta de
crianças, adultos e idosos, vítimas da escalada de preços numa economia sem
vigor, que não gera emprego nem renda. O Inquérito Nacional sobre Insegurança
Alimentar, da Rede Penssan, apurou que, no primeiro ano da pandemia, 116,8
milhões de brasileiros não tinham acesso pleno a alimentos. São famílias que
reduziram compras, substituíram comida cara por opções mais baratas ou cortaram
refeições. Do total, 19,1 milhões de pessoas estavam passando fome. Nova edição
da pesquisa deverá ser divulgada entre abril e maio, desta vez com informações
por unidades da Federação.
Anteontem, Leo Dias, colunista do site
Metrópoles, publicou o rol de iguarias brasileiras que o casal A$ap Rocky e
Rihanna, ela no último trimestre de gravidez, quer experimentar na viagem ao
país. No mês que vem, o rapper se apresentará no festival Lollapalooza, em São
Paulo. A lista tem de cuscuz e pamonha (milho subiu 21% em 12 meses) a pão de
queijo (queijo, +14%). Inclui bobó de camarão e mandioca frita (+46%); feijoada
completa (carne de porco salgada, +8%) e churrasco (picanha, +11%); acarajé
(feijão-fradinho, +10%), suco de laranja (+29%) e banana (+18%). O melhor da
culinária nacional, na era Bolsonaro, só cabe no bolso dolarizado das estrelas
internacionais. Para o povo, ossos.
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