domingo, 3 de abril de 2022

Merval Pereira: Diversos cheiros

O Globo

Vamos assistir daqui para frente a uma disputa encarniçada no PSDB e no União Brasil para a indicação de um candidato à presidência da República, o que só facilitará a polarização entre Lula e Bolsonaro. No União Brasil, partido nascido da fusão do PSL com o DEM, o presidente Luciano Bivar, que liderava o PSL quando Bolsonaro foi eleito em 2018, quer repetir a dose com Moro, mas o vice-presidente, ex- prefeito de Salvador ACM Neto, anuncia que vai impugnar sua filiação.

Será uma briga político-jurídica que tomará a energia da campanha presidencial, que é importante para Bivar, e não para ACM Neto e outros candidatos a governos estaduais. O fato é que nenhum partido quer o ex-juiz Sérgio Moro como candidato. Mesmo no Podemos, já estava sendo pressionado para se candidatar a deputado federal. Os políticos, de maneira geral, não gostam do Moro por causa da Operação Lava Jato. Mas gostariam de tê-lo como deputado federal para ser um puxador de votos.

Os cálculos são de que ele teria, por baixo, mais de 1 milhão de votos, e ajudaria a aumentar a bancada, a arrecadação do fundo partidário e do fundo eleitoral. Se não tiver nenhum partido para dizer que é pré-candidato à presidência, não aparecerá nas pesquisas eleitorais, pois mesmo que os institutos de pesquisa coloquem Moro e Eduardo Leite entre os candidatáveis, os que são contra entrarão com ação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Bastaria à ala do DEM que não quer Moro no palanque eleitoral, para não melindrar Lula, que tivesse força interna para não dar a legenda a ele. Mas o candidato a governador na Bahia pelo União Brasil, ACM Neto, quis antecipar a disputa com o presidente do partido, Luciano Bivar, que apoia Moro. Se deixassem Moro livre para fazer pré-campanha presidencial, ele poderia crescer nas pesquisas, e o DEM poderia perder o controle da convenção.

Moro e Eduardo Leite, o ex-governador do Rio Grande do Sul que quer tomar o lugar de João Doria como candidato à presidência, são personagens em busca de uma afirmação nos respectivos partidos. Moro está em situação pior, num partido que está dividido. Eduardo Leite tem o apoio importante da maioria da ala histórica do PSDB, e o partido já se convenceu de que Doria não tem muito futuro. Vão abandoná-lo e daqui a um, dois meses, vai ter dificuldades para prosseguir na campanha presidencial.

O presidente do partido, Bruno Araújo, que estava constrangidíssimo na coletiva em que Doria desistiu de desistir, já disse que a carta em que reafirmou a sua candidatura não tem mais peso do que os fatos que estão acontecendo. E também avalizou o périplo que Leite pretende fazer pelo país, garantindo até mesmo o financiamento dessas viagens. O ex-governador Eduardo Leite vai viajar em “missão partidária”, para incentivar os jovens a se registrarem como eleitores, mas na verdade estará fazendo uma viagem de candidato a presidente da República.

Doria só não podia ficar no governo, porque desmontava todo o esquema partidário que já estava formado em torno do vice Rodrigo Garcia, com acordos já fechados com deputados e prefeitos. Garcia certamente se afastará de Doria, que vai ficar completamente isolado. Leite, que provavelmente será o candidato oficial do PSDB em poucos meses, também já entra muito queimado diante da opinião pública.

Ele, que tem o trunfo de ser o representante da “nova política”, está metido em artimanhas nos bastidores para desfazer a vitória de Doria nas prévias. Só participará das pesquisas quando for indicado oficialmente candidato, e é provável que não tenha tempo de se firmar como o representante da terceira via, ou centro democrático.

Os partidos políticos não têm unidade para encontrar uma chapa comum. No União Brasil, a parte do DEM quer aderir a Lula, principalmente os candidatos a  governador. No PSDB, tem muita gente que quer aderir a Bolsonaro, cujo eleitorado tradicionalmente tucano no sudeste e centro-oeste foi cooptado por ele na eleição de 2018. Basta ver que Bolsonaro está tecnicamente empatado com Lula em São Paulo, que sempre foi o bastião do PSDB. A recuperação de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais é outro fato relevante. O fato de os partidos do Centrão terem sido os que mais cresceram na janela partidária mostra que os políticos estão sentindo um cheirinho de vitória no ar, embora o vento continue soprando para Lula. Ao contrário do Centro Democrático, que sente cheiro de queimado.

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