EDITORIAIS
Constituição está ao lado da Amazônia, não
de Bolsonaro
O Globo
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido
um dos alvos prediletos do bolsonarismo, que o acusa de abrir inquéritos
arbitrários e de ingerência indevida nos demais Poderes. Há certa dose de razão
nessas críticas, mas a claque de Bolsonaro precisa se conformar quando a Corte
apenas exerce seu papel de guardiã da Constituição. É esse o caso do julgamento
em curso sobre a política ambientalista do governo, iniciado na última
quarta-feira, cujo desfecho deveria ser a confirmação de que o presidente
agride a Constituição ao permitir a degradação da Floresta Amazônica, citada no
parágrafo 4º do Artigo 225 como bioma a preservar, assim como a Serra do Mar, a
Mata Atlântica e a Zona Costeira.
Chamado de “Pauta Verde”, o conjunto de
sete ações impetradas por partidos políticos (Rede, PDT, PV, PT PSOL e PSB)
cobra, entre outras medidas, a retomada dos programas que já reduziram a
devastação na Amazônia no passado, pede que o Ibama volte a ser o protagonista
da repressão aos transgressores ambientais no lugar das forças militares e que
sejam reintegrados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente representantes da
sociedade civil. Quer, também, que o Fundo Amazônia, bancado por Noruega e
Alemanha para financiar projetos autossustentáveis, seja reativado. Experiência
bem-sucedida, o fundo foi paralisado por intervenção do então ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles.
Na quinta-feira, depois de o procurador-geral da República, Augusto Aras, ter feito uma defesa oblíqua do governo, a ministra Cármen Lúcia, relatora de seis dos processos (o sétimo está a cargo da ministra Rosa Weber) começou a ler seu longo voto sobre duas das ações. Já deixou claro que sua tendência é aceitar a cobrança feita para a retomada dos planos de contenção da devastação da Amazônia, além de determinar que o governo volte a cumprir o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), vinculado às metas estipuladas pelas Nações Unidas. Em outras palavras, ela defende o combate para valer ao desflorestamento na Amazônia, venha dos madeireiros predadores, dos pecuaristas do atraso ou dos garimpeiros ilegais.
Enquanto citava as estatísticas
estarrecedoras que demonstram o recrudescimento da devastação na Amazônia desde
a posse de Bolsonaro, Cármen Lúcia chamou a atenção para o dever constitucional
do governo de proteger o meio ambiente. Alcunhou de “teatro ambiental” as ações
da gestão bolsonarista, que não mobiliza organismos de Estado como deveria para
enfrentar a destruição, nem sequer cumpre os orçamentos aprovados para
preservação ambiental. Ocorre, na metáfora feliz da ministra, a “cupinização
institucional”. Os agentes da destruição operam como térmites silenciosas não
só ao devastar a floresta, mas sobretudo ao corroer as instituições.
É relevante no mundo todo que a Corte
máxima do país onde ficam 60% da Amazônia, e sobre o qual pesam inúmeras
denúncias de devastação do patrimônio natural, julgue o governo responsável
pelos danos que causou. O julgamento do STF é acompanhado com atenção pelas
redes globais que atuam no setor e pelas áreas diplomáticas. Espera-se um
resultado incisivo condenando a cumplicidade de Bolsonaro com a destruição e
recolocando a pauta ambiental brasileira no trilho. Novas manobras jurídicas do
bolsonarismo para adiar a conclusão do julgamento seriam inaceitáveis.
Sem unidade de ideias, esquerda ganha
espaço América Latina
O Globo
Num efeito dominó, a esquerda vem ganhando
poder na América Latina desde a eleição de Andrés Manuel López Obrador no
México, em 2018. De lá para cá, venceu na Argentina, Bolívia, Peru, Honduras e
Chile. O movimento poderá continuar neste ano. No pleito marcado para maio na
Colômbia, o favorito é de esquerda. Aqui no Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva
lidera as pesquisas. Mas, embora todos estejam no campo identificado como
progressista, há diferenças fundamentais entre os representantes dessa esquerda
ascendente, como demonstram os casos chileno, peruano e colombiano.
Com 36 anos, o chileno Gabriel Boric
encarna a chegada ao poder de uma nova geração. Crítico de ditaduras
esquerdistas como Cuba e Venezuela, com um programa recheado de temas caros ao
eleitorado jovem (feminismo e meio ambiente), diz estar aberto ao diálogo com
um amplo espectro do eleitorado. Parece saber que, para atingir suas metas de
elevar o bem-estar e combater a desigualdade, terá de proporcionar um ambiente
propício ao crescimento. Em vários sentidos, Boric é prova do poder de
renovação da democracia. Ainda é cedo para dizer se terá sucesso. Por enquanto,
ele ainda está em lua de mel com o eleitorado.
O caso do peruano Pedro Castillo é oposto.
Castillo está num inferno astral. Sua vitória em junho e, principalmente, seu
governo são exemplos do nível da enfermidade que aflige a democracia peruana. O
país teve cinco presidentes nos últimos cinco anos. Não houve nenhuma
reviravolta econômica, revolta armada ou crise de segurança, nada que justificasse
o entra e sai.
A crise peruana é política. Castillo,
ex-professor rural e sindicalista sem experiência em cargo público, só piorou o
que já estava ruim. A pasta das Relações Internacionais teve três ministros. A
da Justiça, também. A Economia, dois. Faltando quatro meses para completar um
ano no poder, Castillo enfrentou duas moções de vacância (impeachment por
incapacidade moral para governar). A última foi na terça-feira passada. Por
ora, garantiu sua cadeira. A promessa de campanha “No más pobres en un país
rico” se perdeu com ideias tortas e incompetência.
Na Colômbia, Gustavo Petro, ex-guerrilheiro
e ex-prefeito de Bogotá, sagrou-se vitorioso nas primárias realizadas no dia
13. Na disputa interna, foi aclamado como candidato da esquerda nas eleições
presidenciais daqui a dois meses. Sua coalizão, o Pacto Histórico, apareceu
como uma das principais forças do novo Congresso. Embora Petro não possa ser
comparado ao caótico Castillo, tampouco representa uma nova esquerda. Critica
Nicolás Maduro, mas tem um longo histórico de ligação com o chavismo.
Por aqui, as virtudes e os vícios dos governos de Lula são todos conhecidos. Seus planos para um terceiro mandato seguem sendo mistério. Mesmo favoritos, Petro e Lula ainda não têm vitória garantida. Nem se sabe se, caso vitoriosos, proporcionarão a seus países uma lua de mel ou um inferno astral.
Voo turbulento
Folha de S. Paulo
Gestão Doria teve feitos relevantes, que
não se reverteram em apoio ao candidato
Ainda é cedo para avaliar se a pantomima
encenada por João Doria foi suficiente para enquadrar o PSDB e
sacramentar sua candidatura à Presidência da República. O agora ex-governador
paulista, que ensaiou uma desistência para horas depois confirmar a postulação
em clima de campanha, parece ter ampliado as desconfianças em torno de si e de
suas reais condições.
O teatro de Doria é mais um capítulo de uma
carreira política tão controversa quanto meteórica. Assim como em 2018, quando
trocou a Prefeitura de São Paulo pelo Bandeirantes, o tucano deixa o governo
para tentar alçar voo maior.
Doria venceu o pleito, apenas 15 meses após
assumir a capital, ao surfar na onda bolsonarista. Não tardou para o
"BolsoDoria", como batizou a esdrúxula parceria com o presidente Jair
Bolsonaro (PL), tornar-se um pesadelo —uma aula de "realpolitik" para
quem dizia não ser político, mas gestor.
Como governador, o tucano cercou-se de um
secretariado técnico, manteve as finanças em ordem e assumiu protagonismo nacional
ante o presidente ao defender e viabilizar um imunizante contra a Covid. Em
meio às adversidades da crise sanitária, Doria bateu recorde em investimentos e
estimulou a atividade econômica no estado.
Levantamento
desta Folha avaliou 50 das
principais promessas e metas. Quase metade não foi realizada (24%) ou está em
fase inicial (20%). Outras 12% foram concluídas, 16% estão em estágio avançado
e 28% seguem em andamento.
Sua gestão, contudo, trouxe avanços na
educação (expansão do ensino integral), no meio ambiente (despoluição do rio
Pinheiros) e na segurança pública (câmeras nos coletes de agentes, que reduziram
a letalidade policial, e queda nos índices de criminalidade).
Entretanto máculas históricas do partido
que comanda o estado mais rico da nação há 27 anos se repetiram sob Doria, como
atrasos em obras do Metrô e a inconclusão do Rodoanel, símbolo de corrupção nos
governos tucanos.
O empenho com as vacinas é trunfo inegável,
mas ainda não cativou o eleitorado. A superexposição pode ter provocado
cansaço, reforçando a imagem de inabilidade política e marketing excessivo.
Como se não bastassem parcos 2% das
intenções de voto e rejeição de 30%, segundo o Datafolha, o ex-governador terá
de lidar com um PSDB rachado. A começar por Eduardo Leite, derrotado nas
prévias, mas que renunciou ao governo do Rio Grande do Sul e parece à vontade
para uma virada de mesa articulada por Aécio Neves (MG).
No plano local, o PSDB corre o risco de
perder a longa hegemonia em São Paulo —o legado da sigla será defendido por um
neófito, o agora governador Rodrigo Garcia.
Simples e errado
Folha de S. Paulo
Incluir mais empresas no regime de
tributação favorecida ampliaria distorções
Uma das tentações políticas mais
recorrentes, em particular nos anos eleitorais, é ampliar isenções e benefícios
tributários, em geral sem avaliação de custos e monitoramento de resultados.
Ganha força agora a ideia de elevar —mais
uma vez— os limites
de faturamento que permitem enquadrar empresas no Simples Nacional, regime
que reúne uma coletânea de tributos em uma única cobrança de alíquotas
favorecidas.
O tratamento diferenciado a pequenos e
médios negócios é um ditame constitucional, encontradiço em vários países. A
justificativa é incentivar a formalização e fomentar a produtividade.
Como é tradicional no Brasil, porém, um
objetivo potencialmente correto se transmuta em privilégios injustificados, sem
cuidado em quantificar os eventuais benefícios.
Desta vez, o lobby empresarial pretende
elevar os limites do Simples de R$ 4,8 milhões para R$ 8,47 milhões anuais.
Também seriam beneficiados os microempreendedores individuais (cujo
enquadramento passaria de R$ 82 para R$ 142 mil) e as microempresas (de R$ 360
mil para R$ 847 mil).
Antes de qualquer novo aumento, cabe
lembrar que a renúncia tributária com o regime já é elevada, tendo atingido R$
83 bilhões em 2020 —cerca de 25% dos custos federais do gênero. Estudos apontam
que as faixas do programa estão acima dos padrões internacionais.
Em que pese a necessidade de algum
benefício, especialistas apontam para o inconveniente de incentivar a
pulverização do que poderia ser uma única empresa em várias diferentes, apenas
para evitar o aumento de carga. O impacto na produtividade tende a ser
negativo.
Além disso, muitos trabalhadores
qualificados se organizam como pessoa jurídica para atividades que na verdade
são serviços pessoais, pagando impostos muito inferiores aos dos assalariados.
Em outros países, por fim, define-se com
mais critério a simplificação de regras do subsídio tributário, que tende a ser
mais focado em atividades inovadoras.
É politicamente fácil o discurso de que se
está favorecendo os pequenos empreendedores. A realidade é que hoje há um abuso
do conceito —é aproveitado por quem não precisa dele, com custo excessivo e sem
medição de impactos.
Cabe reduzir a burocracia, é claro, mas toda a miríade de benefícios fiscais e regimes especiais precisa ser reavaliada na tramitação de uma reforma tributária.
Catástrofe contratada
O Estado de S. Paulo
A vingarem as propostas e ideias de Lula e Bolsonaro, por ora favoritos na corrida presidencial, o Brasil tem um encontro marcado com desastre maior a partir de 2023
O futuro é extremamente desafiador para o
Brasil, e a escolha do próximo presidente da República definirá quão
prolongados serão os efeitos perniciosos de uma crise política, econômica,
social e moral que há mais de três anos tem sido pintada com cores vivíssimas,
diante dos olhos de todos. Das duas, uma: ou as forças genuinamente
democráticas da sociedade superam veleidades e constroem uma alternativa
responsável às forças do atraso que ora parecem triunfar, ou o País tem um
encontro marcado com um desastre ainda maior do que o atual a partir de 2023.
Nenhuma eleição pode ser considerada mais
importante do que outra, pois todas são cruciais ao tempo de sua realização.
Mas é possível afirmar que os riscos envolvidos na escolha dos eleitores em
2022 são de magnitude poucas vezes vista na história recente do País. Há sérios
obstáculos políticos e econômicos a serem superados, como já estiveram em jogo
em tantos outros pleitos. Mas, a julgar pelo que propõem os dois pré-candidatos
que lideram as pesquisas de intenção de voto no momento, o ex-presidente Lula
da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, nada indica que caminhos serão abertos
para que o Brasil saia desse lamaçal caso um dos dois seja o vencedor do pleito
em outubro.
Tanto pior porque Lula e Bolsonaro são
hábeis em açular seus apoiadores mais radicais e poluir o debate público com
mentiras e distorções da realidade. Ao fazerem do ódio e da dissimulação
instrumentos de ação política, tanto um como outro impedem a coesão social
mínima em torno de um diálogo honesto e propositivo com vistas à reversão de
nossas mazelas.
Cerca de 50 milhões de brasileiros convivem
com a insegurança alimentar, ou seja, não têm renda suficiente para garantir
comida no prato todos os dias. O número de desempregados – embora tenha recuado
de 14,6% para 11,2% no trimestre encerrado em fevereiro, em comparação com o
mesmo período no ano passado – ainda é assustador: são 12 milhões de cidadãos
em idade economicamente ativa sem trabalho no País, de acordo com o IBGE.
Economistas preveem que o porcentual de desocupação permanecerá no patamar de
dois dígitos, no mínimo, até 2024. A inflação renitente corrói a renda dos que
têm um emprego. Juros em ascensão freiam a capacidade de expansão da atividade
econômica.
Na educação, o cenário é de terra arrasada.
A cultura e a política externa foram transformadas pelo bolsonarismo em flancos
de uma “guerra cultural” que seria apenas caricatura da estupidez de uns
tresloucados caso não impingisse tantos danos ao País. Na seara ambiental, o
Brasil foi da condição de interlocutor indispensável a pária internacional.
Diante desse quadro trevoso, é desalentador
constatar que tudo o que Lula e Bolsonaro propõem só tende a agravar os
problemas do País. É o exato oposto do que se espera de candidatos à Presidência
da República.
O pouco que se conhece do programa
econômico de Lula para um eventual terceiro mandato não apenas não resolve os
problemas atuais, como os aprofunda. O papel aceita quase tudo. Lula pode
escrever à vontade que “os melhores momentos do Brasil foram nos governos do
PT”, mas não pode reescrever a História.
Bolsonaro pode dizer para seus apoiadores
que o País “tem tudo” para crescer e se desenvolver, e que ele ainda não
conseguiu fazer do Brasil a “pátria grande” porque “alguns poucos atrapalham” e
deveriam “calar a boca” e deixá-lo trabalhar.
O fato é que nem Lula nem Bolsonaro têm
projetos certos para atacar os problemas do País. Não propõem nada além de suas
supostas virtudes pessoais em relação ao oponente. À frente da disputa pela
Presidência, ao menos por ora, estão dois mitômanos que talvez só acreditem nas
próprias patranhas pela força da repetição.
O País precisa de um líder moderno, atinado
com a agenda política, social, econômica e ambiental do século 21. Um
conciliador. Alguém que pense o futuro com responsabilidade, empatia e espírito
público. Ou seja, alguém que ainda está por se fazer conhecido e, sobretudo,
despertar a esperança dos brasileiros em um futuro melhor.
Desafio climático é pior para os pobres
O Estado de S. Paulo
O custo de adaptação à nova realidade ambiental é maior para os países pobres. Eles precisam de apoio mundial
Desastres naturais cada vez mais frequentes
e custosos em termos materiais e humanos são um alerta para governos e
sociedades. O mundo tem de se preparar para as consequências das mudanças
climáticas, cada vez mais extensas. Todos
os países, ricos ou pobres, precisam se adaptar a essas mudanças, senão todos
terão de pagar pela omissão, advertem a diretora-gerente do Fundo Monetário
Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, e dois outros diretores, em texto
divulgado pela instituição.
Haverá custos. E, como em outras situações,
eles serão proporcionalmente maiores para os países que menos dispõem de
recursos. A assimetria de respostas às mudanças climáticas decorrente das
diferentes condições econômicas e sociais dos países pode comprometer o
indispensável combate ao aquecimento global.
Trata-se de um problema mundial. Por isso,
é necessário buscar mundialmente respostas para as mudanças climáticas, como
advertem os autores do texto publicado pelo FMI. Os países pobres precisam de
apoio global para se adaptar a essas mudanças, não apenas para que eles
próprios estejam mais bem preparados, mas para que o mundo não venha a incorrer
em custos talvez impagáveis no futuro.
Principal órgão internacional dedicado à
defesa de políticas fiscais que assegurem o desenvolvimento equilibrado dos
países que dele fazem parte, o FMI ficou conhecido também nas últimas décadas
pelo socorro financeiro que forneceu a governos de países em dificuldades
fiscais. A contrapartida era a adoção, pelos países socorridos, de programas
rigorosos de ajuste financeiro. Seu foco continua sendo a política fiscal. Mas,
agora, incluiu a adaptação às mudanças climáticas como elemento essencial do
planejamento fiscal dos países-membros.
Em termos práticos, a adaptação para as
mudanças no clima envolve, por exemplo, apoio à agricultura, por meio de
poupança e investimentos voltados para melhorar a irrigação, desenvolver
variedades mais adaptadas às condições climáticas, fortalecer o sistema de
saúde e assegurar acesso a financiamento e à telecomunicação.
Apoio desse tipo é particularmente
produtivo em regiões mais pobres, como a África Subsaariana. Mas é necessário
também em outras regiões pobres do planeta, para que elas também estejam mais
adaptadas às mudanças climáticas.
O FMI estima que o custo médio de adaptação
às mudanças climáticas esteja em torno de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB)
pelas próximas décadas. Tolerável para os padrões mundiais, esse custo é
notavelmente mais alto em cerca de 50 países listados entre os mais pobres do
mundo. Nesses, pode corresponder a 1% do PIB.
Os países pobres são os menos responsáveis
pelas mudanças climáticas, mas é justamente sobre eles que, proporcionalmente,
recai o maior custo para enfrentá-las. É, por isso, do interesse de todo o
mundo que se encontre um meio para financiar os investimentos necessários
nesses países. O custo de evitar um desastre é menor do que o de recuperar um
país devastado, com efeitos sobre todo o planeta.
CVM sob risco de paralisia
O Estado de S. Paulo
Com verba reduzida para menos da metade, a Comissão de Valores Mobiliários, órgão fiscalizador do mercado de capitais, perde capacidade de ação
A incompetência do governo Bolsonaro, em
particular do Ministério da Economia, em buscar entendimento com o Congresso
Nacional em votações vitais para o funcionamento do Executivo gerou, no mercado
de capitais, um descompasso entre o volume expressivo das negociações e a
capacidade de atuação do órgão que assegura a lisura, a transparência e a
confiabilidade das operações. O corte de mais de 50% das verbas orçamentárias
da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode afetar de maneira significativa
suas operações, com riscos para os investidores e para as empresas.
Em meio aos desdobramentos da pandemia, o
mercado de capitais mostra um dinamismo expressivo. Estima-se que, no ano
passado, mais 1,5 milhão de pessoas físicas passaram a operar nesse mercado,
elevando o total para 3 milhões. Neste ano, até o dia 24 de março, houve
entrada líquida de R$ 86,5 bilhões de capital externo na B3, a Bolsa de Valores
de São Paulo. Apesar de a atividade econômica estar patinando e a inflação
estar em níveis preocupantes, o mercado acionário continua atraente para
investidores estrangeiros.
Nesse cenário, a CVM está sendo obrigada a
encolher, o que afeta sua capacidade de investigar indícios de crime e de punir
infratores do mercado de capitais. Em choque com boa parte do Congresso,
dominado pelo Centrão, o Ministério da Economia foi o grande derrotado nas
negociações sobre o Orçamento da União. O Congresso reduziu em cerca de 60% as
verbas do Ministério, o que incluiu o órgão fiscalizador do mercado de
capitais.
Outra consequência da incompetência do
governo nas negociações com os parlamentares, como mostramos no editorial Desleixo
com as agências reguladoras (28/3), é o atraso na discussão e votação
pelo Senado dos nomes apresentados pelo Executivo para compor as diretorias de
diversas agências reguladoras e para outras funções que precisam da aprovação
dos senadores. As agências são essenciais para a rigorosa fiscalização dos
serviços prestados à população por concessionárias privadas de serviços
públicos. Mas o presidente Jair Bolsonaro e parte de seus auxiliares mostram,
mais de três anos depois da chegada ao poder, não ter entendido esse papel.
O despreparo do governo está sendo grave
para a CVM. Criada em 1977, depois de uma séria crise que afetou a
credibilidade do mercado de valores mobiliários, a CVM vem tendo papel decisivo
para manter a transparência das operações nesse mercado e dar-lhes a confiança
indispensável para atrair investidores. Como lembrou seu primeiro presidente,
Roberto Teixeira da Costa, em artigo recente na revista Relações com
Investidores, no qual mostra os riscos que o corte de verbas traz, em 45 anos
de operação a CVM contribuiu para a internacionalização do mercado, que se
transformou com a maior sofisticação dos usuários e intermediários, a chegada
de novos produtos financeiros e outras modernizações.
O orçamento de que a CVM disporá em 2022 é
o menor em 13 anos. Cortes de verbas não têm sido raros nos últimos anos. Em
2018, o gasto discricionário do órgão alcançou R$ 27 milhões; em 2019, R$ 25
milhões; e, em 2020, R$ 20 milhões. Em 2021, houve recomposição das verbas, que
somaram R$ 26 milhões. Para 2022, porém, são apenas R$ 12 milhões, menos da
metade do que a CVM dispunha no ano passado. Quando essa redução brutal de
verba foi aprovada, a direção da CVM disse, em nota, que “o recorrente
contingenciamento de recursos na última década vem aumentando, progressiva e
continuamente, os riscos operacionais dos macroprocessos de supervisão e
fiscalização”.
A CVM não realiza concurso público desde
2010. De 610 cargos aprovados, só 435 estão preenchidos. Há um déficit de 30%
de pessoal. O corte brutal de verbas neste ano torna a situação ainda mais
difícil.
A segurança de que os investidores
necessitam exige uma CVM em condições de fiscalizar, disciplinar, prevenir
falhas, punir quando necessário e desenvolver regras adequadas para as mudanças
inevitáveis na economia mundial. Ela é essencial para a credibilidade do
mercado de capitais. Só o governo Bolsonaro não vê.
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