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Tortura deve ser sempre condenada
O Globo
Países que teimam em não aprender com o passado correm riscos sérios no futuro. É esse o recado dos áudios inéditos de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) entre 1975 e 1985, revelados pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e publicados pela colunista do GLOBO Míriam Leitão. Está lá, de forma inequívoca, a prova de que ministros da Corte sabiam da prática de tortura. Os áudios trazem à luz, mais uma vez, evidências das atrocidades cometidas nos porões do regime militar.
É missão intransferível da sociedade
brasileira lembrar e denunciar os crimes contra a humanidade cometidos pelos
agentes do Estado. Igualmente importante, é dever de todo cidadão atentar para
como reagem as figuras públicas a essas revelações. Quem apoia os torturadores
do passado ou faz pouco-caso das vítimas é contrário à dignidade humana. Não há
meio-termo.
É comum ouvir no meio militar que a análise da ditadura costuma ser enviesada, por ignorar os crimes da luta armada ou as intenções autoritárias dos movimentos de esquerda. Foi essa a essência das críticas feitas por alguns militares ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade, convocada em 2012 para historiar os abusos. Mas, por mais que a guerrilha tenha cometido crimes, isso em nada muda os que foram responsabilidade do Estado brasileiro. É inadmissível usar aqueles como argumento para justificar a tortura e a morte de militantes de esquerda por agentes da ditadura. Não se trata tampouco de contestar a Lei da Anistia, sancionada em 1979 e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010.
Desmerecer o passado, esforçar-se para
reescrevê-lo com mentiras ou debochar de vítimas é desonesto, covarde e
desumano. Tristemente, exemplos não têm faltado. Cobrado a dar uma declaração
sobre a possibilidade de uma investigação a partir dos áudios do STM, o
vice-presidente, Hamilton Mourão, rara voz de bom senso na nau bolsonarista,
reagiu com insensatez. “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo. Vai trazer os
caras do túmulo de volta?”, disse, rindo.
Mourão, assim como o presidente Jair
Bolsonaro, já declarou ter admiração pelo coronel e torturador Brilhante Ustra.
No começo deste mês, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) zombou da
tortura sofrida por Míriam Leitão. Mais que tentativa de desviar a atenção dos
graves problemas enfrentados pelo país governado por seu pai, a declaração
traduz tão somente pusilanimidade.
A história dos Anos de Chumbo é didática
sobre a tortura. Convencidos de que tudo era permitido para combater a ameaça
comunista, bandos de torturadores e esquadrões da morte se transformaram numa
máquina descontrolada, incrustada no Estado, mais poderosa que governadores,
ministros, parlamentares ou juízes.
Nesse ambiente, como documenta o colunista
do GLOBO Elio Gaspari em sua obra sobre a ditadura, a tortura tornou-se a marca
que, associada ao regime militar, acabou por selar seu fim. Lembrá-la agora é
essencial para entender o retrocesso representado por aqueles que tentam
reescrever essa história dolorosa.
Fim da emergência sanitária não pode
desmontar combate à Covid no país
O Globo
É inegável o oportunismo do ministro da
Saúde, Marcelo Queiroga, ao anunciar no domingo de Páscoa o fim da emergência
sanitária decretada em fevereiro de 2020, no início da pandemia. É o sexto
ministro a usar cadeia nacional de rádio e TV neste ano. Não se pode esquecer
que o roteiro do comunicado já estava traçado pelo presidente Jair Bolsonaro,
que nunca suportou as medidas de restrição, impostas por estados e municípios
com aval do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro avisara que Queiroga
anunciaria em breve o “rebaixamento da pandemia”. Em ano eleitoral, será sempre
um tema incômodo para o chefe de uma nação que concentra mais de 660 mil
mortes.
É verdade também que o atual cenário
epidemiológico justifica a revisão das normas rígidas adotadas no início de
2020, quando a Covid-19, então uma doença desconhecida, assombrava o mundo. Há
quase dois meses o número de mortes está em queda — cerca de cem por dia ante
mais de 4 mil no auge da pandemia. A ocupação de UTIs saiu dos níveis críticos.
A vacinação avançou: 76% da população recebeu duas doses, e em torno de 50% a
dose de reforço. Estados e municípios, protagonistas das medidas de restrição
para conter a transmissão, empreenderam ampla liberação. Mesmo o uso das
máscaras foi aliviado em praticamente todo o país. No início do mês, a Paraíba
foi o último estado a abolir a proteção.
Mas o fim da emergência sanitária não
demanda apenas um decreto. Inúmeras decisões estão direta ou indiretamente
atreladas a ela. A CoronaVac, usada na vacinação infantil, está autorizada pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas para uso emergencial.
O mesmo ocorre com medicamentos contra a Covid-19 aprovados pela Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). As regras de exceção
afetam também o passaporte vacinal, a importação e exportação de remédios e as
normas trabalhistas, como proteção social e de saúde a entregadores ou a
regulamentação do teletrabalho.
É preciso, portanto, bom senso para que o
arcabouço de normas que sustentam o combate à pandemia não seja desmontado de
uma hora para outra. Por um motivo simples: a pandemia não acabou. O próprio
Queiroga reconheceu isso. Rebaixar a pandemia para endemia, como pretendia
Bolsonaro, é tarefa que não cabe a governos, mas tão somente à Organização
Mundial da Saúde (OMS). Queiroga afirmou que atos normativos serão publicados
nos próximos dias para aparar as arestas. É o que se espera.
Não há dúvidas de que normas precisam ser aliviadas diante da queda no número de mortos e infectados. O vírus não desaparecerá repentinamente, e será necessário aprender a conviver com ele. O aumento de casos de Covid-19 na China e nos Estados Unidos mostra que não se deve relaxar. Será fundamental manter a vigilância e o monitoramento de novas variantes. Toda decisão tem de ser tomada baseada na ciência. Deixar que a política e o calendário eleitoral contaminem o combate à pandemia é um erro que pode ser fatal.
Apesar de Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Presidente tenta faturar com o
arrefecimento da pandemia, cujos efeitos agravou
Decretada em fevereiro de 2020, a
Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) constitui uma
espécie de espinha dorsal das ações do Estado com relação à pandemia.
A portaria deu lastro legal para medidas
fundamentais de combate à Covid-19, como o uso emergencial de vacinas, a
imposição de máscaras e a compra de insumos sem a necessidade de licitação.
O diploma também deu ao governo poder para
fazer gastos extraordinários, não sujeitos ao teto constitucional de despesas.
A flexibilização, embora essencial, também gerou suspeitas de superfaturamento
e favorecimento.
Assim, reveste-se de grande significado
prático e político a decisão, anunciada no domingo (17), de revogar
nos próximos dias o estado de emergência.
Somente no Ministério da Saúde, por
exemplo, estima-se que cerca de 170 regras poderão sofrer algum impacto devido
ao fim da Espin. Recomenda-se, portanto, que esse processo seja conduzido de
maneira prudente e técnica, a fim de evitar sobressaltos e interrupções de
serviços ainda relevantes.
Do ponto de vista simbólico, as implicações
não são menos importantes. Num momento em que o presidente clama pelo "fim
da pandemia" (o
que compete à Organização Mundial da Saúde), o governo tenta virar a página
de seu maior desastre administrativo, colhendo louros políticos indevidos pelo
arrefecimento da crise sanitária.
A melhora observada atualmente nos
indicadores da Covid-19 no Brasil se dá, afinal, apesar de Jair Bolsonaro (PL)
e seus auxiliares.
O mandatário vem se portando, desde o
início, como o chefe dos negacionistas —menosprezando a gravidade da crise,
estimulando o contágio como forma de imunização, promovendo remédios sem
eficácia contra a doença, procrastinando a compra de vacinas, sabotando toda e
qualquer medida de combate ao coronavírus.
Tudo isso misturado a doses cavalares de
desinformação e à indiferença desumana a uma tragédia que cobrou a vida de mais
de 660 mil pessoas e afetou, direta e indiretamente, todos os brasileiros.
Em sua ofensiva macabra, Bolsonaro contou
com a subserviência do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que, apesar do
cargo e da formação médica, acabou por se converter em caixa de ressonância das
perfídias presidenciais.
As pretensões da dupla com o fim do estado
de emergência, contudo, não podem escamotear a realidade. A pandemia persiste
entre nós; menos letal, é verdade, mas ainda assim matando diariamente cerca de
uma centena de pessoas no país —e exigindo um enfrentamento que seguirá, como
sempre, nas mãos de estados e municípios.
Piada de mau gosto
Folha de S. Paulo
Gravações sobre tortura na ditadura militar
revelam lógica corporativista do STM
Uma ambiguidade perpassa as declarações de
ministros do Superior Tribunal Militar (STM) que
se tornaram públicas nos últimos dias.
Fruto de valioso trabalho do historiador
Carlos Fico, da UFRJ, elas foram reveladas pelo jornal O Globo e mostram como
os julgadores na cúpula da Justiça Militar lidavam com denúncias de tortura
durante a ditadura (1964-1985).
Por enquanto, o historiador analisou os
áudios que abrangem sessões de 1975 a 1979, período em que a violência de
Estado já manchava havia alguns anos as mãos dos militares que comandavam o
país.
Enquanto advogados e líderes religiosos
batalhavam pela liberdade e pela dignidade humana, ministros do STM
equilibravam-se em patamar rasteiro, oscilando entre a repulsa à tortura e
ponderações acerca da desonra que cairia sobre o regime autoritário caso os
maus-tratos viessem à tona.
"Quando aqui vem à baila um caso de
sevícias, este se constitui em um verdadeiro prato para os inimigos do
regime", ouve-se em voz identificada como do almirante Julio de Sá
Bierrenbach.
Ele próprio conclui: "O que não
podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha sua integridade física
atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes de pior caráter do que o
encarcerado".
Em outro trecho, este atribuído ao ministro
Waldemar Torres da Costa, a hesitação também é evidente: "Eu não me recuso
a me convencer dessas torturas, mas exijo que essas torturas tragam uma prova e
não fiquem apenas no terreno da alegação. Reconheço, senhores ministros, que
também é difícil o indivíduo provar as torturas".
Ainda que tais declarações tenham sido
proferidas em 1976, sob o calor dos acontecimentos, elas expressam um grau de
compostura superior ao do general Hamilton Mourão. Beneficiado por quase meio
século de distanciamento, o vice-presidente fez piada: "Apurar
o quê? Os caras já morreram".
A única piada, e de mau gosto, é o STM
estar impregnado até hoje da mesma lógica dos anos de chumbo e, pior, o
presidente Jair Bolsonaro (PL) defender que civis sejam julgados pela Justiça
Militar por eventuais ofensas às Forças Armadas.
O
tema está no Supremo Tribunal Federal, por iniciativa da Associação
Brasileira de Imprensa.
Seria demais esperar que a discussão histórica estimulasse algum reconhecimento
de erros passados, mas ao menos poderia estimular o STF a julgar a ação da ABI.
A LDO e o legado da devastação
O Estado de S. Paulo
Contas esburacadas, dívida em alta e atividade medíocre compõem os cenários oficiais dos próximos três anos, conforme se lê no projeto da LDO de 2023
Baixo crescimento, baixo consumo, contas
esburacadas e dívida crescente compõem a herança prometida ao próximo governo
pelo presidente Jair Bolsonaro, embora seu ministro da Economia, Paulo Guedes,
tente enfeitar o legado sinistro. O desastre continuado está previsto nos
cenários de referência do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de
2023. Nos próximos dois anos o poder central ainda fechará seu balanço com
déficit primário, isto é, com gastos maiores que a arrecadação, sem contar o
custo da dívida pública. Com isso serão completados dez anos de contas
primárias em vermelho. O desarranjo iniciado na gestão da presidente Dilma
Rousseff deverá prosseguir até a metade do novo mandato presidencial, se as
projeções estiverem corretas. Não só pelos números da inflação, mas também pela
condução geral da economia, a gestão bolsonariana continua emulando a da fase
final do petismo.
Sem sair do atoleiro, a economia brasileira
crescerá apenas 2,5% em cada um dos próximos três anos, segundo as projeções
divulgadas com o projeto da LDO. O Brasil continuará, nesse caso, em descompasso
com os emergentes mais dignos dessa classificação. Além disso, ainda avançará
em ritmo abaixo da média mundial, superior a 3% ao ano, segundo estimativas de
organizações internacionais. Mas o crescimento apontado para a produção
brasileira pode embutir algum otimismo. Fora da administração federal, a
maioria das previsões continua indicando taxas inferiores a 1%, em 2022, e
nada, por enquanto, parece justificar a expectativa de expansão em torno de
2,5% a partir de 2023.
A inflação diminuirá para 3,3% no próximo
ano e chegará ao centro da meta, de 3%, nos dois anos seguintes, mas a taxa
básica de juros continuará elevada, com taxas previstas de 10%, 7,7% e 7,1%. O
Banco Central (BC) deverá continuar batalhando – essa é a expectativa implícita
– para conter a alta de preços no próximo período presidencial. Esse esforço
poderá produzir algum efeito contra o surto inflacionário, mas será um entrave
à retomada econômica e, além disso, continuará afetando severamente os custos
do Tesouro.
As contas primárias permanecerão
esburacadas, com déficit de R$ 65,91 bilhões no próximo ano, nas finanças do
poder central. O buraco poderá diminuir para R$ 27,89 bilhões em 2024. Em 2025
poderá surgir um superávit primário de R$ 33,70 bilhões, equivalente a 0,28% do
Produto Interno Bruto (PIB). A dívida bruta do governo geral aumentará de
79,64% do PIB em 2023 para 80,29% em 2024. Essa porcentagem deverá ser mantida
em 2025, porque o ressurgimento do superávit primário permitirá a imposição de
algum controle ao endividamento.
Mesmo com alguma expansão dos negócios e da
arrecadação, esse controle dependerá, naturalmente, da disposição de quem
comandar o Executivo e do grau de influência do Centrão nas decisões sobre as
finanças públicas. Hoje o Centrão opera tanto no Congresso quanto no Executivo,
onde comanda a Casa Civil e exerce, com apoio presidencial, o poder de liberar
despesas, até contra a opinião do ministro da Economia.
Credores do Tesouro continuarão sujeitos ao
calote determinado pelas Emendas Constitucionais 113 e 114, aprovadas em 2021.
Essas emendas permitem ao Executivo limitar o pagamento de dívidas
correspondentes a precatórios, sem reconhecimento pleno, portanto, de ordens
judiciais. Antes dessas emendas, o poder central deveria liquidar todos os
precatórios oficializados em cada exercício. Agora há limites e prioridade para
os compromissos de menores valores.
As projeções oficiais apontam, portanto,
mais dois anos de rombos primários, dívida em expansão e manutenção do calote
dos precatórios. Metas de inflação, superávit primário e câmbio flexível
compuseram o tripé desenhado depois do Plano Real. Aprovada no ano 2000, a Lei
de Responsabilidade Fiscal complementou essas diretrizes, desmoralizadas no
final da gestão petista e revalorizadas temporariamente na gestão do presidente
Michel Temer. A devastação dessas normas é parte da herança do atual mandato.
O fim da emergência sanitária
O Estado de S. Paulo
Próximos passos para a superação da pandemia dependerão de orientação do Ministério da Saúde, mas ainda não há nenhuma
Após mais de dois anos e 660 mil mortes, o
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou em cadeia nacional o fim da
Emergência em Saúde Pública Nacional da covid-19. O anúncio condiz com as taxas
de vacinação e as quedas de casos e internações. Mas, como sempre ao longo
desta crise, as autoridades e a sociedade precisarão seguir duplamente
vigilantes: com o vírus e com seu presidente.
A Organização Mundial da Saúde apresentou
alguns cenários para a pandemia. O mais provável é que variantes do vírus sigam
circulando em ondas intermitentes, mas sua gravidade diminua por causa da
imunização vacinal ou natural. Na pior das hipóteses, uma nova variante
altamente virulenta e transmissível pode exigir o retorno das medidas
emergenciais.
Aconselhado por técnicos da pasta e da
Anvisa, o ministro iniciará um período de transição. Isso é importante, porque
o fim da emergência impacta 172 regras do Ministério, como a aplicação de
vacinas em caráter emergencial, as compras de medicamentos e insumos ou os
repasses aos governos subnacionais.
Nos próximos dias, a pasta editará um ato
regulamentando a transição. Normalmente, o seu acompanhamento seria uma mera
rotina técnica. Mas será preciso redobrar a atenção. A depender do presidente
Jair Bolsonaro, o governo tentará fazer o País esquecer a pandemia por decreto.
A julgar pelo seu desempenho durante a
crise, não se pode contar com o Planalto, por exemplo, para as campanhas de
conscientização. O ministro falou que a população continuará a “conviver com o
vírus”, mas não deu qualquer instrução sobre como será essa convivência. Quais
cuidados serão necessários com os grupos de risco? Quais as medidas de
contingência ante eventuais reveses? Quais os detalhes sobre a compra de
vacinas?
É sintomático que o presidente tenha se
furtado a fazer pessoalmente um anúncio tão significativo. Para qualquer
liderança no mundo, seria uma oportunidade de confraternizar com a população,
adverti-la sobre os desafios, relembrá-la das medidas do governo e,
naturalmente, capitalizar apoio. Mas a pandemia é um passivo do qual Bolsonaro
quer se livrar.
Desde o início, ele fez de tudo para
minimizar a gravidade do vírus, sabotar as estratégias apontadas por
especialistas e adotadas pelos Estados para contê-lo e colocar em xeque a
segurança e a eficácia das vacinas. Dois ministros caíram por se recusar a
endossar medidas anticientíficas. O vácuo de comunicação, que obrigou a
imprensa a mobilizar um consórcio para disponibilizar informações confiáveis,
foi acompanhado de uma torrente de desinformações saídas diretamente do
Planalto.
A CPI da Pandemia evidenciou condutas
potencialmente criminosas, como a recusa do governo em firmar contratos para
aquisição de vacinas, a propaganda de medicamentos comprovadamente ineficazes e
a ofensiva para obliterar medidas sanitárias dos governadores e prefeitos. Os
indícios de improbidade e corrupção na compra de vacinas foram tantos que o
próprio Bolsonaro se viu obrigado a rifar seu leal sabujo no Ministério da
Saúde, o intendente Eduardo Pazuello.
Mais do que os desmandos administrativos e
jurídicos, a atuação de Bolsonaro ficará indelevelmente gravada na história da
infâmia nacional – e internacional – pela sua indigência moral. À população
aflita, seu presidente reservou inúmeras falas de escárnio (“gripezinha”, “e daí?”,
“não sou coveiro”) e nenhuma de compaixão.
A omissão envergonhada do presidente no
anúncio do fim da emergência é só mais uma que contrasta com a atuação dos
demais Poderes da República, autoridades regionais e, sobretudo, da população.
Se ela não tivesse aderido diligentemente aos protocolos sanitários e à
imunização, o desastre seria muito pior. Enquanto se aguarda a
responsabilização de Bolsonaro, espera-se que o País seja igualmente diligente
na transição para o pós-pandemia. Acima de tudo, espera-se que a memória do
eleitorado não tenha pernas tão curtas quanto as mentiras de Bolsonaro na hora
de retribuir nas urnas tantas mortes desnecessárias e tanto opróbrio para a
Nação.
O crédito para pequenas empresas
O Estado de S. Paulo
Com disponibilidade de financiamento, MPEs evitaram deterioração mais acentuada do mercado de trabalho
As micro e pequenas empresas (MPEs)
demonstraram sua grande capacidade de geração de emprego durante a pandemia, e
assim tiveram papel fundamental para evitar deterioração ainda mais acentuada
do mercado de trabalho. Temia-se que, por serem mais vulneráveis às
dificuldades conjunturais do que as empresas de maior porte e, por isso, em
tese com menor acesso aos empréstimos bancários, as MPEs passassem a enfrentar
mais dificuldades financeiras na pandemia, sobretudo para o capital de giro.
Elas contaram, no entanto, com grande apoio financeiro para manter suas
operações e criar postos de trabalho. Estudo
da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostra que o crédito destinado às
empresas de menor porte teve expansão de praticamente 95% no resultado
acumulado de 2020 e 2021.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho mostram que, entre 2007 e 2019,
os pequenos empreendimentos foram responsáveis pela criação de 12,4 milhões de
postos de trabalho com carteira assinada, enquanto as médias e grandes empresas
fecharam 1,5 milhão de postos. No ano passado, as micro e pequenas empresas
responderam por 78% de 2,7 milhões de vagas abertas.
As taxas de desocupação caíram nos últimos
meses, mas continuam muito altas. Muitos trabalhadores que perderam o emprego
abriram negócio próprio, tornando-se empreendedores de pequeno porte. O
crescimento do negócio, que pode resultar na contratação de empregados, depende
das condições do mercado, da capacidade gerencial do novo empreendedor e de
apoio financeiro. O crédito bancário obtido pelas MPEs alcançou proporções
recordes nas estatísticas das instituições financeiras e teve papel relevante
na sua expansão e na sua capacidade de geração de emprego.
Em setembro de 2021, a carteira de crédito
das micro e pequenas empresas somava R$ 363,9 bilhões, valor 94,7% maior do que
o registrado em dezembro de 2019, segundo a Febraban. A expansão do crédito
concedido pelos bancos a esse segmento de empresas foi muito mais intensa do
que o aumento do crédito oferecido para todas as pessoas jurídicas, razão pela
qual a fatia das MPEs no total de financiamentos passou de 13,2% em 2019 para
19,7% em 2021. A maior parte dos empréstimos foi destinada a capital de giro.
Curiosamente, a maior expansão do crédito
para as MPEs foi registrada entre os bancos de maior porte, com ativo igual ou
superior a 10% do PIB ou atividade internacional relevante, e que, pelo porte,
poderiam não ter interesse nessas operações. Eles respondem por quase 70% de
todo o crédito destinado às empresas pequenas. Sua carteira de MPEs, de cerca
de R$ 250 bilhões, passou a representar 23,3% de todo o crédito para pessoas
jurídicas.
Para o presidente da Febraban, Isaac
Sidney, números como esses “desfazem o que muitos alardeavam no sentido de que
o crédito não chegava na ponta para micro e pequenas empresas” e mostram o
papel do sistema bancário no apoio a esses empreendimentos vitais para o
emprego e o crescimento da economia.
Obras da Codevasf ilustram padrões de ação
do Centrão
Valor Econômico
Aliança de Bolsonaro com os partidos
fisiológicos escancarou seu pouco apreço pela austeridade no uso de dinheiro do
contribuinte
A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do
São Francisco e Parnaíba (Codevasf) foi criada na ditadura militar, em 1974,
para desenvolver o semi-árido nordestino. É a estatal federal que mais cresceu
no governo Bolsonaro, tendo hoje sob sua jurisdição metade dos 5.700 municípios
brasileiros, espalhados por 15 Estados e Distrito Federal. Em dezembro de 2020
adentrou o Amazonas, Roraima e mais bacias hidrográficas em Minas Gerais.
Projeto no Senado queria inclui-la também no Pará.
Um dos motivos da predileção dos
congressistas pela Codevasf pode ter sido resumido pelo então líder do governo
no Senado, Fernando Bezerra (PE): “É uma empresa de excelência nas suas
práticas de gestão pública”. Comandada pelos partidos do Centrão, e dirigida
por Marcelo Moreira, a estatal está no centro de suspeitas crescentes de
corrupção, assim como o FNDE, dirigido pelo PP do ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira, e do deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados,
baluartes da campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
O FNDE patrocinou 2 mil “escolas fake” e
kits de robótica para escolas sem internet e água encanada vendidos por aliados
de Lira, em uma licitação com especificações possivelmente dirigidas (Folha de
S. Paulo, 14.4). O Ministério da Educação permitiu que pastores intermediassem
contatos para liberação de verbas do fundo. Sobre esse episódio, Nogueira disse
que poderia ser qualificado de “corrupção virtual”. Lira afirmou a O Globo que
o caso das “escolas fake” foi “erro administrativo”.
A expansão amazônica da Codevasf ocorreu
simultaneamente ao acordo de Bolsonaro com o Centrão, que garantiu a
sobrevivência política do presidente, e ao surgimento das emendas secretas (do
relator) das quais pouco se sabe, exceto que são bilionárias e que o dinheiro
foi parar em currais eleitorais dos aliados do governo - ou alhures.
A Codevasf revigorada, por coincidência foi
o objeto secreto de destino de grande parte das emendas do relator em 2020, com
R$ 3 bilhões. Segundo O Estado de S. Paulo, deram origem ao “tratoraço” -
compra de máquinas agrícolas com preços superfaturados. A empresa recepcionou
os repasses secretos, de autores ocultos, e agilizou os gastos em prefeituras
de aliados do Centrão. Suas despesas de desenvolvimento regional, territorial e
urbano mais que sextuplicaram, para R$ 2,6 bilhões, exigindo novas aptidões da
estatal. Uma delas foi a de descobrir uma nova geração de empreiteiras capazes,
entre outras coisas, de produzir asfalto que se liquefaz sob a ação do
inesperado calor tropical ou, ao contrário, transformar-se em pó, ou ainda
propenso a formar buracos.
A Codevasf fez inovações técnicas capazes
de chamar a atenção até de leigos em licitações públicas. Com estranho aval do
TCU, fez pregões padrões, sem especificar onde será a obra realizada, sem
projetos básico e executivo. Em geral, a licitação visa obra específica, e
busca um executor. Houve uma genial inversão: escolhe-se os executores para
obras com especificações genéricas que valem para Estados inteiros, trechos
prêt a porter. Um ministro do TCU que a aprovou afirmou que o modelo
convencional seria "ineficaz para solucionar o impasse temporal que vem
obstaculizando a execução do orçamento”.
Uma empreiteira desconhecida como a
maranhense Engefor venceu mais de metade das 99 licitações da Codevasf para
obras em estradas de rodagem e tornou-se a empresa com maior verba empenhada
para obras no orçamento, R$ 620 milhões. A empresa venceu algumas das disputas
concorrendo com ela mesma, por meio de uma empresa de fachada dirigida por
parentes.
Em 2019 e 2020 a CGU apontou obras
superfaturadas e serviços em duplicidade em Alagoas. O município que mais
recebeu emendas do relator em proporção ao número de habitantes foi Barra de
São Miguel (população: 8400 habitantes), cujo prefeito é Benedito de Lira (PP),
pai de Arthur Lira.
O comando do Centrão na Codevasf não foi
obra apenas de Bolsonaro, quem, porém, lhe deu meios e recursos. A presidente
Dilma Rousseff, em maio de 2015, mudou o comando da estatal e entregou-o a
Felipe Mendes, apadrinhado de Ciro Nogueira (PP), porque precisava de apoio
para sua proposta de ajuste fiscal.
Bastaram alguns meses para que a aliança de
Bolsonaro com os partidos fisiológicos escancarassem seu padrão de ação e pouco
apreço pela austeridade no uso de dinheiro do contribuinte. Os órgãos de
investigação deveriam investigar a fundo essa farra descarada com verbas
públicas.
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