Valor Econômico
Satélite é sistema de “inteligência”, não
de “vigilância”
Cinco dias após a reunião de Elon Musk,
homem mais rico do mundo, com o presidente Jair Bolsonaro, ministros,
autoridades militares, e empresários brasileiros, a Space-X -- empresa de
desenvolvimento e lançamento de foguetes do bilionário -- lançará ao espaço
dois satélites-radar de sensoriamento remoto (SRR), que integram o Projeto
Lessônia, da Força Aérea Brasileira (FAB).
O acontecimento não tem ligação direta com
o “início de namoro” do governo brasileiro com o bilionário, na expressão
utilizada por Bolsonaro, porque a escolha de um foguete da Space-X para o
lançamento partiu da fabricante dos satélites, a finlandesa Iceye.
Em contrapartida, não se pode minimizar o esforço conjunto de autoridades militares e civis dos governos brasileiro e finlandês para viabilizar o lançamento já nesta quarta-feira.
A oportunidade da data foi uma das pautas
da rápida conversa entre o comandante da FAB e o CEO da Tesla e da Space-X na
sexta-feira, durante o evento com o bilionário em Porto Feliz (SP). “Tive
oportunidade de conversar com Musk quatro assuntos, além de agradecer o
lançamento dos dois [satélites] Lessonia”, relatou Baptista Júnior ontem,
durante um café da manhã com jornalistas.
O lançamento dos satélites Carcará I e
Carcará II está programado para esta quarta-feira (25), por volta das 15 horas
(horário de Brasília), no Cabo Canaveral, na Flórida. O site oficial da base de
lançamentos informa que o foguete Falcon 9 da Space-X levará ao espaço nessa
data “vários microssatélites e nanossatélites de uso comercial e de governos”.
O comandante da FAB, os ministros da
Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, da Ciência, Tecnologia e Inovação Paulo Alvim, o
embaixador da Finlândia, Jouko Leinonen, e um representante do Centro Gestor e
Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) acompanharão o evento
no Centro de Operações Espaciais (Cope), em Brasília.
Pela primeira vez, o Brasil contará com
dois satélites de sensoriamento remoto em operação, que irão orbitar com uma
defasagem de 180 graus. A tecnologia foi contratada entre o governo brasileiro
e a Iceye em 2019 por US$ 33 milhões, ou cerca de R$ 170 milhões. O valor
contempla a fabricação, lançamento, ajuste da órbita e início da operação dos
satélites, esperada para novembro.
Baptista Júnior aproveitou o encontro com o
CEO da Space-X para tratar de pontos do programa espacial brasileiro, como o
desenvolvimento de satélites de sensoriamento remoto de baixa órbita e de
foguetes. Um terceiro tema foi a instalação de um sistema de monitoramento
espacial para melhorar a segurança das operações de satélites.
A quarta pauta foi a oferta do Centro
Espacial de Alcântara para receber veículos lançadores de empresas comerciais.
O comandante da FAB exaltou as vantagens da base de lançamento brasileira, que
seriam mais atraentes do que a base da Flórida: proximidade do mar, a
localização de aproximadamente 2º18’ ao sul da Linha do Equador (o que
possibilita lançamentos em órbitas polares e equatoriais); baixa densidade demográfica;
ausência de incidência de terremotos e furacões; baixa densidade de tráfego
aéreo e marítimo.
No ano passado, o governo celebrou
contratos de cessão onerosa de áreas da base para exploração com três empresas
americanas e uma canadense, que se responsabilizaram pelas obras de
infraestrutura para viabilizar o início das operações no local.
Mas a contratação dos satélites nacionais
junto à empresa finlandesa foi criticada por técnicos do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), que alegaram que o modelo não seria apropriado para
monitorar o desmatamento na Amazônia.
Na conversa com jornalistas, Baptista
Júnior rebateu as críticas do Inpe. Em primeiro lugar, a dupla de satélites vai
oferecer conteúdo não apenas para o monitoramento da Amazônia, ao Ibama, por
exemplo, mas também para operações de combate ao tráfico e defesa das
fronteiras da Polícia Federal, entre outros órgãos.
Baptista Júnior enumerou vantagens da dupla
de satélites. Uma delas é que o radar pode visualizar através das nuvens, sendo
que, principalmente a Amazônia ocidental, é encoberta quase o tempo todo. Ele
lembrou que o Inpe adquire imagens de várias empresas, enquanto os satélites
brasileiros vão assegurar a soberania para que o governo “olhe para onde quiser
olhar”, porque será possível programar qualquer área de observação, com melhor
resolução.
Uma peculiaridade é que as imagens de radar
carecem de interpretação de especialistas. Mas o comandante ressalta, por
exemplo, que essa tecnologia identifica metais com mais facilidade, o que
ajudará na fiscalização de garimpos ilegais, por exemplo.
Uma característica dessa tecnologia é que a
imagem não é processada em tempo real, ao contrário, pode levar dias para
chegar ao órgão de governo. Por isso, o comandante da FAB observa tratar-se de
um sistema de “inteligência”, e não de “vigilância”.
Ele explica que se há suspeita de um
garimpo em uma determinada área, os militares farão missões de inteligência,
com antecedência. A imagem oferecida pelo radar fornecerá outro tipo de
informação. Ele acrescentou que a FAB dispõe de aviões que fornecem imagens,
com outra resolução, em tempo real.
Embora o ministro das Comunicações, Fábio
Faria, tenha afirmado que discutiu com Musk o uso da tecnologia de satélites
das empresas do bilionário para a preservação da Floresta Amazônica, o
lançamento dos Carcarás I e II desponta como o exemplo mais próximo de alguma
conexão com a Space-X, até agora. Com a ressalva de que se trata de uma
operação indireta, viabilizada pela finlandesa Iceye. Há expectativa do
governo, entretanto, que o diálogo avance, e que saia do papel o projeto
Conecta Amazônia, com a Starlink, divisão de satélites da Space-X. O comandante
da FAB espera que a Space-X se interesse por operações na Base de Alcântara, e
nas parcerias com satélites.
Nenhum comentário:
Postar um comentário