- Por que fazer uma emenda à Constituição se apenas 7,7% dos gestores municipais deixaram de cumprir o preceito constitucional? Convém saber que apenas 14% dos deputados federais votaram contra a emenda.
O Brasil vem enfrentando graves problemas
relacionados à educação pública que atende cerca de 47 milhões de alunos no
ensino básico, a partir dos quatro anos de idade.
Os indicadores estão aí para comprovar a
ineficiência no processo de ensino aprendizagem, gerenciado por sistemas
educacionais municipais e estaduais agregados e viciados às políticas
eleitorais populistas e demagógicas ora vigentes no país, com recursos via de
regra desviados de suas funções e professores com formação precária e mal
pagos, embora cercados por órgãos fiscalizadores, a começar pelos conselhos do
FUNDEB municipais e estaduais, tribunais de contas.
Não bastasse o descaso com a educação das
crianças, adolescentes e jovens, que já vem de longe, o Congresso Nacional
aprovou uma Emenda à Constituição, ou seja, uma PEC, em 27 de abril deste ano,
“que livra de punição os gestores estaduais e municipais que não cumpriram o
mínimo constitucional em investimento em educação em 2020 e 2021, em razão da
pandemia”. (G1)
A Constituição estabelece que estados, o Distrito Federal e municípios devem aplicar, no mínimo, 25% da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Vergonhoso!
No Brasil existem 5.570 municípios. Estudos
do IBGE mostram que 67,7% dos municípios (3.770) têm menos de 20 mil habitantes
e concentram 14,8% da população, com 31,6 milhões de habitantes, certamente os
que mais padecem com a desigualdade social que avança país afora e com as
dificuldades vivenciadas pelas escolas públicas e seus alunos, no que se refere
a infraestrutura precária, ausência de material didático, uniformes e o que é
mais sério, sem proposta pedagógica definida.
Segundo dados da Frente Nacional de
Prefeitos (FNP), 358 municípios não atingiram o percentual constitucional em
2020, com impacto negativo de R$ 1 bilhão para a educação. Em 2019, foram 72. A
previsão para 2021 é de que 846 municípios não teriam alcançado 25% de despesas
em manutenção e desenvolvimento da educação.
Por que fazer uma emenda à Constituição se
apenas 7,7% dos gestores municipais deixaram de cumprir o preceito
constitucional? Convém saber que apenas 14% dos deputados federais votaram
contra a emenda.
Qual o compromisso dos congressistas com a
educação de crianças e jovens, quando todos sabem que a qualidade do ensino
impacta diretamente na vida da família e na economia do país?
É que estamos num ano de eleições
majoritárias, talvez a mais conturbada e ameaçada do período republicano.
E o país segue trilhando as regras do mundo
da fantasia e da ignorância, sobretudo no que se refere à educação, no momento
que ainda é necessário superar os problemas relacionados à alfabetização e ao
letramento e darmos passos alongados rumo ao que se convencionou chamar
alfabetização digital, para melhor compreender o mundo, como diria Paulo
Freire.
A nova invencionice aprovada pela Câmara
Federal trata de uma proposta para implantação da escola domiciliar, uma
imitação grosseira do que acontece em alguns países, contrariando o que é
previsto no artigo 206, capítulo da Educação, em nossa Constituição Cidadã de
1988, que estabelece: “O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: 1- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; 2-
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber; 3- pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino; 4- gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais.” (art. 206 da Constituição)
Somente a escola pública garante o espaço
de socialização necessário ao exigido pelos princípios definidos e pelo
apregoado espírito democrático e fraterno constante da Carta Magna.
O arremedo de regulamentação
constante do Projeto de Lei (PL) 3.179 de 2012, para a prática da
educação domiciliar no Brasil, também conhecida como “homeschoolin”, ludibria
a população e ignora que a grande maioria dos alunos matriculados no ensino
básico nas escolas públicas brasileiras pertencem à famílias que vivem em
condições de insegurança alimentar, vivem em moradias precárias e precisam do
fortalecimento das políticas públicas educacionais, associadas a outras
políticas sociais, necessitando inclusive da proteção da escola pública
funcionando em tempo integral, de norte a sul do país.
Na enganosa regulamentação proposta pelos
deputados congressistas está definido que “o estudante deverá estar
regularmente matriculado em uma escola, que acompanhará o desenvolvimento
educacional durante o período… também será exigida, de ao menos um dos pais ou
responsável, a comprovação de escolaridade de nível superior ou em educação
profissional tecnológica, em curso reconhecido… os pais também não podem ter
antecedentes criminais”. (Agencia Brasil)
Lamentável! Desta vez, 144 deputados
votaram contra.
Essa proposta não atende nem a necessidade
das famílias ricas, porque estas já dispõem de escolas particulares nas mais
variadas modalidades e condições de mercado, também previstas na
constituição.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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