O Globo
Análise do discurso. Contexto: o presidente
que, pranteando por ter de bloquear porções do Orçamento concebido com os
associados do consórcio Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto, chora a
dificuldade para dar reajuste salarial aos servidores.
Falou Bolsonaro, na quinta:
— Apareceu despesa extra essa semana, entre
precatórios, Plano Safra e abono. Mais R$ 10 bilhões. De onde virá esse
dinheiro? Desse Orçamento. Temos que chegar nos ministérios e cortar R$ 10
bilhões.
Gosto do “apareceu”. Que susto, né?
Apareceu, ué. Talvez tenha assumido o cargo ontem, o pobre, herdeiro de uma
falência cujos esqueletos na gaveta descobre, tadinho. Só que não — diriam os
(mais) jovens.
Aboletado no trono há quase três anos e meio, ao menos sabe que os dinheiros terão de sair do Orçamento. O lance é: que Orçamento? O Orçamento de mentira forjado e operado por gente de verdade. O Orçamento que subestimou — deliberadamente — gastos obrigatórios. Os gestores do Orçamento ficcional sendo os mesmos que administram o realíssimo orçamento secreto — imexível.
Qual Orçamento? Aquele em que Bolsonaro vai
de todo levado no meteoro de Guedes — essa sendo a cauda do governo que vendera
a PEC dos Precatórios como solução para o descalabro fiscal que Planalto e
sócios haviam criado. Criaram o saco sem fundo. O teto de gastos, que pensei
somente conversível, afinal sem telhado mesmo.
Qual Orçamento? O Orçamento de fantasia,
formulado para banquetes corporativistas e eleitoreiros, nem para contemplar o
Plano Safra foi capaz de fingir algum mundo real.
Ainda tratarei do “Temos que chegar nos
ministérios e cortar R$ 10 bilhões”.
Antes, isto aqui:
— A gente se esforça para dar reajuste, eu
sei que pequeno, para servidores. Vou pedir para meu pessoal se encontrar com
sindicatos de servidores e chegar a acordo. Se alguém me disser de onde tirar
recurso, dou 10%, 15%, 20% de reajuste.
Está em casa, né, o patrimonialista? Se
alguém disser de onde, ele vai — tira do bolso e dá até 20%. O Orçamento está mesmo
privatizado. “Meu pessoal” chegará a um acordo; o “meu Exército” já mui bem
contemplado na reforma da Previdência feita pelo Ministério da Defesa. Chegarão
a acordo.
Mais interessante nessa passagem é
Bolsonaro se referir à questão dos aumentos salariais como se problema que não
tivesse origem nele. Ele plantou — inventou, regou — a crise. Foi em 16 de
novembro de 2021, na viagem a ditaduras do Oriente Médio, que o presidente —
animado pelo arreganho para gastos projetado pelo calote da PEC dos Precatórios
— prometeu reajuste para os servidores da União. Para todos. Nunca mais parou
de especular.
A intenção era óbvia. Colocava o bode na
sala, o aumento geral, para, diante da reação da sociedade, recuar — tirar o
bode — e reajustar salários apenas das categorias que lhe são estratégicas:
policiais federais, policiais rodoviários federais e agentes penitenciários.
Essa era a intenção. Continua sendo. Mas faltou combinar com os outros. E os
outros se rebelaram. Poderiam não se rebelar?
Ainda tratarei do “de onde tirar recurso”.
Antes:
— É 5% [de aumento] pra todo mundo. Não
atende a PRF. Para evitar que entre em greve... É triste falar isso aí, né?
Gente que ganha no teto e quer mais reajuste. Se eu tivesse mais recurso, eu
daria. Mas a proposta nossa, no momento, não tem como ir além.
Perdeu o controle. Prospera no descontrole.
(Perdeu?) Age como se não fosse com ele — como se comentasse governo alheio.
Pensou que tinha os agentes de segurança na mão. Mas eles não aceitam o aumento
em linha. Querem a distinção prometida. A rebelião é geral. (De fora,
alimentados, apenas os generais que Bolsonaro, decepcionado com quem ganha no
teto e quer mais, fez ganhar acima do teto.) O presidente é o pai da criança.
Prometeu para todos, para uns ainda mais — e agora, padrão, adia o desfecho.
Deixa rolar. Vai rolar. Chegarão lá.
Está preocupado com greve, com que parem o
país. Logo quem. Ou não terá sido Bolsonaro, nos anos 1980, o militar
insatisfeito a ameaçar o Exército com a explosão de umas “espoletas”?
Chamava-se Operação Beco Sem Saída. Certo? Com os sócios que tem, sempre há
saída.
E finalmente:
— Vai cortar na saúde. Vai vir pancada em
cima de mim, para poder atender os 5%. Vai cortar na educação, vai cortar todo
mundo. Os ministérios vão perder essas verbas chamadas discricionárias para
movimentar os ministérios para investimento.
Falemos do “de onde tirar recursos” e do
“Temos que chegar nos ministérios e cortar R$ 10 bilhões”. Digo de onde tirar
os recursos para honrar a palavra sem precisar cortar de Saúde e Educação. Que
tal bloquear os R$ 16 bilhões destinados ao orçamento secreto?
Converse com os sócios Nogueira e Lira. E
então preserve as verbas para investimentos sociais.
Que tal?
Não, né?
Vai vir pancada em cima de quem sempre paga
a fatura.
Um comentário:
Pois é,Carlos Andreazza.
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