Folha de S. Paulo
A questão ambiental tornou-se tema
inescapável neste ano eleitoral
Risonho, jovem, em uniforme de campanha,
eis o presidente com uma suçuarana à frente e a mata ao fundo.
Tal é a abertura de um vídeo
promocional que anuncia, em inglês —ou pior, para inglês ver—, que o
Brasil é um país livre e seu território, extremamente preservado. A megamentira
está nas redes desde a segunda-feira (9). No mesmo dia, o vice Hamilton Mourão
reconheceu que os dados sobre o desmatamento na Amazônia Legal eram "péssimos",
"horríveis", a ponto de tornar necessário descobrir onde o
governo está falhando.
O general acerta ao dizer que os dados são
péssimos. Segundo o Inpe, a derrubada da floresta superou inéditos 1.000
quilômetros quadrados entre janeiro e abril. Mas, ao contrário do que ele
sugere, não há mistério a desvendar. O porte do desastre é consequência direta
da ação do governo na área ambiental.
Segundo a MapBiomas —rede criada por especialistas em sensoriamento remoto e
mapeamento de vegetação—, a administração federal deixou de averiguar 97% dos
alertas de destruição das florestas emitidos pela organização entre janeiro de
2019 e março último.
Na realidade, Brasília atacou
sistematicamente o conjunto das instituições e políticas dedicadas à proteção
do meio ambiente. Órgãos de fiscalização perderam orçamento e pessoal; os
sobreviventes foram alvo de pressões indevidas. O sistema de autuação de
contraventores foi desestruturado; o processo de cobrança de multas, travado. O
governo tentou mudar as regras em favor dos predadores, transformando-se em
padrinho da ilegalidade.
Como se não bastasse, as falas do
presidente e de vários ministros estimularam toda sorte de ilícitos, entre eles
o avanço do garimpo ilegal em terras indígenas. Tanto assim que está em
julgamento no Supremo Tribunal Federal o chamado "pacote
verde", conjunto de sete ações impetradas por partidos de oposição
para barrar ou reverter o desmate institucional em curso.
Em contrapartida, têm sido grandes os
avanços do lado da sociedade organizada: há muitas mentes envolvidas, bons
diagnósticos, rico debate, propostas ambiciosas, das quais é exemplo recente o
projeto Amazônia 2030, articulado pelo Instituto Clima e Sociedade para
informar o debate eleitoral.
Por conta da mobilização de forças sociais
e da pressão externa, a questão ambiental tornou-se tema inescapável neste ano
eleitoral. Disso é prova o vídeo-propaganda de Bolsonaro. Mas não só. De forma
tímida —e a contrapelo do culto ao petróleo—, ela apareceu no discurso de Lula
ao anunciar sua pré-candidatura. Menos do que o momento pede, mas um (bom)
sinal dos tempos.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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