O Globo
O presidente Jair Bolsonaro, em meio à
crise entre as Forças Armadas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em razão
dos questionamentos reiterados, alguns até já respondidos, do representante dos
militares na Comissão de Transparência das Eleições (CTE) sobre as urnas
eletrônicas, abriu o jogo num “sincericídio” que lhe é peculiar. Disse que,
como comandante em chefe das Forças Armadas, seu representante na comissão só
poderia seguir suas orientações. Com isso, assumiu a autoria da tentativa de
desacreditar o sistema eleitoral brasileiro com questionamentos sem base
técnica, muitos fora do prazo legal.
O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, pediu em seguida ao TSE
que centralizasse as informações nele, e não no representante das Forças
Armadas na comissão. Uma demissão branca do general indicado por escolha do
Palácio do Planalto, que não aceitara a sugestão dos técnicos do TSE de colocar
um almirante especialista em tecnologia da informação que já tinha contato com
os ministros.
O fato de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ter
determinado a unificação dos inquéritos das notícias falsas sobre as urnas
eletrônicas e das milícias digitais é um sinal forte de que as investigações
até agora reuniram indícios sobre a atuação dos dois grupos que chegam ao
Planalto.
Bolsonaro voltou a insistir ontem nas críticas às urnas eletrônicas e reagiu ao
que considerou uma ameaça, sem citar diretamente a decisão de Moraes. É uma
situação que todos pressentiam havia meses e que agora está oficializada. O
ataque às urnas eletrônicas faz parte de uma estratégia eleitoral a cada dia
mais evidente.
O presidente levou, em sua comitiva para a feira agropecuária de Maringá, o
ministro da Defesa apenas para indicar que continua tendo o apoio das Forças
Armadas em sua cruzada. A inclusão das Forças Armadas na CTE deveu-se a uma
decisão anterior do TSE, que já as incluíra entre os órgãos fiscalizadores das
eleições. Não foi uma jogada política do ministro Luís Roberto Barroso, que
presidia o TSE. Nem uma novidade.
Em 2021, quando Bolsonaro passou meses atacando as urnas eletrônicas e o
sistema eleitoral, dizendo que havia fraude, que ele tinha ganhado no primeiro
turno em 2018, acendeu uma luz de advertência no TSE. Mas o governo perdeu a
votação do voto impresso no Congresso, e parecia que o problema estava
superado. Só que não.
No segundo semestre, o Datafolha revelou que quase 30% da população desconfiava
da urna. Bolsonaro conseguira quebrar uma confiança que ninguém questionava até
aquele momento. Barroso, que presidia o TSE, tomou duas providências: criou a
CTE e fez campanhas de esclarecimento a favor da credibilidade das urnas. No
começo deste ano, uma nova pesquisa do Datafolha constatou que 82% dos
brasileiros aprovavam as urnas eletrônicas, mostrando que a situação fora
revertida.
Mas a ação do representante das Forças Armadas na CTE começou a revelar que
Bolsonaro não desistira do plano de desacreditar as urnas eletrônicas. A
presença de um representante dos militares na comissão tinha explicações, uma
histórica: eles participaram da concepção das urnas. Mas existia também uma
razão contemporânea, pois eram considerados parceiros do TSE devido à
distribuição das urnas nos locais mais remotos do país.
Uma resolução do TSE de 2019 decidiu quais seriam as entidades fiscalizadoras
das eleições. Entre elas estavam incluídas as Forças Armadas, além de Polícia
Federal, Ministério Público e partidos políticos. Quando Barroso montou a CTE,
chamou universidades, órgãos da sociedade civil como a Transparência
Internacional e os já definidos pelo TSE como fiscalizadores das eleições. Quer
dizer, se quisessem, os militares já poderiam fiscalizar as eleições, mesmo que
não tivessem sido incluídos na comissão.
Barroso sugeriu nomes, que foram aceitos, entre os quais o senador Antonio
Anastasia pelo Senado, o ministro Benjamin Zymler pelo TCU. Para o Ministério
da Defesa, foi sugerido o nome de um almirante da área de tecnologia que já
interagira com o TSE anteriormente. O ministro Braga Netto mandou um general da
Inteligência. Barroso classifica como “uma vacina” o comentário, em palestra a
alunos brasileiros de uma universidade alemã, dizendo que os militares estavam
sendo orientados para desacreditar as urnas eletrônicas.
Em seguida, depois de o ministro da Defesa ter dito que ele cometera “uma
ofensa grave” às Forças Armadas e que o comentário era “irresponsável”, o
representante dos militares na comissão fez exatamente o que se temia. A crise
continua.
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