Editoriais
O presidente está nervoso
O Estado de S. Paulo
Estagnação nas pesquisas tirou Bolsonaro do
prumo. Seu discurso será cada vez mais ameaçador
A proximidade das eleições está mexendo com os nervos do presidente Jair Bolsonaro. A bem da verdade, sereno ele nunca foi. Mas, a julgar por sua postura ainda mais irascível nas últimas semanas, parece que a estagnação nas pesquisas de intenção de voto tirou Bolsonaro do prumo. Talvez não contasse com esse quadro a cinco meses da eleição.
No dia 16 passado, durante um evento
organizado pela Associação Paulista de Supermercados (Apas), em São Paulo, o
presidente voltou a ameaçar com uma sublevação caso seja derrotado nas urnas em
outubro. Aos berros, comparou o atual momento do País com aquele que antecedeu
o golpe militar de 1964. “Os que tentaram nos roubar em 64 tentam nos roubar
agora. Lá atrás, pelas armas. Hoje, pelas canetas”, afirmou o presidente à plateia
de empresários.
À luz da razão, essa fala de Bolsonaro não
tem pé nem cabeça. O Brasil de 2022 em absolutamente nada se aproxima do Brasil
de 1964. Nem o mundo é o mesmo. Das duas uma: ou a comparação provém de uma
mente perturbada, alheia à realidade, ou é pura tática eleitoral. Ainda que o
presidente de vez em quando pareça perturbado, é mais seguro apostar na segunda
opção.
Bolsonaro não está nervoso pelas razões que afligiriam qualquer presidente digno do cargo: a fome de milhões de seus concidadãos, o desemprego, a alta da inflação, a falta de perspectiva de futuro em áreas fundamentais, como economia, educação e meio ambiente. Bolsonaro tem medo de perder a eleição, é isso que tira o seu sono. O próprio presidente já projeta um futuro nada bom caso seja derrotado nas urnas: “Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso”. Ora, e quem disse que será? Acaso o presidente vê algum motivo para ser preso?
Decerto sentindo-se protegido por uma
espécie de imunidade tácita, haja vista que nem o Congresso nem a
Procuradoria-Geral da República (PGR) agiram como mandam as leis e a
Constituição para impor limites aos ataques de Bolsonaro contra o Estado
Democrático de Direito, o presidente tornou a mentir sobre as urnas eletrônicas
e afirmou que as eleições de 2022 serão “conturbadas” caso não sejam “limpas”.
Com essa retórica antidemocrática, Bolsonaro exerce uma espécie de “direito de
espernear” preventivo. Ao fim e ao cabo, valerá a palavra final do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) sobre o resultado das eleições.
Os rompantes de fúria, as ameaças de
baderna (material e institucional) e as mentiras sobre o sistema eleitoral são
previsíveis à luz da tática eleitoral de Bolsonaro, que pretende, assim,
inflamar sua base mais radical de apoiadores para manter, no mínimo, a chance
de chegar ao segundo turno. Mas não são menos graves por isso.
O que se tem é o presidente da República,
ninguém menos, anunciando diariamente – e há algum tempo – que não vai
reconhecer o resultado das eleições caso seja derrotado. A democracia, afinal,
prevalecerá, mas se até a eleição Bolsonaro não for contido por quem tem a
prerrogativa de fazê-lo, o País estará prestes a viver seus dias de maior
tensão institucional e social em muitas décadas. É tudo o que Bolsonaro
quer.
PEC 63 é uma ignomínia que precisa ser
repelida
O Globo
É uma ignomínia, não tem o menor cabimento, precisa ser esquecida ou, na pior das hipóteses, derrubada em todas as votações possíveis a Proposta de Emenda Constitucional 63 (PEC 63), que restabelece o privilégio descabido da promoção automática a cada cinco anos (quinquênio), com aumento salarial de 5%, a juízes e procuradores, as mais privilegiadas carreiras do serviço público.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), afirmou em entrevista ao programa “Roda viva” que restaurar a mamata,
abolida em 2005, é importante para compensar as “privações” por que passam os
integrantes do Judiciário e do Ministério Público (MP). Não se sabe em que
planeta vive Pacheco. Eis, aqui na Terra, algumas “privações” de juízes e
procuradores:
1) Judiciário e MP têm média salarial igual
ao dobro do Legislativo e ao triplo do Executivo, segundo estudo do Ipea. Em
2019, o salário médio era R$ 15.274 (patamar dos 2% mais ricos do Brasil), e só
7% recebiam menos de R$ 2.500;
2) Das dez maiores remunerações nas esferas
federal, municipal e estadual, nove estavam em cargos no Judiciário e no MP. “A
partir dos anos 1990, as remunerações do Judiciário assumem trajetória de
aumento bem superior aos demais Poderes”, afirma o estudo;
3) No Judiciário e no MP, proliferam privilégios
já extintos noutras áreas, como férias de 60 dias, promoções automáticas,
licenças-prêmio, aposentadorias compulsórias, auxílios moradia, refeição,
paletó e outras prebendas;
4) Em 24 estados, o vale-refeição de juízes superava o salário mínimo. Mais de 8 mil magistrados receberam remuneração igual ou superior a R$ 100 mil pelo menos uma vez desde 2017 (eles são um terço dos que recebem supersalários acima do teto constitucional);
Por desfrutar tais privilégios, cada juiz
custa aos cofres públicos mais de R$ 48 mil mensais, segundo o Conselho Nacional
de Justiça. O Brasil tem a Justiça mais cara do mundo, de acordo com estudo dos
pesquisadores Luciano Da Ros e Matthew Taylor. Judiciário e Ministério Público
consomem anualmente 1,8% do Produto Interno Bruto, 11 vezes o custo de
instituições similares na Espanha, dez vezes o da Argentina e nove vezes o dos
Estados Unidos.
O gasto absurdo infelizmente não implica
que a Justiça brasileira tenha produtividade dez vezes maior que a congênere
noutros países. Ao contrário, ela é conhecida pela lentidão, burocracia e
ineficiência. Qualquer gestor sabe que, em tais condições, um aumento
automático a cada cinco anos sem nenhum critério de mérito representa apenas a
perpetuação de um estado de coisas que deveria ser extinto.
Se Pacheco realmente estivesse preocupado
com a qualidade e o custo do serviço público, teria dado prioridade a uma ampla
reforma administrativa que trouxesse critérios de desempenho para a gestão do
Estado e incluísse todos os funcionários da ativa, especialmente integrantes do
Judiciário e do MP, acabando com todas as regalias indecentes a que têm
direito. Ou, no mínimo, levaria a votação a lei que restringe os supersalários
no setor público já aprovada na Câmara. Agora, quer condicioná-la à absurda PEC
63, que gravaria na Constituição privilégios inaceitáveis e traria ainda mais
distorções à gestão pública. Nem é preciso lembrar o impacto fiscal da
proposta, estimado em R$ 7,5 bilhões anuais. Ela é por si só um acinte que deve
despertar revolta em todo pagador de impostos. Precisa ser repelida com
energia.
Corte de verbas em ciência e tecnologia é
obstáculo ao desenvolvimento do país
O Globo
A asfixia a que a ciência do país vem sendo
submetida na última década é corroborada por um estudo do Observatório do
Conhecimento em parceria com a Frente Parlamentar Mista de Educação. De acordo
com o levantamento, revelado pelo GLOBO, em 2014 o país destinou R$ 27,8
bilhões a ensino superior, pesquisa e inovação. Se esse patamar tivesse sido
mantido até 2022, o Brasil teria investido cerca de R$ 100 bilhões a mais do que
efetivamente alocou no setor. Segundo o estudo, o orçamento
manteve trajetória decrescente nos últimos sete anos, período que abrange os
governos Dilma, Temer e Bolsonaro.
Não surpreende que o país enfrente uma fuga
de cérebros. O presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação, deputado
Professor Israel Batista (PSB-DF), estima em ao menos 3 mil os pesquisadores
que deixaram o Brasil apenas desde 2020.
Nos últimos três anos e meio, à sufocante
falta de verbas para o setor somou-se um clima hostil à ciência. Na pandemia, o
presidente Jair Bolsonaro desprezou as recomendações da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e foi buscar aconselhamento com negacionistas que questionavam a
eficácia das vacinas ou as medidas de prevenção como máscaras e distanciamento.
O Ministério da Saúde chegou ao cúmulo de emitir nota técnica afirmando que a
cloroquina era mais eficaz contra a doença que as vacinas, um absurdo.
Em que pesem a resiliência do SUS e a abnegação
dos profissionais de saúde, a emergência nacional expôs as fragilidades
brasileiras e a dependência externa no setor. Ao contrário de países de
projeção comparável como Índia, Rússia ou China, o Brasil foi incapaz de
desenvolver suas próprias vacinas a tempo. Mais uma prova do preço que pagamos
pela deficiência de conhecimento científico ou da capacidade de transformá-lo
em tecnologia, num mundo em que disso dependem tanto o êxito econômico quanto o
poder geopolítico.
Não há dúvida de que o Brasil tem
profissionais capacitados, muitos atuando em pesquisas bem-sucedidas no
exterior (caso do líder da equipe que identificou a variante Ômicron do
coronavírus na África do Sul, o brasileiro Túlio de Oliveira). Nossas
instituições de ponta, se tivessem o apoio necessário, poderiam ter feito mais.
O problema não é apenas o presente. A pesquisa básica também planta as sementes do futuro. É lamentável que o projeto do acelerador de partículas Sirius tenha sofrido corte de 71% em seu orçamento ou que a penúria orçamentária do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) tenha levado à interrupção da produção de medicamentos usados no tratamento do câncer. A História mostra que, sem investir pesado em educação, pesquisa, tecnologia e inovação, o Brasil não irá a lugar algum. Em vez disso, as prioridades orçamentárias têm sido a sanha insaciável dos parlamentares do Centrão por verbas públicas ou da elite do funcionalismo por manter privilégios. É essa a escolha que fazemos em prejuízo do nosso futuro.
Algazarra golpista
Folha de S. Paulo
Entidades devem lembrar Bolsonaro de que
não há margem para aventura autoritária
Não deve haver dúvidas sobre as inclinações
autoritárias do presidente Jair Bolsonaro (PL). Exibiu-as ao longo dos sete
mandatos como deputado federal e não tem feito questão de reprimi-las em mais
de três anos no Palácio do Planalto.
Se a ruptura do regime democrático
dependesse tão somente da sua vontade, o Brasil correria riscos ponderáveis de
recair na ditadura —e pelo método embrutecido e antiquado da quartelada.
Felizmente a institucionalidade nacional e
o contexto internacional interpuseram uma série de obstáculos robustos entre as
pulsões tirânicas, de um lado, e a realidade política, do outro. Contorná-los
não será tarefa fácil para ninguém.
Bolsonaro experimentou ele mesmo a
concretude do rochedo democrático quando foi obrigado a recuar da intentona
subversiva do Dia da Independência, no ano passado. Reforçou a partir de então
a sua aliança com o statu quo parlamentar na tentativa de elevar as suas
chances de reeleger-se.
O presidente logrou desse modo reverter uma
parcela da impopularidade e melhorar seu desempenho nas pesquisas de intenção
de voto, mas ainda não a ponto de tornar-se o favorito. O horizonte da economia
turvou-se pela inflação, o que costuma dificultar a reeleição de qualquer
governante.
Novamente acossado pelo espectro do
fracasso, Jair Bolsonaro recobrou a algazarra golpista. Instrumentaliza
militares em investidas contra a Justiça Eleitoral e insufla as audiências por
onde passa com ameaças difusas de tumultos e revoltas no segundo semestre.
Nesta segunda (16), o chefe de governo repetiu
as bravatas no seu estilo, aos berros e empregando termos chulos, num
evento de supermercadistas na capital paulista. As eleições, vociferou, poderão
ser conturbadas se não forem limpas.
Em
enquete proposta pela Folha,
partidos de oposição e independentes afirmaram haver risco de Bolsonaro tentar
um golpe contra o processo eleitoral. Autoridades e entidades tradicionais da
sociedade civil preferiram o silêncio diante das indagações da reportagem.
A campanha presidencial ter começado de
fato —de direito, apenas em agosto— talvez explique a cautela adotada por
representantes de organizações apartidárias e dos Poderes de Estado. Neste
pleito, no entanto, será preciso discernir com nitidez situações de ataque ao
regime que virão do presidente da República para reagir a elas.
Lembrar, em atos e palavras, ao mandatário
nostálgico de ditadores e torturadores que não há margem para aventuras
autoritárias no Brasil do século 21 integra o conjunto de obstáculos à tirania
que tornará inexorável, em caso de derrota nas urnas, a posse de seu sucessor
em 1º de janeiro de 2023.
Mais um massacre
Folha de S. Paulo
Se racismo em atentado nos EUA é possível,
acesso a armas é fator incontestável
No sábado (14), um jovem de 18 anos dirigiu
seu carro por cerca de 300 km até um supermercado localizado em Buffalo, no
estado americano de Nova York. Com um rifle semiautomático nas mãos, abriu fogo
contra pessoas que estavam dentro e fora do estabelecimento, matando dez e
ferindo três.
Embora
as motivações do massacre ainda estejam sob investigação, suspeita-se que
Payton Gendron tenha sido estimulado, em seu ato insano e abominável, por
teorias racistas conspiratórias que têm deixado as franjas do extremismo para
ganhar cada vez mais adeptos nos Estados Unidos.
Uma pesquisa recente da Associated Press
revelou que quase um terço da população norte-americana acredita em algum grau
que exista um esforço com fins eleitorais para substituir americanos nativos
por imigrantes —a tresloucada tese da "grande substituição".
Absurdos como esse, mas com negros cumprindo
o papel de imigrantes, abundam num longo texto que o atirador publicou na
internet pouco antes do massacre —perpetrado, sublinhe-se, num bairro
predominantemente negro e no qual 11 das 13 vítimas eram negras.
Se o ominoso extremismo de direita aparece
como provável motivação do atentado em Buffalo, é o acesso praticamente
irrestrito a armas, inclusive às de uso militar, que torna morticínios do tipo
tão comuns nos EUA. O tiroteio de sábado foi o 198º, somente neste ano, no qual
ao menos quatro pessoas foram mortas ou feridas, segundo a ONG Gun Violence
Archive.
O fato de Gendron ter sido submetido a uma
avaliação mental há pouco menos de um ano, em razão de uma ameaça de ataque
suicida feita quando era estudante, e ainda assim conseguir comprar legalmente
um rifle de altíssima letalidade exemplifica bem a permissividade da legislação
do país.
Calcula-se que existam em solo americano
cerca de 120 armas para cada 100 habitantes, fazendo dos EUA, de longe, o líder
mundial em número per capita.
Apesar do firme compromisso do presidente
Joe Biden com a reforma das leis sobre o tema, as principais iniciativas para
tornar mais restrito o acesso acabam barradas num Congresso em que o lobby
armamentista tem grande peso.
No Brasil, lamentavelmente, se dá o oposto, com Jair Bolsonaro (PL) utilizando todos os meios de que dispõe para enfraquecer o Estatuto do Desarmamento e expandir a circulação dos artefatos.
Os perdedores de sempre
O Estado de S. Paulo
Ruim para todos, a desocupação é maior entre negros, mulheres, menos educados e moradores de áreas menos desenvolvidas
Continuou feio o quadro do emprego, no
primeiro trimestre, com 11,9 milhões de pessoas desocupadas, grupo equivalente
a 11,1% da força de trabalho. Mas as condições permaneceram muito mais feias
para negros, mulheres, jovens, trabalhadores com menor escolaridade e
habitantes de regiões menos industrializadas. Pode-se encontrar no mercado de
trabalho uma síntese das desigualdades brasileiras, principalmente de raça, de
gênero, de educação e de desenvolvimento regional. O exame dessas desigualdades
poderia fundamentar planos, programas de governo e projetos econômicos e
sociais, mas nada disso se viu em Brasília no atual mandato presidencial.
Talvez algo parecido com planejamento surja nos próximos meses, durante a
campanha eleitoral, mas a discussão, até agora, ficou longe desse território.
O contraste mais notável é visível quando
se examina a relação entre desemprego e escolaridade. Estiveram desocupados no
primeiro trimestre 5,6% das pessoas com nível superior completo. Mais que o
dobro, 11,9%, foi o desemprego encontrado entre os trabalhadores com educação
superior incompleta. No caso daquelas com ensino médio incompleto, a
desocupação chegou a 18,3%, taxa muito superior à taxa média geral,
11,1%. Os
dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As pessoas menos educadas, como têm
apontado outras pesquisas, são também aquelas mais sujeitas à informalidade e
às piores condições de emprego e de remuneração. Um acesso mais amplo à
instrução, com melhor distribuição das oportunidades educacionais, mudaria as
possibilidades de trabalho de dezenas de milhares de pessoas e, ao mesmo tempo,
elevaria duplamente o potencial produtivo do fator trabalho, tornando-o mais
eficiente e qualificando-o para tarefas mais complexas. Ganhariam indivíduos,
famílias, empresas e, portanto, a economia nacional, se o País dispusesse de
uma política bem desenhada e bem executada de formação de recursos humanos ou,
como dizem alguns especialistas, de capital humano.
Formar capital humano é algo dificilmente
compatível, no entanto, com políticas já aplicadas no Brasil. Não se confunde
com a facilitação populista do acesso ao diploma nem com o moralismo hipócrita
combinado com tráfico de influência por pastores amigos da corte. O Brasil
dispõe de respeitados educadores, de estudiosos da economia da educação e de
experiências de sucesso em políticas estaduais. São preciosas fontes de ideias
para formulação de boas políticas educacionais.
Boas políticas nessa área serão combináveis
com ações para o enfrentamento de outros problemas, como as desigualdades
econômicas associadas a sexo e raça. Segundo a Pnad, a desocupação dos homens
foi de 9,1% no primeiro trimestre, enquanto a das mulheres atingiu 13,7%. Entre
os brancos, os desocupados foram 8,9%. Pretos e pardos ficaram bem acima da
média, com taxas de desemprego de 13,3% e 12,9%.
As desigualdades entre regiões e Estados
foram visíveis nas condições de emprego. Onze Estados do Nordeste e do Norte
ficaram no grupo das 14 unidades com desocupação acima da média geral de
janeiro a março. As outras duas foram o Rio de Janeiro e o Distrito Federal. As
maiores taxas foram apuradas na Bahia (17,6%), em Pernambuco (17%), no Rio de
Janeiro e em Sergipe (14,9% nos dois Estados). O menor desemprego, 4,5%, foi
registrado no Sul, em Santa Catarina. Na unidade mais industrializada, São
Paulo, a desocupação, 10,8%, foi pouco inferior à média nacional.
Foi estimada em 40,1% a taxa nacional de
informalidade, isto é, de ocupação sem registro oficial. Isso inclui o emprego
assalariado e a ocupação por conta própria. De novo, as maiores taxas foram
assinaladas no Norte e no Nordeste – 62,9% no Pará, 59,7% no Maranhão e 58,1%
no Amazonas. As menores foram apuradas em Santa Catarina (27,7%), no Distrito
Federal (30,3%) e em São Paulo (30,5%).
A melhora do quadro geral dependerá do
crescimento econômico, por enquanto muito moderado.
Liberdade irrestrita, só para os amigos
O Estado de S. Paulo
STF forma maioria para considerar inconstitucional o dossiê sobre opositores feito pelo governo Bolsonaro, aquele que diz defender a irrestrita liberdade de expressão
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal
(STF) se ergueu como a última linha de defesa da Constituição em face dos
reiterados ataques do presidente Jair Bolsonaro contra as liberdades
democráticas mais comezinhas, como as liberdades de expressão, reunião e
associação.
A Corte formou maioria para declarar
inconstitucional a elaboração de um dossiê pela Secretaria de Operações
Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça contendo informações pessoais e
profissionais de centenas de servidores públicos classificados pelos arapongas
da Seopi como opositores do atual governo e integrantes de “grupos
antifascistas”.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Dias
Toffoli, Rosa Weber, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Luís Roberto
Barroso e Gilmar Mendes acompanharam o voto da ministra relatora Cármen Lúcia,
que julgou procedente a ação proposta pela Rede em 2020 contra a medida
autoritária do Ministério da Justiça. À época, a pasta era chefiada por André
Mendonça, hoje um dos ministros do STF.
Como era de esperar, o ministro André
Mendonça se declarou impedido de analisar o caso. Quando ainda estava à frente
do Ministério da Justiça, ele chegou a negar, em termos atrevidos, as
explicações solicitadas pela ministra Cármen Lúcia a respeito da elaboração do
tal dossiê (ver editorial Resposta
inadmissível, publicado em 10/8/2020). Mendonça não votou, mas não foi
poupado do constrangimento de ver a maioria de seus novos colegas na Corte
referendar a correta decisão da ministra relatora. “O uso da máquina estatal
para a colheita de informações de servidores com postura política contrária ao
governo caracteriza desvio de finalidade e afronta aos direitos fundamentais de
livre manifestação do pensamento, de privacidade, reunião e associação”,
afirmou a ministra Cármen Lúcia em seu voto.
O único voto divergente foi o do ministro
Kassio Nunes Marques, que, assim como André Mendonça, chegou ao STF por
indicação de Bolsonaro. Nunes Marques entendeu que o governo não violou
qualquer direito constitucional ao preparar um index de opositores. Para ele, a
medida “ insere-se como poder da administração pública para utilizar do serviço
de inteligência de seus órgãos para prevenir que atos que potencialmente gerem
confusões, violência e tumultos não ocorram”. A posição do ministro Nunes
Marques reflete bem o espírito do bolsonarismo. Para o atual governo, liberdade
de expressão só vale para os aliados. Críticas e opiniões contrárias não estão
cobertas pelo manto democrático.
O caso é ainda mais escandaloso porque o
dossiê não foi elaborado por bisbilhoteiros de uma repartição qualquer da
“máquina estatal”, mas por servidores do Ministério da Justiça. Entre as
principais atribuições da pasta, se não a principal, está justamente a defesa
da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Vale
dizer, a produção de um dossiê contra quem se opõe ao governo é a antítese da
missão institucional do Ministério da Justiça.
Indexar opositores é ato típico de governos
autoritários, que usam toda a força do Estado para sufocar a livre manifestação
de cidadãos que têm opiniões contrárias aos interesses do governo de turno.
Isso era prática rotineira durante a ditadura militar (1964-1985), época
trevosa em que órgãos como o Destacamento de Operações de Informação-Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) se dedicavam dia e noite à perseguição
de cidadãos contrários ao regime.
É inadmissível, passadas mais de três
décadas de promulgação da “Constituição Cidadã”, que o Ministério da Justiça
faça esse tipo de levantamento. Com que propósito, afinal? Mapear possíveis
opositores de Bolsonaro a fim de intimidá-los, além de prejudicar o
desenvolvimento de suas carreiras? Seja o que for, não há espaço para ações desse
tipo em uma democracia.
Foi importante o STF declarar a
inconstitucionalidade do dossiê de “antifascistas” para conter os avanços
liberticidas de Bolsonaro. Em breve, os cidadãos também terão a oportunidade de
defender a democracia na medida de sua responsabilidade: por meio do
voto.
Sinais de avanço, mas com um alerta
O Estado de S. Paulo
Prévia do PIB mostra primeiro trimestre positivo, mas o impulso da recuperação pode estar acabando
Com um bom começo de ano, a economia
cresceu 1,5% no primeiro trimestre, superou por 2,4% a produção de um ano antes
e acumulou avanço de 4,9% em 12 meses, segundo o Monitor do PIB-FGV, a mais completa prévia
das contas oficiais. Se esses números forem confirmados, o País terá superado
no período anual até março o desempenho de 2021, quando o Produto Interno Bruto
(PIB) se expandiu 4,6%. Nos primeiros três meses deste ano a produção da
agropecuária foi 1,7% maior que a do trimestre final do ano passado. Pela mesma
comparação, a produção industrial cresceu 0,5% e a dos serviços aumentou 0,8%.
Com ganho de 5,7% em 12 meses, o setor de
serviços tem exibido uma firme recuperação, depois de ter sido severamente
afetado, até os primeiros meses de 2021, pelos efeitos da crise sanitária
iniciada em 2020. Por ter sido fortemente impactado, esse setor tem tido amplo
espaço para crescer e retomar o nível de atividade anterior à pandemia,
observou a coordenadora da pesquisa, a economista Juliana Trece. Mas esse
comentário positivo foi acompanhado de uma advertência: o impulso proporcionado
pela normalização das atividades está se esgotando e isso “liga um alerta para
a sustentabilidade do crescimento”.
Essa tendência de esgotamento está
incorporada nos cálculos de especialistas. Mesmo com algum aumento nas últimas
semanas, as projeções de expansão do PIB em 2022 ainda estão, na maior parte,
agrupadas em torno de 1%. Pouquíssimas se aproximam de 2%. Esse número aparece,
com maior frequência, nas expectativas para os anos seguintes e corresponde ao
potencial de crescimento estimado para o Brasil.
O potencial de expansão econômica depende,
no médio e no longo prazos, do investimento em capacidade produtiva. Isso
inclui investimento em fatores físicos, como máquinas, equipamentos, prédios e
infraestrutura. No Brasil, o valor investido nesses bens aumentou 2,8% no
primeiro trimestre e 12,6% em 12 meses, segundo o Monitor, mas ainda atingiu soma
equivalente a apenas 18,4% do PIB, pouco superior à média do período iniciado
em 2000. Essa média é muito inferior aos níveis observados em países emergentes
mais dinâmicos que o Brasil, frequentemente superiores a 25%.
Mas o potencial produtivo e, portanto, de
crescimento, depende também da aplicação de recursos em fatores intangíveis,
como educação, ciência e tecnologia. O balanço brasileiro, na formação desse
tipo de capital, é bem pior que o do investimento em fatores físicos e regrediu
a partir de 2019. Uma das marcas desse período foi o conflito do presidente
Jair Bolsonaro com a ciência, a educação e as artes. O desmonte do Ministério
da Educação, hoje dirigido pelo quinto titular em menos de quatro anos, foi uma
das façanhas do agora candidato à reeleição.
Condições mais propícias ao crescimento e à
modernização poderão resultar das próximas eleições. Mas o debate eleitoral,
até agora, tem sido muito insatisfatório para quem espera propostas de ajuste
econômico, de aumento da produção e de melhora de perspectivas
sociais.
Desaceleração da China desafia ambições de
Xi
Valor Econômico
Xi conta com o nacionalismo para angariar
apoio contra a ofensiva americana
O teste mais decisivo do enfrentamento da
covid-19 na China veio nos últimos meses, quando a pandemia parece contida nos
países desenvolvidos e em vários emergentes. O governo chinês atuou em escala
nunca vista - 300 milhões de pessoas em lockdown ou com sérias restrições de
mobilidade - com Xangai e seus 26 milhões de habitantes como símbolo da
política de tolerância zero do presidente Xi Jinping. O resultado é que a
economia esfria rapidamente, como era inevitável, e as mazelas chinesas
reduzirão o crescimento global, sem, no entanto, contribuir significativamente
para a redução da inflação, dada a interrupção massiva das cadeias de produção.
Quarenta e uma cidades afetadas pela
redução da mobilidade somavam 30% do PIB chinês. Xangai, maior porto do mundo,
e Shenzen, o quarto, tiveram redução drástica de movimento, assim como as milhares
de empresas em suas proximidades. Como no resto do mundo, o consumo foi o mais
atingido de imediato. O varejo recuou 3,5% em março e 11,1% em abril, mas os
choques foram severos também na oferta. A produção industrial recuou 2,9% (nos
12 meses encerrados em abril) e a produção de automóveis, 41%.
O combate implacável à pandemia agravou os
problemas do cambaleante setor imobiliário, em reestruturação depois do colapso
da Evergrande e da fragilidade financeira das grandes incorporadoras do país. A
construção de novos imóveis diminuiu 44% nos doze meses encerrados em abril. A
queda do volume de vendas de imóveis se aprofundou de 25,6% até março, em
relação ao mesmo período de 2021, para 32,2% nos primeiros quatro meses do ano.
As exportações cresceram menos, de 15% em março para 4% em abril.
A pandemia trouxe mais problemas terríveis
para Xi, que já havia apertado o cerco sobre o setor imobiliário e de
construção (quase um terço do PIB) e sobre as gigantes de tecnologia, em que
uma razia regulatória deu uma base técnica ao objetivo de reduzir o poder
político delas, que fora longe demais. O financiamento para as incorporadoras
nunca mais foi o mesmo, compreensivelmente, embora, caso queira relançar a
economia com rapidez, depois da paradeira dos lockdowns, algum estímulo deva
ser colocado em ação.
A pandemia colocou mais distante a
possibilidade de a China atingir a meta de 5,5% de crescimento no ano, a menor
em décadas. No segundo trimestre a expansão será menor que os 4,8% do primeiro
e as apostas dos analistas se deslocam para 4% no ano. Como o impulso econômico
chinês é de 20% do global, uma redução desta magnitude pode tirar ao redor de
0,3 ponto percentual do PIB global, se a situação não piorar.
O governo chinês, porém, parece inclinado a
repetir os estímulos de sempre, cada vez com menores resultados, de maiores
investimentos na infraestrutura e na construção imobiliária. Com o consumo em
queda, Pequim terá de ampliar a disponibilidade de crédito para os veículos de
financiamento dos governos locais, usados no setor imobiliário, que andam em
baixa. Até abril, movimentaram US$ 112 bilhões, 25% menos do que no mesmo
quadrimestre de 2021. É usar a mesma fórmula que levou à formação de bolhas de
crédito e imóveis, cujos riscos minam a capacidade de crescimento e que são
enfrentados com mais estímulos pelo governo.
Xi tentará este ano obter seu terceiro
mandato como presidente e líder máximo do Partido Comunista. Há espaço para
surpresa, embora pequeno. A insatisfação massiva com a forma truculenta com que
os lockdowns foram executados e os protestos decorrentes se espalharam pelo
país. Não se conhece dissensão no PCC, mas Xi usa a campanha contra covid como
dogma e prova de lealdade. Um crescimento muito abaixo da meta será um sinal
claro de revés.
A quebra da direção colegiada, que vinha
colecionando sucessos econômicos desde Deng Xiaoping por mais de três décadas -
e permitia correção de rumos sem desonras pessoais, está dando lugar à suposta
infalibilidade do líder supremo, agora posta à prova em vários campos da vida
nacional. Xi conta com o nacionalismo para angariar apoio contra a ofensiva
americana. O “inimigo externo” serve também para apertar o controle ideológico
do partido, o que por outro lado, aumenta o número de insatisfeitos nos
escalões da hierarquia estatal. Xi pode obter o terceiro mandato que, então, se
desdobrará em vários outros.
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