quarta-feira, 18 de maio de 2022

Fernando Exman: Duas questões de honra para os militares

Valor Econômico

Ataques de Bolsonaro não têm apoio entre oficiais da ativa

São duas as principais preocupações dos militares com os efeitos colaterais negativos de sua participação na Comissão de Transparência das Eleições (CTE). A primeira é que fique cristalizada a versão segundo a qual eles não foram colaborativos com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em segundo lugar, que tentem pintá-los como tecnicamente incapazes.

Virou uma questão de honra. E é sob essa ótica que pode ser relida a polêmica nota emitida pelo ministro da Defesa e ex-comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, logo depois da questionável declaração do ministro Luís Roberto Barroso de que as Forças Armadas “estão sendo orientadas a atacar o processo” eleitoral brasileiro e “tentar desacreditá-lo”.

Ex-presidente do TSE, Barroso não citou o presidente Jair Bolsonaro. Mas era ele o sujeito oculto da frase proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Como era de se esperar, as reações foram imediatas. E a mais impactante foi justamente a nota divulgada pelo ministro da Defesa, a qual, na prática, marcou a sua passagem de comando de uma instituição de Estado para uma outra de governo.

O general livrou-se das amarras institucionais do Exército e agora, de terno e gravata, reposicionou-se como agente político. Ainda assim, não se afastou da responsabilidade de ser o porta-voz na defesa do Exército, Marinha e Aeronáutica. “Afirmar que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral, ainda mais sem a apresentação de qualquer prova ou evidência de quem orientou ou como isso aconteceu, é irresponsável e constitui-se em ofensa grave a essas Instituições Nacionais Permanentes do Estado Brasileiro. Além disso, afeta a ética, a harmonia e o respeito entre as instituições”, pontuou na nota.

O parágrafo seguinte acabou ficando em segundo plano. Diante da crise instalada, algo até compreensível. Mas, é válido resgatá-lo: nele se vê que o ministro fez questão de ressaltar o fato de as Forças terem atendido, de forma republicana, o convite do TSE. “Apresentaram propostas colaborativas, plausíveis e exequíveis”, além de haverem sido “calcadas em acurado estudo técnico realizado por uma equipe de especialistas”, acrescentou ele.

É o que argumentam, também, os oficiais da ativa. Em conversas reservadas, eles dizem que o seu representante na Comissão de Transparência Eleitoral, general Heber Garcia Portella, não foi indicado por supostamente ter proximidade com o ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, provável vice de Bolsonaro na campanha à reeleição. Mas, isso sim, por estar à frente do Comando de Defesa Cibernética - setor estratégico e fundamental para a defesa nacional. Sua equipe é formada por cerca de 70 especialistas do Centro de Análises de Sistemas Navais (Casnav), do Instituto Militar de Engenharia (IME), do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), peritos em estatística e em tecnologia de informação.

As fontes acrescentam: esses profissionais estavam a postos para participar de uma série de reuniões técnicas preparatórias da Comissão de Transparência das Eleições, mas esses encontros não acabaram acontecendo. Foi por isso, sustentam, que as Forças Armadas enviaram dezenas de perguntas preliminares. Primeiro, era preciso tentar compreender detalhadamente como funciona o sistema eleitoral. Tais questionamentos não teriam o objetivo de emular as críticas feitas por Bolsonaro, sempre sem apresentar provas.

Ainda de acordo com as fontes, nesta etapa foram feitos pedidos de informação, sem juízo de valor. A ideia era usar as respostas para embasar novos questionamentos ou proposições. A forma como eles foram difundidos, entretanto, deram a impressão de que as perguntas eram básicas demais.

Na sequência, acrescentam oficiais, os questionamentos mais elaborados continham preâmbulos que citavam as informações obtidas anteriormente. Ou seja, havia uma fundamentação. Contudo, essas introduções tampouco tiveram conhecimento público.

Além disso, há queixas em relação ao tom das respostas recebidas do TSE. Como exemplo, citam o comentário feito após a sugestão de aumentar o nível de confiança do teste de integridade das urnas: a equipe técnica da Corte afirmou que as Forças Armadas “confundem conceitos” e adotaram parâmetros diferentes para chegar a um número inferior ao da Justiça Eleitoral. Segundo militares, contudo, os parâmetros utilizados estavam contidos em dados fornecidos pelo tribunal. Um ruído que poderia ter sido evitado.

Interlocutores da caserna sustentam que em momento algum as proposições continham prazos de implementação. Em outras palavras, estariam desvinculadas do pleito de outubro. E nunca se falou em “sala secreta” de apuração de votos, “fake news” repetida amiúde por Bolsonaro e já desmentida pelo TSE.

Em meio à crise, militares chegaram a sinalizar a intenção de deixar a comissão. Argumentaram a colegas que a missão estava cumprida.

Em outro lance, o ministro da Defesa chegou a pedir ao TSE que passassem a comunicá-lo diretamente sobre os próximos passos do colegiado. Porém, para sinalizar que estavam dispostas a manter o diálogo institucional de alto nível com a Justiça Eleitoral, as Forças decidiram continuar a enviar seus representantes para as reuniões do grupo.

Convidá-las para a comissão foi um erro. Elas não pleiteavam a missão, mas era tudo o que Bolsonaro queria. E a iniciativa também deu discurso às alas da oposição que sempre as criticaram.

Concluído o trabalho na comissão de transparência, elas continuarão a planejar sua contribuição para a segurança e a logística das eleições. Exatamente como tem ocorrido nos últimos pleitos.

Enquanto isso, tudo indica que o presidente continuará tentando colar sua imagem à do Exército. Até agora, contudo, o chefe supremo das Forças Armadas não conseguiu ver nenhum oficial da ativa repetir suas mensagens políticas em público. Pelo contrário: todas as declarações vão na direção do respeito ao resultado das eleições e preocupação com o esgarçamento das relações sociais de um país divido.

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