Valor Econômico
Ataques de Bolsonaro não têm apoio entre
oficiais da ativa
São duas as principais preocupações dos
militares com os efeitos colaterais negativos de sua participação na Comissão
de Transparência das Eleições (CTE). A primeira é que fique cristalizada a
versão segundo a qual eles não foram colaborativos com o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Em segundo lugar, que tentem pintá-los como tecnicamente
incapazes.
Virou uma questão de honra. E é sob essa
ótica que pode ser relida a polêmica nota emitida pelo ministro da Defesa e
ex-comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, logo depois da questionável
declaração do ministro Luís Roberto Barroso de que as Forças Armadas “estão
sendo orientadas a atacar o processo” eleitoral brasileiro e “tentar
desacreditá-lo”.
Ex-presidente do TSE, Barroso não citou o
presidente Jair Bolsonaro. Mas era ele o sujeito oculto da frase proferida pelo
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Como era de se esperar, as reações foram
imediatas. E a mais impactante foi justamente a nota divulgada pelo ministro da
Defesa, a qual, na prática, marcou a sua passagem de comando de uma instituição
de Estado para uma outra de governo.
O general livrou-se das amarras institucionais do Exército e agora, de terno e gravata, reposicionou-se como agente político. Ainda assim, não se afastou da responsabilidade de ser o porta-voz na defesa do Exército, Marinha e Aeronáutica. “Afirmar que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral, ainda mais sem a apresentação de qualquer prova ou evidência de quem orientou ou como isso aconteceu, é irresponsável e constitui-se em ofensa grave a essas Instituições Nacionais Permanentes do Estado Brasileiro. Além disso, afeta a ética, a harmonia e o respeito entre as instituições”, pontuou na nota.
O parágrafo seguinte acabou ficando em
segundo plano. Diante da crise instalada, algo até compreensível. Mas, é válido
resgatá-lo: nele se vê que o ministro fez questão de ressaltar o fato de as
Forças terem atendido, de forma republicana, o convite do TSE. “Apresentaram propostas
colaborativas, plausíveis e exequíveis”, além de haverem sido “calcadas em
acurado estudo técnico realizado por uma equipe de especialistas”, acrescentou
ele.
É o que argumentam, também, os oficiais da
ativa. Em conversas reservadas, eles dizem que o seu representante na Comissão
de Transparência Eleitoral, general Heber Garcia Portella, não foi indicado por
supostamente ter proximidade com o ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto,
provável vice de Bolsonaro na campanha à reeleição. Mas, isso sim, por estar à
frente do Comando de Defesa Cibernética - setor estratégico e fundamental para
a defesa nacional. Sua equipe é formada por cerca de 70 especialistas do Centro
de Análises de Sistemas Navais (Casnav), do Instituto Militar de Engenharia
(IME), do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), peritos em estatística e
em tecnologia de informação.
As fontes acrescentam: esses profissionais
estavam a postos para participar de uma série de reuniões técnicas
preparatórias da Comissão de Transparência das Eleições, mas esses encontros
não acabaram acontecendo. Foi por isso, sustentam, que as Forças Armadas
enviaram dezenas de perguntas preliminares. Primeiro, era preciso tentar
compreender detalhadamente como funciona o sistema eleitoral. Tais questionamentos
não teriam o objetivo de emular as críticas feitas por Bolsonaro, sempre sem
apresentar provas.
Ainda de acordo com as fontes, nesta etapa
foram feitos pedidos de informação, sem juízo de valor. A ideia era usar as
respostas para embasar novos questionamentos ou proposições. A forma como eles
foram difundidos, entretanto, deram a impressão de que as perguntas eram
básicas demais.
Na sequência, acrescentam oficiais, os
questionamentos mais elaborados continham preâmbulos que citavam as informações
obtidas anteriormente. Ou seja, havia uma fundamentação. Contudo, essas
introduções tampouco tiveram conhecimento público.
Além disso, há queixas em relação ao tom
das respostas recebidas do TSE. Como exemplo, citam o comentário feito após a
sugestão de aumentar o nível de confiança do teste de integridade das urnas: a
equipe técnica da Corte afirmou que as Forças Armadas “confundem conceitos” e
adotaram parâmetros diferentes para chegar a um número inferior ao da Justiça
Eleitoral. Segundo militares, contudo, os parâmetros utilizados estavam
contidos em dados fornecidos pelo tribunal. Um ruído que poderia ter sido
evitado.
Interlocutores da caserna sustentam que em
momento algum as proposições continham prazos de implementação. Em outras
palavras, estariam desvinculadas do pleito de outubro. E nunca se falou em
“sala secreta” de apuração de votos, “fake news” repetida amiúde por Bolsonaro
e já desmentida pelo TSE.
Em meio à crise, militares chegaram a
sinalizar a intenção de deixar a comissão. Argumentaram a colegas que a missão
estava cumprida.
Em outro lance, o ministro da Defesa chegou
a pedir ao TSE que passassem a comunicá-lo diretamente sobre os próximos passos
do colegiado. Porém, para sinalizar que estavam dispostas a manter o diálogo
institucional de alto nível com a Justiça Eleitoral, as Forças decidiram
continuar a enviar seus representantes para as reuniões do grupo.
Convidá-las para a comissão foi um erro.
Elas não pleiteavam a missão, mas era tudo o que Bolsonaro queria. E a
iniciativa também deu discurso às alas da oposição que sempre as criticaram.
Concluído o trabalho na comissão de
transparência, elas continuarão a planejar sua contribuição para a segurança e
a logística das eleições. Exatamente como tem ocorrido nos últimos pleitos.
Enquanto isso, tudo indica que o presidente
continuará tentando colar sua imagem à do Exército. Até agora, contudo, o chefe
supremo das Forças Armadas não conseguiu ver nenhum oficial da ativa repetir
suas mensagens políticas em público. Pelo contrário: todas as declarações vão
na direção do respeito ao resultado das eleições e preocupação com o
esgarçamento das relações sociais de um país divido.
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