quarta-feira, 18 de maio de 2022

Vinicius Torres Freire: O tabelamento eleitoral da gasolina

Folha de S. Paulo

Preço do trigo dá um salto, governo quer fixar preço de combustíveis por três meses

O governo de Jair Bolsonaro quer que a Petrobras reajuste seus preços apenas a cada três meses, ouve-se no Planalto. Com vai fazer isso, não foi possível descobrir. Mas "é preciso fazer alguma coisa, já", dizem os palacianos.

Ninguém explica como vão intervir na petroleira. Há boatos de demissão da diretoria, o que é quase impossível de confirmar, até porque essas decisões são resultado de faniquitos de Bolsonaro. Mas a intervenção teria de ir muito além da troca do comando.

Não se explica também qual será o método desse controle de preços. A cada trimestre, a Petrobras faria um reajuste segundo qual critério? O preço do trimestre compensaria perdas (ou ganhos) dos meses passados, caso a empresa tivesse cobrado menos (ou mais) do que o preço internacional? O preço novo seria meramente o preço internacional da data do reajuste?

Se o preço internacional aumentar e a Petrobras cobrar abaixo dessa "paridade", como ficam os importadores de diesel? Tendem a deixar de importar. Pode faltar diesel. O governo vai obrigar a Petrobras a importar diesel e vendê-lo no mercado a um preço abaixo do custo?

Governos pelo mundo afora procuram dar um jeito de atenuar os efeitos da inflação. Na Europa, por exemplo, dão uma espécie auxílio-energia a fim de compensar a alta tremenda do custo da energia.

No final da semana passada, a Índia disse que vai controlar a exportação de trigo. A inflação por lá também subiu (6,95% ano, até março); a taxa básica de juros aumentou pela primeira vez desde 2018. Carestia de pão, óleo e cebolas podem causar revolta. Os indianos dizem ainda que vão reservar exportações para países mais vulneráveis.

A Índia é um dos grandes produtores mundiais. Vinha compensando, em parte menor, a carestia causada pela guerra (Ucrânia e Rússia tinha cerca de 30% do mercado mundial de exportação de trigo).

O preço do trigo, claro, deu um salto, alta de uns 18% em uma semana (preço futuro de um mês, em Chicago). Para piorar, o Departamento ("ministério") de Agricultura dos Estados Unidos estimou na semana passada que o estoque mundial do produto vai chegar ao nível mais baixo em meia dúzia de anos e que a produção do trigo vai cair pela primeira vez em quatro anos.

Recentemente, a cotação de várias commodities deu uma acalmada, embora ainda flutuando na estratosfera. Mas há outras complicações no mercado.

Além do problema do trigo, há escassez de diesel, que vem ficando bem mais caro do que o petróleo. Agora, o preço da gasolina também voltou a salgar ainda mais (trata-se aqui dos preços de combustíveis no mercado que é referência para a Petrobras, nos EUA). Pela política da paridade internacional, a petroleira já deveria estar estudando pelo menos um reajuste da gasolina.

E daí? O que têm a ver trigo, Índia, reajuste da Petrobras? Obviamente, trata-se de inflação. Em maio, o IPCA do mês deve ser menos altinho, dada a contribuição da energia elétrica (caiu a bandeira tarifária mais cara). O dólar, apesar dos faniquitos recentes, custa menos do que no início do ano.

Mas faltam trigo e diesel. Se a situação da Covid na China der um refresco, é possível que o barril do petróleo também volte a subir (da casa dos US$ 110 para US$ 120).

No mundo do poder, fala-se menos do preço da comida do que de diesel e gasolina, que afetam eleitorados mais vocais. Mas a raiva meio muda vai continuar fervendo por causa de carestias diversas. O governo Bolsonaro, sem política para coisa alguma, "vai fazer alguma coisa", nem que seja para salvar um par de pontos nas pesquisas eleitorais. É mais rolo, mas não uma solução.

Nenhum comentário: