quarta-feira, 18 de maio de 2022

Bernardo Mello Franco: Divergentes e antagônicos

O Globo

Paulo Freire morreu há 25 anos, mas continua bem vivo no debate político. Ao lançar sua candidatura ao Planalto, o ex-presidente Lula citou uma lição do educador: “É preciso unir os divergentes para melhor enfrentar os antagônicos”.

O petista recorreu à frase para justificar a aliança com Geraldo Alckmin. Os dois passaram décadas como adversários políticos. Agora resolveram se unir contra o projeto autoritário de Jair Bolsonaro.

O dicionário Houaiss define os divergentes como aqueles que têm opiniões ou pontos de vista diferentes. Os antagônicos são contrários. Incompatíveis.

Na política, forças divergentes podem se aliar em nome de valores comuns. Aconteceu nas Diretas Já, quando rivais históricos subiram no mesmo palanque em defesa da democracia. Eram antagonistas da ditadura militar, o regime dos sonhos do capitão.

Um dos primeiros atos do golpe de 1964 foi extinguir o Programa Nacional de Alfabetização, idealizado por Freire. Tachado de subversivo, o educador teve que partir para o exílio. Refugiou-se no Chile, onde acompanhou o processo de radicalização política que desembocaria na derrubada de Salvador Allende.

Anos mais tarde, o educador concluiu que a divisão dos democratas contribuiu para os golpes no Brasil e no Chile. No livro “Pedagogia da esperança”, ele escreveu que só a busca da “unidade na diversidade das forças progressistas”, sem sectarismo, poderia fazer frente “ao poder e à virulência” dos autocratas.

Alckmin não citou Freire, mas mostrou afinidade com suas ideias. Na estreia como vice de Lula, defendeu a superação de divergências para barrar a reeleição de Bolsonaro. “Acima das disputas, algo mais urgente e relevante se impõe: a defesa da própria democracia”, discursou.

O educador não sai da cabeça do capitão. Na campanha, ele prometeu invadir o MEC com um lança-chamas para “tirar o Paulo Freire lá de dentro”. No governo, aproveita todas as oportunidades para enxovalhar sua memória.

Em fevereiro, Bolsonaro extinguiu a Medalha Paulo Freire, que premiava pessoas e instituições empenhadas na luta contra o analfabetismo. O decreto foi assinado pelo presidente e pelo então ministro Milton Ribeiro. O pastor cairia no mês seguinte, em meio a um escândalo de corrupção e tráfico de influência.

 

 

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