Correio Braziliense
Mais uma vez, a comunidade interessada em
educação luta por uma causa correta, mas insuficiente: impedir o fim da
gratuidade no ensino superior, e não para que toda criança tenha gratuidade nas
escolas de qualidade. Para que os 800 mil alunos das universidades federais não
paguem, não para que os 50 milhões de crianças em idade escolar concluam o
ensino médio com qualidade, em escolas gratuitas. Aceita-se que isso seja
privilégio dos que podem pagar mensalidades elevadas, ou em raras boas escolas
públicas, em geral federais.
O debate é se a universidade estatal deve ser pública, não se as escolas de qualidade também devam ser todas públicas. Aceita-se que as boas escolas de educação de base sejam pagas, e que a escola seja desigual, conforme a renda da família da criança. Não se aceita que haja universidade de qualidade paga para os ricos e universidade sem qualidade gratuita para os pobres, mas isso é aceito para a educação de base. Nem ao menos se pergunta "por que cobrar para que crianças tenham acesso às melhores escolas?" Ainda menos "porque haver gratuidade no ensino superior de qualidade, sem direito à gratuidade no ensino fundamental e no ensino médio com qualidade".
Felizmente, há resistências contra a
proposta retrógrada de terminar com a gratuidade das universidades, porque seus
alunos vão construir o Brasil, mas é lamentável que não se lute pela garantia
de escola pública de qualidade para todos. A gratuidade é defendida apenas para
depois de o aluno passar no vestibular, sabendo-se que essa seleção excluiu,
antes mesmo de ser feita, milhões que foram sendo deixados para trás, antes do
final do ensino médio, com razoável qualidade.
Os que ficaram fora da educação de base com
qualidade, porque elas são pagas, não se beneficiarão da gratuidade nas
universidades estatais. Porque não concluíram o ensino médio com qualidade. Não
tiveram acesso às escolas com qualidade, pagas e caras; por isso, não
conseguirão estudar em algum dos cursos mais demandados das boas universidades
estatais. Se conseguem, dificilmente concluirão esses cursos, por falta de
base. Alguns reacionários usam essa realidade como argumento para acabar com a
gratuidade nas universidades estatais, fazer a educação de qualidade ser paga
do ensino fundamental ao superior; enquanto que outros reacionários defendem a
gratuidade para quem chega ao ensino superior, mas mantendo pagas as escolas de
qualidade ao longo da educação de base.
Da base ao ensino superior, a educação é a
fábrica do futuro do país. A nação que desejar ter progresso econômico e social
não pode desperdiçar o potencial de nenhum de seus cérebros, não
pode, por isso, permitir que o talento de qualquer deles seja
inibido por não poder pagar uma escola com máxima qualidade. O Brasil teria
perdido milhões de grandes jogadores de futebol se limitasse o acesso à bola
apenas aos meninos cujos pais pudessem pagar caro para jogar; ou se aceitasse
bolas redondas para alguns e quadradas para outros. É isso que fazemos com o
conhecimento.
O Brasil precisa garantir a mesma qualidade
em todas as nossas escolas, e assegurar acesso a elas, independentemente da renda
e do endereço de cada criança. Sem isso, a gratuidade das universidades fica
insuficiente, ineficiente e injusta. Além da injustiça do tratamento
diferenciado entre educação de base e ensino superior, a gratuidade pode trazer
ineficiência, dependendo do propósito a que serve o curso. Toda gratuidade é
paga por alguém: seja o aluno, seja o público.
À Justiça, exige perguntar-se quem financia
e quem se beneficia. A formação de base da população é uma necessidade da
sociedade, por isso, é justo que seja paga pelo poder público. Na universidade
há cursos que atendem às necessidades da sociedade e do país e cursos que
servem apenas à ascensão pessoal do aluno. Os primeiros cursos justificam serem
pagos pela sociedade, mesmo se os alunos vêm de classes privilegiadas, os
outros cursos não justificam, mesmo que os alunos venham de classes com baixa
renda. A universidade pública deve ser gratuita para os alunos, quando ela for
pública nos propósitos de seus cursos. A escola de base deve ser gratuita
sempre, porque seu produto é social. Apesar disso, a luta atual está sendo pela
gratuidade do ensino superior para todos e não pela gratuidade da educação de
base para todos.
*Professor emérito da UnB e membro da
Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
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