Valor Econômico
“Índice da miséria” indica reeleição
difícil de Bolsonaro
Mesmo quem não mora em São Paulo certamente
já ouviu falar do Minhocão. É uma via elevada expressa que liga as zonas leste
e oeste da capital paulista. Seu nome oficial, Elevado Presidente João Goulart,
foi adotado em 2016. Desde sua inauguração, em 1971, pelo então prefeito Paulo
Maluf, chamava-se Elevado Presidente Costa e Silva.
Muita gente defende a demolição desse
monstrengo que atravessa o centro da cidade ou sua transformação em jardim
suspenso, algo polêmico. Mas não é disso que se pretende tratar aqui, e sim dos
sinais emitidos em cima e embaixo do elevado.
Fechado para veículos nos fins de semana, o
Minhocão abre quatro pistas bem agradáveis para ciclistas e pedestres em seus
3,5 km. Um desses ciclistas, dias atrás, caiu em um buraco no elevado e, irritado,
resolveu fotografar e contar os rombos nas pistas: achou 11, alguns deles
capazes de estourar pneus de carros e provocar acidentes.
O cenário mais assustador, porém, está embaixo do Minhocão, um longo espaço coberto e sempre aberto a centenas de moradores de rua. Com barracas ou cabanas, neste maio gelado, famílias inteiras de sem-teto proporcionaram ali um “espetáculo” desolador.
Se este texto fosse para um documentário, o
roteirista cortaria agora para uma entrevista do prefeito de São Paulo, Ricardo
Nunes (MDB). Ao completar um ano de gestão - assumiu após a morte de Bruno
Covas -, Nunes anuncia que a prefeitura tem em caixa R$ 30 bilhões, sendo R$
18,9 bilhões livres, disponíveis para gasto em qualquer área.
Não há aqui intenção de criticar o prefeito.
Qualquer cidadão, porém, pode constatar as condições da cidade: buracos, ruas
abandonadas na periferia, calçadas intransitáveis, faixas de pedestres
apagadas, mato e, mais importante, o triste “espetáculo” de milhares de
moradores de rua. Há 1,4 milhão de paulistanos em situação de pobreza extrema.
Na verdade, São Paulo é uma amostra do que
se passa no país: tristes cenários urbanos, deslizamentos de morros em
sequência, com mortes, e superávits orçamentários. Nessas condições, como podem
gestores públicos, sentados em montanhas de dinheiro, dormir à noite? Dormem,
talvez, porque em geral são vítimas de duas armadilhas: uma, a falta de
experiência na gestão pública; outra, o equivocado viés ideológico fiscalista
pelo qual é preciso equilibrar as contas públicas ou obter superávits em todas
as situações.
Durante a pandemia, gestores públicos em
todo o mundo vêm expandindo gastos para atender às necessidades sanitárias da
população e conter a recessão. Foi obviamente dominante a política anticíclica,
pela qual os governos gastam mais em momentos de contração e cortam despesas
quando se dá a expansão.
Certamente, gestores estaduais e municipais
precisam pagar dívidas e cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sabem também
que parte do aumento da receita se deve à elevação da inflação. E devem avaliar
a possível perda de recursos - estima-se em até R$ 83 bilhões - se o Congresso
aprovar o teto de ICMS sobre combustíveis e outros setores essenciais. Apesar
disso, há também a responsabilidade social, que não recomenda a acumulação
bilionária de caixa em tempos tão assustadores.
Aqui o roteirista do eventual documentário
faria outro corte para apresentar os números da excelente situação fiscal de
Estados e municípios. Em 2021, em plena crise sanitária, tiveram superávit de
R$ 43,4 bilhões. Neste ano, no primeiro trimestre, o saldo já alcançava R$
53,85 bilhões - só em março, R$ 18,8 bilhões, o maior para o mês em 30 anos. No
fim do primeiro bimestre, publicou “O Globo”, tinham em caixa R$ 505 bilhões.
Essa exuberância fiscal começou com
repasses da União para o combate à covid-19. Depois, a inflação elevou as
receitas enquanto as despesas eram contidas.
Dada a situação da economia, estagnada,
seria o caso de inverter a famosa frase de Tancredo Neves, que ele pronunciaria
em 15 de março de 1985 se tivesse tomado posse: “É proibido não gastar”.
Não se trata de propagar irresponsabilidade
fiscal. Trata-se de alertar Estados e municípios sobre a sua responsabilidade
na adoção de medidas anticíclicas em momento de contração econômica, miséria,
desemprego e fome. O óbvio caminho para esses bilhões acumulados seriam
investimentos que criam empregos, desde obras para tapar buracos como os do
Minhocão até ações para dar ocupação e moradia a milhares de pessoas que vivem
embaixo de elevados e viadutos. Superávits não são troféus para exibição como
se fossem lucros de empresas privadas. E podem até caracterizar incompetência.
Tarefa difícil
Mudando de assunto, mas nem tanto, vai,
abaixo, um gráfico revelador. Foi produzido pelo economista Adalmir Marquetti,
da PUC-RS, “só por curiosidade”, somando taxas de inflação e desemprego durante
os últimos governos, de FHC a Bolsonaro.
A linha gráfica revela que “a reeleição de Bolsonaro é uma tarefa difícil”, diz Marquetti. Presidentes que elevaram esse “índice da miséria” não tiveram sucesso eleitoral nem apoio no Congresso. É o que se vê no gráfico, que dispensa comentários, inspirado no “misery index”, criado pelo economista Arthur Okun (1928-1980), na década de 1970, nos EUA.
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