Valor Econômico
Bolsonaro vê empresa como rival na
pré-campanha
Foi no município de Candeias, a 50
quilômetros de Salvador, que o então presidente Getúlio Vargas pronunciou-se
sobre a criação da Petrobras.
Era 23 de junho de 1952, e o Congresso
ainda discutia o projeto enviado pelo Executivo meses antes. Vargas enfrentava
questionamentos em relação ao caráter nacionalista da proposta, que acabou por
ser sancionada apenas no fim do ano seguinte: mais especificamente, no dia 3 de
outubro de 1953. A Petrobras completará 69 anos um dia depois do primeiro turno
de uma eleição que pode ser determinante para o seu futuro.
Naquele discurso de 1952, Vargas aproveitou
uma visita à região produtora de petróleo do recôncavo baiano para explicar o
modelo escolhido para a empresa.
Primeiro, relembrou que fora na Bahia anos
antes, em 1939, que pela primeira vez jorrou petróleo no Brasil. O feito
ocorreu depois de inúmeras sondagens, mas a produção dele resultante era apenas
suficiente para atender a uma pequena parcela da demanda local. As reservas
baianas chegaram a produzir 5 mil barris por dia no fim de 1951.
“Com essa produção, ainda estamos muito longe de atender às necessidades do país, que consome, em média, 130 mil barris diários, prevendo-se que, em 1953, esse consumo atingirá 170 mil”, completou Vargas, que dificilmente poderia imaginar que aproximadamente 70 anos depois o Brasil produziria 2,9 milhões de barris de petróleo por dia.
Ele já planejava intensificar as pesquisas
na “Amazônia, em outros Estados do Norte e na bacia do Paraná”. No mesmo dia,
sinalizou a conclusão da primeira refinaria do país, na Baixada Santista, e
novos investimentos em pesquisa e exploração.
Para tanto, explicou, seria necessária a
criação de uma empresa para dar unidade e eficiência às ações nesta área.
Somado a isso, defendeu a instituição de novas fontes de receita por meio da
tributação das atividades do setor.
“O projeto de incorporação da Petróleo
Brasileiro Sociedade Anônima, ou, mais simplesmente, Petrobras, visa captar,
para o desenvolvimento da indústria brasileira do petróleo, as fontes de
receita de que necessita e a centralização de iniciativas que lhe é
indispensável”, afirmou. Parte desse dinheiro seria paga pelos proprietários de
automóveis.
Na sua visão, a proposta em tramitação
garantia o controle do Estado em um setor estratégico sem prejudicar a
liberdade de ação industrial e comercial de uma empresa que precisaria ter
“bastante flexibilidade, dinamismo, autonomia de ação e máxima capacidade de
expansão industrial”. “A Petrobras será, na verdade, o próprio governo agindo
no campo da indústria petrolífera, tal como já o faz na indústria do aço,
através da Companhia Siderúrgica Nacional. E isto sem prejuízo do concurso do
capital privado, através das subscrições compulsórias de todos os proprietários
de veículos automóveis”, destacou o mandatário, para quem o formato da
proposição impediria condutas indesejáveis de grupos financeiros estrangeiros
ou nacionais na companhia.
Foram criadas limitações a subscrições de
ações com direito a voto. Estabeleceu-se, também, que o presidente e os
diretores da Petrobras deveriam ser nomeados pessoalmente pelo presidente da
República. E o presidente da empresa tinha poder de veto sobre as decisões do
conselho de administração. “Ela [Petrobras] dará o petróleo do Brasil aos
brasileiros e tornará possíveis os recursos financeiros vultosos de que
necessitamos para explorar uma das maiores fontes de riqueza da civilização”,
acrescentou Vargas.
Desde então, muito mudou. Em 1997, por
exemplo, a Petrobras perdeu de vez a atribuição de executar o monopólio estatal
que a legislação lhe garantia. E ao longo dos anos foi sofrendo mudanças em sua
estrutura, repleta de subsidiárias, que um dia chegou a ser chamada de “sistema
Petrobras”.
Em 1999, a companhia adotou um novo
estatuto a fim de se adequar à lei das sociedades anônimas e às inovações
impostas pela nova regulamentação do setor. Anos depois, já no governo Luiz
Inácio Lula da Silva, anunciou a descoberta de petróleo na camada pré-sal. Sua
produção cresceu. Muito.
Entre os pontos mais baixos da sua
trajetória, viu-se a eclosão do escândalo do “petrolão” e o controle de preços,
feito durante o governo Dilma Rousseff. Após o impeachment, foi adotada a
política de preços baseada na paridade nas cotações praticadas no mercado
internacional - ponto que tem gerado ataques diários do presidente Jair
Bolsonaro à Petrobras.
Tudo indica que a estatal permanecerá no
centro do debate político. E não só porque é mais do que provável que os
desmandos investigados pela Operação Lava-Jato retornem à pauta quando
adversários questionarem a lisura de Lula e seu partido, o PT. Mas, também,
devido ao fato de Bolsonaro ter escolhido a Petrobras como principal adversária
neste período de pré-campanha eleitoral.
O presidente da República e seu grupo
consideram a inflação o maior desafio para a reeleição, sobretudo a alta dos
preços dos combustíveis. Para combatê-lo, demonstram disposição de forçar
mudanças na composição do conselho de administração da Petrobras, na política
de preços da empresa e até mesmo privatizá-la. Como a desestatização total pode
levar muito tempo, fala-se, agora, em fatiar a companhia para induzir maior
concorrência.
Se aquele discurso de Vargas pode hoje ser
visto como um marco nas discussões da criação da empresa, é possível prever que
alguma declaração de Bolsonaro possa figurar nos livros de história como o
prenúncio do fim da Petrobras como ela é hoje. Isso, claro, se o governo não
estiver apenas “blefando”.
Em sua já conhecida estratégia de criar
inimigos com o objetivo de evitar debates que o constranjam, o presidente Jair
Bolsonaro já atacou outros Poderes e as urnas eletrônicas. Agora, é a Petrobras
que sofre o assédio institucional vindo do Palácio do Planalto e de parte da
base aliada.
Um comentário:
Que artigo longo,aprendi tudo sobre petróleo,rs.
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