O Estado de S. Paulo
O tiroteio de Foz do Iguaçu servirá de
alerta. Brasil não pode retroceder à barbárie, com o predomínio das armas sobre
a lei.
A violência não é estranha à vida política
brasileira. Não assume, porém, proporções semelhantes àquelas de que temos
notícias em outras partes do mundo, onde atentados a bomba ou a bala provocam
dezenas de mortos e feridos. Não podemos, contudo, subestimar o fenômeno,
sobretudo em épocas em que se estimula, de forma aberta ou com meias-palavras,
a violação dos limites invisíveis da segurança pessoal e pública.
Vamos a alguns registros históricos. Em
5/11/1897, o então presidente da República, Prudente de Morais, ao recepcionar
no antigo Arsenal de Guerra as tropas que retornavam da campanha de Canudos,
foi alvo do ataque cometido pelo anspeçada Marcelino Bispo. Armado de garrucha
e faca, tentou matá-lo. A garrucha pipocou, mas o ministro da Guerra, marechal
Carlos Machado Bittencourt, foi apunhalado ao proteger o presidente e morreu no
local. Preso e condenado, Marcelino Bispo se enforcou meses depois no cárcere,
com o uso de um lençol.
O senador Pinheiro Machado, um dos principais nomes da política sul-rio-grandense no começo do século passado, foi assassinado por Manso de Paiva, no saguão do Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro, em 8/9/1915, quando estava em companhia dos deputados federais Cardoso de Almeida e Bueno de Andrade. Preso sem oferecer resistência, o assassino sofreu a pena de 30 anos de reclusão. Em 1935, beneficiou-se de indulto concedido por Getúlio Vargas e reconquistou a liberdade.
O assassinato de João Pessoa, governador da
Paraíba, pelo desafeto João Dantas, no Recife no dia 26/7/1930, teve motivação
pessoal, mas serviu de estopim para a Revolução de outubro daquele ano.
Dando longo salto no tempo, chegamos a
5/8/1954, quando, ao retornar à residência, na Rua Tonelero, no Rio de Janeiro,
o jornalista Carlos Lacerda foi alvo de atentado a tiros, que resultou na morte
do major-aviador Rubens Vaz, da Força Aérea. O autor dos disparos, Alcino João
do Nascimento, teria sido contratado por Climério Euribes de Almeida, que
integrava a guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, comandada pelo célebre
Gregório Fortunato. Os acontecimentos que se seguiram são conhecidos e
culminaram com o suicídio de Vargas, no dia 24/8.
Do período conhecido como regime militar
(1964-1985) me abstenho de tratar. Os atos de violência política, cometidos por
ambos os lados, foram objeto da Lei da Anistia (Lei n.º 6.683/1979), concedida
“a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de
agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes
eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores
da Administração Direta ou Indireta, de fundações vinculadas ao poder público,
aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos
dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos
Institucionais e Complementares”.
O Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), da Constituição de 1988, consolidou a Lei da Anistia.
Vejam-se os artigos 8.º e 9.º. Anistia significa perpétuo silêncio sobre crimes
cometidos pelos anistiados. Logo, dispenso-me da tarefa de examiná-los. Seria
péssimo para o Brasil manter sangrando as chagas causadas pela ditadura militar
e opositores envolvidos na luta armada.
Ao tratar de crimes políticos de grande
repercussão, não poderia ignorar aquele de que foi vítima o ex-governador da
Paraíba Tarcísio Burity, em 5/11/1993, cometido pelo governador Ronaldo Cunha
Lima. Agastado por críticas de Tarcísio ao filho Cássio Cunha Lima, acusado da
prática de desvios à frente da Sudene, Ronaldo surpreendeu Tarcísio em
restaurante no centro de João Pessoa, desfechando-lhe vários tiros. Graças a
manobras de caráter processual, o autor jamais foi condenado. Ambos são
falecidos.
Devem ser lembrados, também, a misteriosa
morte do prefeito de Santo André Celso Daniel, o duplo homicídio que vitimou a
vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes e a punhalada desferida
por Adélio Bispo de Oliveira em Jair Bolsonaro, na campanha de 2018.
O assassinato do petista Marcelo Arruda
pelo bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho mostra como é perigoso enfurecer
os ânimos em plena campanha presidencial.
A defesa da ordem pública é da
responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro, do ministro da Justiça, Anderson
Gustavo Torres, dos governadores estaduais e respectivos secretários da
Segurança Pública. O Brasil não pode retroceder à barbárie, com o predomínio
das armas sobre a lei.
Houve época em que disputas eleitorais
desaguavam em sangrentas revoltas armadas. Pertence a esse período a degola dos
adversários, muito usada entre republicanos, ou chimangos, e federalistas, ou
maragatos, na Revolução Federalista, que no final do século 19 ensanguentou o
Rio Grande do Sul.
O tiroteio de Foz do Iguaçu servirá de
alerta. O presidente Bolsonaro, como chefe do governo e candidato, tem a
obrigação de conclamar apoiadores e adversários a celebrarem tratado de não
agressão. A campanha eleitoral deve se desenvolver de maneira pacífica, como é
próprio do Estado de Direito Democrático.
*Advogado, foi Ministro do Trabalho e Presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Um comentário:
Até na Vila que eu moro já teve morte,duas,por motivação política,a diferença é que hoje temos o chefe da nação estimulando explicitamente a violência o tempo todo.
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