Folha de S. Paulo
Após deixar poder, presidentes defendem
descriminalização das drogas
Sei que é paradoxal, mas deveria haver uma lei que autorizasse apenas ex-presidentes a tornar-se presidentes. É que deixar o cargo costuma fazer um bem tremendo a eles. E se há um tema que deixa isso claro é a questão das drogas. Depois que se afastaram do poder, vários ex-presidentes latino-americanos passaram a defender posições bem mais liberais em relação às drogas ilícitas, ficando entre a descriminalização e a legalização.
Um dos primeiros a viver a metamorfose, por volta de 2008, foi Fernando Henrique Cardoso (presidente entre 1995 e 2003). A ele se juntaram o colombiano Cesar Gaviria (1990-1994), o mexicano Ernesto Zedillo (1994-2000) e o chileno Ricardo Lagos (2000-2006). Acaba de aderir ao grupo o também colombiano e Nobel da Paz Juan Manuel Santos (2010-2018), como consta de entrevista à Folha.
A questão fundamental é saber se eles só passaram a pensar assim depois de deixarem a Presidência ou se já tinham essas ideias, mas sentiam que não podiam expressá-las. Acho que é um pouco das duas coisas. FHC diz que mudou de opinião mesmo. Teve de passar pela ingrata experiência de reprimir sem colher resultados para perceber que esse não é o caminho. Receio, porém, que, mesmo que um chefe de Executivo chegue ao poder já favorável à despenalização, ele teria dificuldades não só para fazer essa pauta avançar, como também para falar livremente sobre ela.
Apenas nas fantasias bolsonaristas o presidente é um reizinho que faz o que quer. Nas democracias, o poder é repartido. Mudanças na lei passam pelo Parlamento. Podem, excepcionalmente, ser decididas pelo Judiciário. O presidente costuma ter força política para propor alterações, desde que elas sejam eleitoralmente palatáveis. E o problema é que a maioria da população latino-americana ainda é contra a descriminalização.
O papel desses líderes é usar a sabedoria dos que deixaram o poder para tentar mudar isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário