sábado, 9 de julho de 2022

João Gabriel de Lima*: Conversas que não aconteceram

O Estado de S. Paulo

Marcelo Rebelo de Sousa talvez dissesse a Bolsonaro que a conversa é a essência da política

Uma escultura em bronze no meio da Ágora Antiga, em Atenas, mostra uma conversa entre o filósofo Sócrates e o sábio Confúcio. A conversa nunca aconteceu – China e Grécia ficavam longe demais numa antiguidade sem Zoom e sem aviões. Mas o monumento está ali, a lembrar que o diálogo é a essência da democracia. A Ágora, um conjunto de ruínas cercadas pelo burburinho de um bairro turístico, é um dos lugares sagrados da história da democracia.

Na semana passada, os presidentes do Brasil e de Portugal, Jair Bolsonaro e Marcelo Rebelo de Sousa, tinham um almoço marcado em Brasília. Seria uma conversa curiosa, pois os dois políticos não poderiam ser mais diferentes. Marcelo governa pelo diálogo, Bolsonaro pelo confronto.

Na pandemia, Marcelo – os portugueses chamam seu presidente pelo primeiro nome – afinou o discurso com o primeiro-ministro António Costa, para que não confundissem a população com comunicados desencontrados. Bolsonaro, como todos se lembram, divergiu dos governadores, do Congresso e do Supremo. “Eletrizou sua base”, como diz o clichê – e no caminho morreram mais de 600 mil brasileiros.

Nas democracias, diálogos resultam em acordos, e acordos, em coalizões. Em sua campanha em 2018, Bolsonaro disse que iria acabar com o “presidencialismo de coalizão” – um nonsense.

“Nos regimes presidencialistas, coalizões são essenciais para implantar políticas públicas”, diz Thiago Silva, professor da Universidade Nacional da Austrália e especialista no assunto. “Nos parlamentarismos, além disso, é condição de sobrevivência. Se o governo não faz coalizões, acaba caindo”, diz Silva, o entrevistado no minipodcast da semana.

Bolsonaro, segundo Silva, governa de forma peculiar. O presidente não trabalha para aprovar os pontos centrais da agenda que o elegeu – temas como liberação de armas ou redução da maioridade penal são ignorados pelos parlamentares. Limita-se a enviar os projetos apenas para, novamente, “eletrizar sua base”. Quando sentiu cheiro do impeachment no ar, no entanto, Bolsonaro compôs com a bancada do Centrão. Agiu como se estivesse num parlamentarismo e temesse a dissolução de seu governo.

Em sua visita ao Brasil, Marcelo esteve com os ex-presidentes Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Se tivesse almoçado com Bolsonaro, Marcelo talvez dissesse que a conversa é a essência da política, e dialogar com todo o espectro ideológico é parte do “job description” do governante. Mas Bolsonaro, num ato que o Estadão chamou de “grosseria” em editorial, cancelou o almoço pré-marcado – e, pena, eles não conversaram.

*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa

2 comentários:

Anônimo disse...

Melhor para Marcelo! O que ele aprenderia com Jair? Rachadinhas, piadas grosseiras sobre portugueses, como agredir mulheres e jornalistas, como se dizer religioso e ser constantemente mentiroso e criminoso? Sem se encontrar com Jair, Marcelo volta pra Portugal com uma visão melhor do Brasil.

ADEMAR AMANCIO disse...

De fato é verdade,anônimo,conversar com Bolsonaro é atraso de vida.