O Estado de S. Paulo
Marcelo Rebelo de Sousa talvez dissesse a Bolsonaro que a conversa é a essência da política
Uma escultura em bronze no meio da Ágora
Antiga, em Atenas, mostra uma conversa entre o filósofo Sócrates e o sábio
Confúcio. A conversa nunca aconteceu – China e Grécia ficavam longe demais numa
antiguidade sem Zoom e sem aviões. Mas o monumento está ali, a lembrar que o
diálogo é a essência da democracia. A Ágora, um conjunto de ruínas cercadas
pelo burburinho de um bairro turístico, é um dos lugares sagrados da história
da democracia.
Na semana passada, os presidentes do Brasil
e de Portugal, Jair Bolsonaro e Marcelo Rebelo de Sousa, tinham um almoço
marcado em Brasília. Seria uma conversa curiosa, pois os dois políticos não
poderiam ser mais diferentes. Marcelo governa pelo diálogo, Bolsonaro pelo
confronto.
Na pandemia, Marcelo – os portugueses
chamam seu presidente pelo primeiro nome – afinou o discurso com o
primeiro-ministro António Costa, para que não confundissem a população com
comunicados desencontrados. Bolsonaro, como todos se lembram, divergiu dos
governadores, do Congresso e do Supremo. “Eletrizou sua base”, como diz o
clichê – e no caminho morreram mais de 600 mil brasileiros.
Nas democracias, diálogos resultam em acordos, e acordos, em coalizões. Em sua campanha em 2018, Bolsonaro disse que iria acabar com o “presidencialismo de coalizão” – um nonsense.
“Nos regimes presidencialistas, coalizões
são essenciais para implantar políticas públicas”, diz Thiago Silva, professor
da Universidade Nacional da Austrália e especialista no assunto. “Nos
parlamentarismos, além disso, é condição de sobrevivência. Se o governo não faz
coalizões, acaba caindo”, diz Silva, o entrevistado no minipodcast da semana.
Bolsonaro, segundo Silva, governa de forma
peculiar. O presidente não trabalha para aprovar os pontos centrais da agenda
que o elegeu – temas como liberação de armas ou redução da maioridade penal são
ignorados pelos parlamentares. Limita-se a enviar os projetos apenas para,
novamente, “eletrizar sua base”. Quando sentiu cheiro do impeachment no ar, no
entanto, Bolsonaro compôs com a bancada do Centrão. Agiu como se estivesse num
parlamentarismo e temesse a dissolução de seu governo.
Em sua visita ao Brasil, Marcelo esteve com
os ex-presidentes Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da
Silva. Se tivesse almoçado com Bolsonaro, Marcelo talvez dissesse que a
conversa é a essência da política, e dialogar com todo o espectro ideológico é
parte do “job description” do governante. Mas Bolsonaro, num ato que o Estadão
chamou de “grosseria” em editorial, cancelou o almoço pré-marcado – e, pena,
eles não conversaram.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em Ciência Política na Universidade de Lisboa
2 comentários:
Melhor para Marcelo! O que ele aprenderia com Jair? Rachadinhas, piadas grosseiras sobre portugueses, como agredir mulheres e jornalistas, como se dizer religioso e ser constantemente mentiroso e criminoso? Sem se encontrar com Jair, Marcelo volta pra Portugal com uma visão melhor do Brasil.
De fato é verdade,anônimo,conversar com Bolsonaro é atraso de vida.
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