domingo, 3 de julho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Vale-tudo

Folha de S. Paulo

PEC que cria emergência é lance desvairado da gastança anticrise e por eleição

O aumento excepcional e inesperado da arrecadação do governo provocou em Brasília uma enganosa sensação de tranquilidade. O Ministério da Economia dissemina a ideia de que é possível "devolver recursos à sociedade" por meio de gasto e renúncia de impostos.

A propaganda desse equívoco foi recebida com satisfação pelo sistema político. Desde fins do ano passado, explora-se esse ilusório excesso de caixa. O desempenho sofrível de Jair Bolsonaro (PL) nas pesquisas, a revolta com os preços dos combustíveis e a inflação alta são estímulos adicionais à investida sobre as contas públicas.

É real a necessidade de enfrentar os impactos sociais dramáticos da pandemia e da guerra na Ucrânia. Mas medidas justificáveis, como a ampliação do amparo aos mais pobres, misturam-se a subsídios indiscriminados e perdulários, sem preocupação que não seja um impacto imediato nas intenções de voto.

Na quinta-feira (30) deu-se o lance mais desvairado dessa escalada, com a aprovação pelo Senado de proposta de emenda constitucional que inventa um estado de emergência e permite nova rodada de despesas, estimadas em mais de R$ 40 bilhões neste ano.

O texto contou com o apoio oportunista de todas as forças da Casa, contra o voto solitário de José Serra (PSDB-SP), e o mesmo deve se dar na Câmara dos Deputados, onde a conta pode se tornar maior.

As consequências serão funestas. A medida, além de exigir do próximo governo um esforço maior de contenção da dívida pública, desmoraliza normas legais de controle das contas do Tesouro. Tal descrédito encarece o financiamento do governo e eleva as taxas de juros para o conjunto da economia, que assim crescerá menos.

A arrecadação de fato aumenta muito desde 2021. Em especial, tal crescimento se deveu à alta de preços de commodities (alimentos, petróleo, minérios) e do bom desempenho das empresas ligadas a tais setores. A inflação, pois, está na base do fenômeno.

Entretanto não se espera que o IPCA continue a galopar ou que as cotações de commodities subam ainda mais, até porque a economia mundial deve desacelerar. A bonança tende a ser passageira.

Em relação a 2019, último ano de relativa normalidade, a receita da União teve expansão real de 17%. Dado que a economia cresceu muito menos, a carga tributária federal elevou-se para 23,2% do Produto interno Bruto, patamar só comparável aos de fins do governo Luiz Inácio Lula da Silva e início de mandato de Dilma Rousseff (PT).

Observe-se, porém, que na transição de 2010 para 2011 o governo federal obtinha superávit primário (receitas acima das despesas, excluídos encargos com juros) equivalente a 2% do PIB. Hoje não há superávit, e a redução de impostos e o aumento de gastos ameaçam provocar novo déficit primário.

Não há, pois, sobra de recursos a devolver à sociedade. O governo federal terá de se endividar mais a fim de cumprir seus compromissos cotidianos. O setor público como um todo (União, estados, municípios e estatais) deve ter déficit também, pois o Congresso reduziu alíquotas do ICMS.

O superávit primário do setor público no ano passado foi de 0,75% do PIB. Neste ano, depois das medidas de emergência eleitoreira, prevê-se déficit que pode ir a 0,5%.

Isso, repita-se, sem contar os encargos da dívida pública. As taxas de juros devem permanecer altas até boa parte de 2023. O descrédito das contas públicas vai adiar o recuo da Selic. A despesa financeira crescerá, mas não apenas.

Há gastos represados, como algum reajuste dos salários dos servidores. O aumento da despesa com o Auxílio Brasil será politicamente muito difícil de reverter. Outros compromissos obrigatórios avançam de modo vegetativo.

O Congresso, animado pela demagogia eleitoreira e com a colaboração de oposicionistas da esquerda à direita, contribui desde fins do ano passado para a farra.

Primeiro, fragilizou o teto de gastos. Agora mostrou que, numa penada, pode invalidar todas as normas de controle de gastos e de endividamento: as leis eleitoral, de responsabilidade fiscal, de diretrizes orçamentárias, o teto de gastos e a regra de ouro, que proíbe o aumento de dívida com o fim de pagar despesas correntes.

Dados o histórico fiscal do país e a dimensão extraordinária da dívida pública, será difícil restaurar a crença na possibilidade de um ajuste orçamentário gradual —isto é, menos danoso para o crescimento econômico e para a despesa social e de investimento.

Eleva-se o risco de descontrole, com endividamento elevado e inflação. O país estará fragilizado em um ambiente global hostil.

República avacalhada

O Estado de S. Paulo

À medida que a eleição se aproxima, intensifica-se ofensiva de Bolsonaro contra princípios republicanos, com agressões cada vez mais absurdas e indecorosas. É preciso frear o retrocesso

Ao tomar posse, o presidente Jair Bolsonaro prometeu respeitar a Constituição de 1988. Mas o que ele tem feito, ao longo desses três anos e meio, é o exato oposto do compromisso assumido no dia 1.º de janeiro de 2019, numa avacalhação sem precedentes da República. 

É um quadro gravíssimo, que se deteriora progressivamente, sem nenhum pudor, sem nenhum limite, sem nenhum respeito às regras do exercício de poder num Estado Democrático de Direito. Para piorar, a resistência a Jair Bolsonaro mostra-se muito aquém da gravidade e da dimensão dos ataques. Tal é a frequência de absurdos, que todos – órgãos de controle, partidos políticos e sociedade civil organizada, incluindo a própria opinião pública – parecem um tanto anestesiados com a esculhambação promovida cotidianamente pelo bolsonarismo. É preciso defender, com brios renovados, a integridade da República.

Elencar os ataques do governo Bolsonaro à legalidade e ao espírito republicano é tarefa inglória. Toda semana há uma nova agressão mais absurda, mais escrachada, mais indecorosa. Agora, o País tem assistido ao desenrolar da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, que, a rigor, merece ser chamada de PEC da Reeleição de Bolsonaro. O governo quer mexer na Constituição para poder dar dinheiro em ano eleitoral aos caminhoneiros. E ainda tenta impor a manobra atropelando todos os ritos legislativos, de forma a impedir o debate e o amadurecimento do tema.

A desfaçatez é de tal ordem que a PEC 1/2022 propõe incluir, como dispositivo constitucional, o reconhecimento de “estado de emergência” no País até o fim do ano. A única emergência que motiva essa PEC é a situação de Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto. E os bolsonaristas ainda dizem que admiram os Estados Unidos com sua Constituição enxuta e pouco emendada. Na célebre definição de La Rochefoucauld, a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude.

Entre os ataques do governo de Jair Bolsonaro contra a República, observam-se violações da legislação eleitoral e ambiental, violências contra o princípio federativo, tentativas de subjugar os órgãos de controle, manobras para dificultar a transparência dos atos da administração federal, ações para intimidar e censurar opositores políticos, manipulação de programas sociais para fins partidários, agressões contra o Judiciário e sua independência, campanha difamatória contra as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, uso da máquina pública – em especial, da Receita Federal e Polícia Federal – para atender a interesses familiares, criação e difusão de desinformação, tentativas de interferência nas polícias estaduais, deturpação do sistema tributário para fins eleitorais, opacidade da gestão orçamentária e desprezo pelas regras de responsabilidade fiscal e pela segurança jurídica, com a PEC dos Precatórios. Isso sem falar das suspeitas de corrupção envolvendo os Ministérios da Educação e da Saúde, com denúncias de superfaturamento desde compra de vacina contra a covid até licitação de ônibus rurais escolares, além de toda atuação negacionista, desorientadora e desumana de Jair Bolsonaro na pandemia.

É a República ultrajada, como se não houvesse Constituição ou lei, como se o exercício do poder fosse mero arbítrio, como se tudo, rigorosamente tudo, estivesse à disposição dos interesses particulares do inquilino do Palácio do Planalto. Simplesmente, não é assim que funciona no Estado Democrático de Direito. Há separação de Poderes e delimitação de competências. Há normas que regem o funcionamento de cada cargo público.

É uma tremenda obviedade, mas com Jair Bolsonaro é necessário que se diga. A posse na Presidência da República não dá autorização para destruir o Estado brasileiro. Não é fácil acompanhar o ritmo de ataques contra a Constituição e o bom funcionamento da máquina pública operado pelo governo federal, mas é preciso resistir. Não basta contar os dias até 1.º de janeiro de 2023. Todos – órgãos de controle, partidos políticos e sociedade civil organizada – precisam atuar e frear o retrocesso. Há um País a ser preservado.

Os curtos-circuitos do populismo

O Estado de S. Paulo

Como se vê no Reino Unido, que cresceu menos do que poderia e exporta cada vez menos após o Brexit, a cosmovisão simplista dos líderes populistas só agrava os problemas que denunciam

O populismo é a sombra permanente da democracia representativa. Seu traço mais característico é a divisão maniqueísta da sociedade entre um povo genuíno e uma elite corrupta que controla instituições intermediárias, como os partidos políticos, o Judiciário, a imprensa ou a academia. O líder populista alega que ele, e só ele, representa a vontade do povo, e promete romper as coerções institucionais que o frustram.

Este antielitismo e este antipluralismo são comuns à direita e à esquerda. À esquerda, o populismo usualmente enfatiza a divisão de classes, ataca os ricos e privilegiados e se concentra na regulação da economia. Essa é a forma mais comum na América Latina. À direita, ele explora divisões étnicas ou religiosas e foca nas ameaças das elites liberais e “globalistas” às tradições nacionais. O nativismo é especialmente proeminente na Europa ou EUA.

Explorando frustrações econômicas ou ansiedades identitárias, os populistas tentam ocupar o Estado, demonizar os críticos e aparelhar as instituições. Em campanha permanente, eles geralmente multiplicam os gastos para comprar apoio, levando a crises fiscais, em uma espécie de esquema de “pirâmide”, sempre oferecendo novas e maiores promessas, antes que as velhas sejam cobradas.

O círculo vicioso é que, quanto mais os líderes populistas se mostram incompetentes na arte de governar, quanto mais as suas aventuras heterodoxas fracassam em entregar os resultados prometidos, mais eles dobram a aposta na polarização, distraindo a atenção do debate público com guerras culturais e combates contra oponentes reais ou fabricados. Cada eleição é uma disputa apocalíptica entre “nós” e “eles”.

O Brexit é um caso exemplar. Como notou a revista The Economist, poucos países pareciam ter um sistema imunológico mais apto a resistir ao vírus populista do que a Inglaterra. O Parlamento é uma das instituições representativas mais antigas do mundo. A última revolução violenta ocorreu em meados do século 17. Seus maiores líderes sempre consideraram referendos como uma ferramenta útil a autoritários e demagogos.

Ainda assim, o país optou por utilizar essa ferramenta para deliberar sobre a questão mais complexa e profunda da política econômica britânica: sua relação com seu principal parceiro político e econômico. Mas durante a campanha essa complexidade foi turvada por ressentimentos identitários e nostalgias nacionalistas. Para muitos eleitores, o referendo foi apenas um pretexto para rejeitar o establishment. “Retomar o controle!” foi o slogan preferido dos brexiteers.

Previsivelmente, o resultado foi o oposto. O think-tank Centre for European Reform calcula que no fim de 2021 o PIB inglês estava 5,2% abaixo do que estaria sem o Brexit. Os acordos comerciais pós-Brexit não foram suficientes para repor as perdas com a saída do mercado comum europeu. Enredadas por novas burocracias, atrasos na alfândega e tarifas, as empresas inglesas exportaram no final do ano passado 16% menos do que em 2019, enquanto o comércio global cresceu 6%. O declínio na abertura econômica continuará afetando a produtividade e a renda dos ingleses num futuro próximo. 

Os apoiadores do Brexit queriam afirmar a soberania e independência do Parlamento britânico em relação a Bruxelas. Mas, ao obrigá-lo a consumar um divórcio cuja maioria dos parlamentares era contra, precipitou uma turbulência política e mesmo constitucional cujos efeitos perdurarão. O contingente de autoridades na Irlanda do Norte e Escócia que advogam pela sua independência em relação ao Reino Unido cresce a cada dia.

No início das negociações sobre as novas relações econômicas com o bloco europeu, o hoje primeiro-ministro e então ministro das Relações Exteriores, Boris Johnson, estava tão inebriado pelas suas próprias promessas populistas que ousou desafiar um velho adágio do pragmatismo anglo-saxão: “Nossa política é ter o bolo e comê-lo”. Mas o tempo deu razão ao então presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk: “Não haverá bolos na mesa. Para ninguém. Só sal e vinagre”.

É preciso melhorar o gasto no SUS

O Estado de S. Paulo

É vergonhoso que 30% dos recursos destinados ao sistema de saúde sejam mal empregados

Um estudo recente do Banco Mundial revelou que 30% dos recursos da União que são destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS) são mal empregados, ou seja, ainda que vultoso, é um gasto ineficiente. Além de remunerar melhor os serviços que são prestados pelo SUS, portanto, é preciso empregar melhor esses recursos. 

A saúde já tem um dos maiores orçamentos da administração pública nos três níveis. Em 2019, foram investidos R$ 304 bilhões. Mas, “se os padrões atuais de crescimento nominal dos gastos se mantiverem, a conta do SUS chegará a R$ 700 bilhões até 2030”, escreveram os autores do estudo do Banco Mundial, noticiado pelo Estadão. A razão é clara: o envelhecimento da população implica aumento da complexidade dos serviços médicos de que necessitam os mais idosos, o que, consequentemente, aumenta a pressão financeira sobre todo o sistema.

O Banco Mundial não se limitou ao diagnóstico do problema. Propõe soluções. Uma delas é melhorar a escala de atendimento. Muitos hospitais em pequenos municípios poderiam se tornar postos de saúde, direcionando mais investimentos para hospitais gerais em municípios maiores, que atenderiam cidades contíguas. Há má distribuição de recursos humanos pelo País. Além de melhor alocá-los, esses profissionais precisam ser valorizados, premiando o bom desempenho. Por fim, é fundamental a adoção de mais parcerias público-privadas (PPPs).

O SUS deve ser cuidado permanentemente para que não entre em colapso e deixe desamparados algo em torno de 7 a cada 10 brasileiros que precisam de atendimento médico. Se ainda havia dúvidas sobre a importância de bem administrar e capacitar o SUS para atender a esmagadora maioria da população, a pandemia de covid-19 dissipou uma a uma.

O SUS nasceu do sonho de alguns médicos sanitaristas, parlamentares e organizações da sociedade civil. Primeiro, veio o desejo de oferecer aos brasileiros um sistema público de saúde que fosse universal e gratuito. Foi uma revolução. Até pouco antes da Assembleia Nacional Constituinte, a saúde, convém lembrar, era tratada como uma mercadoria, acessível apenas aos que podiam pagar por serviços médicos ou aos que ao menos tinham um emprego formal, condição de admissão nos hospitais do antigo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Fora isso, só havia os prestimosos serviços das Santas Casas de Misericórdia. 

Após a promulgação da Constituição de 1988, contudo, a saúde deixou de ser vista sob essa ótica mercadológica e passou a ser tratada como um direito de todos e um dever do Estado.

Materializado aquele desejo inicial no texto constitucional (art. 196), veio, então, o desafio de encontrar os meios de financiamento de um sistema público de saúde universal e gratuito para mais de 200 milhões de brasileiros. O que já seria uma faina extraordinária para qualquer país do mundo, para um país de renda média como o Brasil beirava o devaneio. Esse desafio segue diante de nós ainda hoje, mais de três décadas depois.

Retrocesso social e econômico do país impõe reformas

O Globo

O Brasil que se aproxima das eleições de outubro retrocedeu no tempo. Enfrenta, como todos os países, choques decorrentes da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas há aqui um aspecto negativo adicional: o país tem sido incapaz de manter um crescimento econômico suficiente para conseguir acabar com suas mazelas sociais, atrair investimentos e promover o desenvolvimento.

Em razão da improdutividade crônica da nossa economia, o Brasil não tem conseguido crescer acima de 1,5% ao ano sem gerar pressão inflacionária ou outros desequilíbrios. Pelos cálculos da economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, considerando esse crescimento pífio dos últimos anos, o PIB per capita brasileiro só recuperará em 2029 o nível atingido em 2013, de R$ 44 mil.

No “milagre econômico” da ditadura, o PIB cresceu a taxas acima de 10%. Foi um ciclo artificial, dependente de crédito externo, que terminou em crise pela vulnerabilidade do modelo. De lá para cá, com exceção de espasmos pontuais, a involução em nosso potencial de crescimento foi notável. Em 37 anos de estabilidade democrática, foram construídas instituições fortes, e houve avanços incontestáveis. No campo econômico e social, porém, o país retrocedeu até três décadas nos últimos anos, a depender do indicador, como constatou reportagem do GLOBO.

A indústria tem perdido espaço para os serviços, transição natural na evolução das economias. No Brasil, contudo, a retração das fábricas foi mais forte e mais precoce. A produção industrial, segundo o IBGE, está hoje em um patamar equivalente ao de 2009, retrocesso de 13 anos. Nos dados macroeconômicos, também voltamos ao passado. A inflação de 11,73% em maio ficou próxima dos 11,02% de novembro de 2003, 19 anos atrás. O PIB do ano passado estacionou no mesmo nível de 2013, oito anos antes. Até na destruição da Amazônia voltou-se aos indicadores de 2008, quando foram derrubados 13 mil quilômetros quadrados da floresta, marca equivalente à de 2021.

O salto para trás também ocorreu no campo social. O Brasil chegou a ser retirado do Mapa da Fome, das Nações Unidas, em 2014, quando menos de 5% da população passava fome. Hoje algumas estimativas falam em até 15% da população, o equivalente a um recuo de 30 anos. Embora esses números possam estar sujeitos a críticas metodológicas, o retrocesso é inegável. A educação sofreu forte impacto do fechamento das escolas na pandemia. Houve enorme atraso no aprendizado. Pesquisa com dados de São Paulo revelou que, no ensino fundamental, o conhecimento em matemática retrocedeu a 2007, e o de português a 2011. Não haverá outra alternativa, a não ser programas de reforço e recuperação.

O Brasil se beneficia de ciclos de crescimento mundial, principalmente quando favorecem exportações de alimentos e minerais, mas não aproveita a conjuntura positiva para dar um salto no patamar de desenvolvimento. Quando a onda de expansão se esgota, volta ao que era, na melhor das hipóteses. É preciso romper esse ciclo vicioso. Para isso, não haverá outra saída a não ser promover reformas no Estado (em particular, tributária e administrativa) e ampliar o investimento em educação. É a única maneira de evitar retrocessos como os observados. E nada acontecerá sem a mobilização de políticos, para além das disputas tacanhas em torno de recursos para inaugurar obras em suas bases eleitorais.

Combater desperdício de água é vital diante das mudanças no clima

O Globo

Com a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento em 2020, grupos privados foram estimulados a participar de licitações de água e esgoto, para executar investimentos que resgatem o saneamento básico brasileiro de seu estado deplorável. Um dos principais desafios do setor é evitar o desperdício de água.

Perto de 40 milhões de brasileiros não recebem água tratada, enquanto 66 milhões, ou 30% da população, poderiam ser abastecidos com a que se esvai na distribuição, por onde escapa 40% do que é bombeado, segundo o Instituto Trata Brasil. Diariamente o país desperdiça mais de sete vezes o volume do sistema de abastecimento Cantareira, o maior de São Paulo.

Num bloco de dez países latino-americanos, o Brasil, com 41% de perda de faturamento na distribuição, fica em sexto lugar, melhor que Uruguai (51%) ou Costa Rica (47%), mas pior que Bolívia (27%) e Chile (31%). Esse índice aumentou todos os anos entre 2016 e 2020. Na comparação com outros países, perdemos mais água que Camarões (39,5%), África do Sul (33,7%) e Etiópia (29%).

O desperdício na distribuição chegou a representar um prejuízo de R$ 1,2 bilhão para a recém-privatizada Cedae, do Rio de Janeiro. As quatro concessionárias privadas que dividiram a rede da empresa enfrentarão este e outros problemas, como a distribuição de água com geosmina, uma alga que não existiria no reservatório da empresa se houvesse coleta e tratamento de esgoto na região em um nível minimamente aceitável.

As experiências de concessionárias privadas demonstram que elas alcançam índices de eficiência superiores aos das empresas públicas no que diz respeito ao desperdício de água. Um exemplo é a Águas de Niterói, que assumiu a concessão da cidade em 1999 com perdas estimadas em 40% e as reduziu a 16%. No Rio de Janeiro, área de concessão da Cedae, as perdas foram de 46,7% em 2020.

Antes do Novo Marco do Saneamento, apenas 7% dos 5.570 municípios eram atendidos por concessionárias privadas — que respondiam por 33% dos investimentos, segundo a associação das concessionárias (Abcon) e o sindicato dessas empresas (Sindicon). Esses números provam que estatais do setor dão pouca atenção à melhoria e à expansão de suas redes. Transferir a gestão à iniciativa privada, como demonstra o caso da Cedae, exige enfrentar, além do corporativismo quase sempre presente em estatais, os políticos que costumam usá-las como cabide de emprego ou para prestar favores em troca de votos.

Não faltam estatísticas para comprovar que o país perdeu muito tempo até abrir mais espaço na área de saneamento para grupos privados. Com as mudanças climáticas, os ciclos de secas severas têm se tornado mais frequentes. Por isso é vital melhorar a gestão da água disponível, mesmo num país bem dotado de recursos hídricos como o Brasil. O desperdício já seria condenável num cenário convencional. Diante dos desafios impostos pelo clima, tornou-se inaceitável.

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