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Vale-tudo
Folha de S. Paulo
PEC que cria emergência é lance desvairado
da gastança anticrise e por eleição
O aumento excepcional e inesperado da
arrecadação do governo provocou em Brasília uma enganosa sensação de
tranquilidade. O Ministério da Economia dissemina a ideia de que é possível
"devolver recursos à sociedade" por meio de gasto e renúncia de
impostos.
A propaganda desse equívoco foi recebida
com satisfação pelo sistema político. Desde fins do ano passado, explora-se
esse ilusório excesso de caixa. O desempenho sofrível de Jair Bolsonaro (PL)
nas pesquisas, a revolta com os preços dos combustíveis e a inflação alta são
estímulos adicionais à investida sobre as contas públicas.
É real a necessidade de enfrentar os
impactos sociais dramáticos da pandemia e da guerra na Ucrânia. Mas medidas
justificáveis, como a ampliação do amparo aos mais pobres, misturam-se a
subsídios indiscriminados e perdulários, sem preocupação que não seja um
impacto imediato nas intenções de voto.
Na quinta-feira (30) deu-se o lance mais desvairado dessa escalada, com a aprovação pelo Senado de proposta de emenda constitucional que inventa um estado de emergência e permite nova rodada de despesas, estimadas em mais de R$ 40 bilhões neste ano.
O texto contou com o apoio oportunista de
todas as forças da Casa, contra o voto solitário de José Serra (PSDB-SP), e o
mesmo deve se dar
na Câmara dos Deputados, onde a conta pode se tornar maior.
As
consequências serão funestas. A medida, além de exigir do próximo governo
um esforço maior de contenção da dívida pública, desmoraliza normas legais de
controle das contas do Tesouro. Tal descrédito encarece o financiamento do
governo e eleva as taxas de juros para o conjunto da economia, que assim
crescerá menos.
A arrecadação de fato aumenta muito desde
2021. Em especial, tal crescimento se deveu à alta de preços de commodities
(alimentos, petróleo, minérios) e do bom desempenho das empresas ligadas a tais
setores. A inflação, pois, está na base do fenômeno.
Entretanto não se espera que o IPCA
continue a galopar ou que as cotações de commodities subam ainda mais, até
porque a economia mundial deve desacelerar. A bonança tende a ser passageira.
Em relação a 2019, último ano de relativa
normalidade, a receita da União teve expansão real de 17%. Dado que a economia
cresceu muito menos, a carga tributária federal elevou-se para 23,2% do Produto
interno Bruto, patamar só comparável aos de fins do governo Luiz Inácio Lula da
Silva e início de mandato de Dilma Rousseff (PT).
Observe-se, porém, que na transição de 2010
para 2011 o governo federal obtinha superávit primário (receitas acima das
despesas, excluídos encargos com juros) equivalente a 2% do PIB. Hoje não há
superávit, e a redução de impostos e o aumento de gastos ameaçam provocar novo
déficit primário.
Não há, pois, sobra de recursos a devolver
à sociedade. O governo federal terá de se endividar mais a fim de cumprir seus
compromissos cotidianos. O setor público como um todo (União, estados,
municípios e estatais) deve ter déficit também, pois o Congresso reduziu
alíquotas do ICMS.
O superávit primário do setor público no
ano passado foi de 0,75% do PIB. Neste ano, depois das medidas de emergência
eleitoreira, prevê-se déficit que pode ir a 0,5%.
Isso, repita-se, sem contar os encargos da
dívida pública. As taxas de juros devem permanecer altas até boa parte de 2023.
O descrédito das contas públicas vai adiar o recuo da Selic. A despesa
financeira crescerá, mas não apenas.
Há gastos represados, como algum reajuste
dos salários dos servidores. O aumento da despesa com o Auxílio Brasil será
politicamente muito difícil de reverter. Outros compromissos obrigatórios
avançam de modo vegetativo.
O Congresso, animado pela demagogia eleitoreira
e com a colaboração de oposicionistas da esquerda à direita, contribui desde
fins do ano passado para a farra.
Primeiro, fragilizou o teto de gastos.
Agora mostrou que, numa penada, pode invalidar todas as normas de controle de
gastos e de endividamento: as leis eleitoral, de responsabilidade fiscal, de
diretrizes orçamentárias, o teto de gastos e a regra de ouro, que proíbe o
aumento de dívida com o fim de pagar despesas correntes.
Dados o histórico fiscal do país e a
dimensão extraordinária da dívida pública, será difícil restaurar a crença na
possibilidade de um ajuste orçamentário gradual —isto é, menos danoso para o
crescimento econômico e para a despesa social e de investimento.
Eleva-se o risco de descontrole, com
endividamento elevado e inflação. O país estará fragilizado em um ambiente
global hostil.
República avacalhada
O Estado de S. Paulo
À medida que a eleição se aproxima, intensifica-se ofensiva de Bolsonaro contra princípios republicanos, com agressões cada vez mais absurdas e indecorosas. É preciso frear o retrocesso
Ao tomar posse, o presidente Jair Bolsonaro
prometeu respeitar a Constituição de 1988. Mas o que ele tem feito, ao longo
desses três anos e meio, é o exato oposto do compromisso assumido no dia 1.º de
janeiro de 2019, numa avacalhação sem precedentes da República.
É um quadro gravíssimo, que se deteriora
progressivamente, sem nenhum pudor, sem nenhum limite, sem nenhum respeito às
regras do exercício de poder num Estado Democrático de Direito. Para piorar, a
resistência a Jair Bolsonaro mostra-se muito aquém da gravidade e da dimensão
dos ataques. Tal é a frequência de absurdos, que todos – órgãos de controle,
partidos políticos e sociedade civil organizada, incluindo a própria opinião
pública – parecem um tanto anestesiados com a esculhambação promovida cotidianamente
pelo bolsonarismo. É preciso defender, com brios renovados, a integridade da
República.
Elencar os ataques do governo Bolsonaro à
legalidade e ao espírito republicano é tarefa inglória. Toda semana há uma nova
agressão mais absurda, mais escrachada, mais indecorosa. Agora, o País tem
assistido ao desenrolar da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, que,
a rigor, merece ser chamada de PEC da Reeleição de Bolsonaro. O governo quer
mexer na Constituição para poder dar dinheiro em ano eleitoral aos
caminhoneiros. E ainda tenta impor a manobra atropelando todos os ritos
legislativos, de forma a impedir o debate e o amadurecimento do tema.
A desfaçatez é de tal ordem que a PEC
1/2022 propõe incluir, como dispositivo constitucional, o reconhecimento de
“estado de emergência” no País até o fim do ano. A única emergência que motiva
essa PEC é a situação de Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto. E os
bolsonaristas ainda dizem que admiram os Estados Unidos com sua Constituição
enxuta e pouco emendada. Na célebre definição de La Rochefoucauld, a hipocrisia
é a homenagem que o vício presta à virtude.
Entre os ataques do governo de Jair
Bolsonaro contra a República, observam-se violações da legislação eleitoral e
ambiental, violências contra o princípio federativo, tentativas de subjugar os
órgãos de controle, manobras para dificultar a transparência dos atos da
administração federal, ações para intimidar e censurar opositores políticos,
manipulação de programas sociais para fins partidários, agressões contra o
Judiciário e sua independência, campanha difamatória contra as urnas
eletrônicas e a Justiça Eleitoral, uso da máquina pública – em especial, da
Receita Federal e Polícia Federal – para atender a interesses familiares,
criação e difusão de desinformação, tentativas de interferência nas polícias
estaduais, deturpação do sistema tributário para fins eleitorais, opacidade da
gestão orçamentária e desprezo pelas regras de responsabilidade fiscal e pela
segurança jurídica, com a PEC dos Precatórios. Isso sem falar das suspeitas de
corrupção envolvendo os Ministérios da Educação e da Saúde, com denúncias de
superfaturamento desde compra de vacina contra a covid até licitação de ônibus
rurais escolares, além de toda atuação negacionista, desorientadora e desumana
de Jair Bolsonaro na pandemia.
É a República ultrajada, como se não
houvesse Constituição ou lei, como se o exercício do poder fosse mero arbítrio,
como se tudo, rigorosamente tudo, estivesse à disposição dos interesses
particulares do inquilino do Palácio do Planalto. Simplesmente, não é assim que
funciona no Estado Democrático de Direito. Há separação de Poderes e
delimitação de competências. Há normas que regem o funcionamento de cada cargo
público.
É uma tremenda obviedade, mas com Jair
Bolsonaro é necessário que se diga. A posse na Presidência da República não dá
autorização para destruir o Estado brasileiro. Não é fácil acompanhar o ritmo
de ataques contra a Constituição e o bom funcionamento da máquina pública
operado pelo governo federal, mas é preciso resistir. Não basta contar os dias
até 1.º de janeiro de 2023. Todos – órgãos de controle, partidos políticos e
sociedade civil organizada – precisam atuar e frear o retrocesso. Há um País a
ser preservado.
Os curtos-circuitos do populismo
O Estado de S. Paulo
Como se vê no Reino Unido, que cresceu menos do que poderia e exporta cada vez menos após o Brexit, a cosmovisão simplista dos líderes populistas só agrava os problemas que denunciam
O populismo é a sombra permanente da
democracia representativa. Seu traço mais característico é a divisão
maniqueísta da sociedade entre um povo genuíno e uma elite corrupta que
controla instituições intermediárias, como os partidos políticos, o Judiciário,
a imprensa ou a academia. O líder populista alega que ele, e só ele, representa
a vontade do povo, e promete romper as coerções institucionais que o frustram.
Este antielitismo e este antipluralismo são
comuns à direita e à esquerda. À esquerda, o populismo usualmente enfatiza a
divisão de classes, ataca os ricos e privilegiados e se concentra na regulação
da economia. Essa é a forma mais comum na América Latina. À direita, ele
explora divisões étnicas ou religiosas e foca nas ameaças das elites liberais e
“globalistas” às tradições nacionais. O nativismo é especialmente proeminente
na Europa ou EUA.
Explorando frustrações econômicas ou
ansiedades identitárias, os populistas tentam ocupar o Estado, demonizar os
críticos e aparelhar as instituições. Em campanha permanente, eles geralmente
multiplicam os gastos para comprar apoio, levando a crises fiscais, em uma
espécie de esquema de “pirâmide”, sempre oferecendo novas e maiores promessas,
antes que as velhas sejam cobradas.
O círculo vicioso é que, quanto mais os
líderes populistas se mostram incompetentes na arte de governar, quanto mais as
suas aventuras heterodoxas fracassam em entregar os resultados prometidos, mais
eles dobram a aposta na polarização, distraindo a atenção do debate público com
guerras culturais e combates contra oponentes reais ou fabricados. Cada eleição
é uma disputa apocalíptica entre “nós” e “eles”.
O Brexit é um caso exemplar. Como notou a
revista The Economist, poucos países pareciam ter um sistema imunológico
mais apto a resistir ao vírus populista do que a Inglaterra. O Parlamento é uma
das instituições representativas mais antigas do mundo. A última revolução
violenta ocorreu em meados do século 17. Seus maiores líderes sempre
consideraram referendos como uma ferramenta útil a autoritários e demagogos.
Ainda assim, o país optou por utilizar essa
ferramenta para deliberar sobre a questão mais complexa e profunda da política
econômica britânica: sua relação com seu principal parceiro político e
econômico. Mas durante a campanha essa complexidade foi turvada por
ressentimentos identitários e nostalgias nacionalistas. Para muitos eleitores,
o referendo foi apenas um pretexto para rejeitar o establishment. “Retomar o
controle!” foi o slogan preferido dos brexiteers.
Previsivelmente, o resultado foi o oposto.
O think-tank Centre for European Reform calcula que no fim de 2021 o PIB inglês
estava 5,2% abaixo do que estaria sem o Brexit. Os acordos comerciais
pós-Brexit não foram suficientes para repor as perdas com a saída do mercado
comum europeu. Enredadas por novas burocracias, atrasos na alfândega e tarifas,
as empresas inglesas exportaram no final do ano passado 16% menos do que em
2019, enquanto o comércio global cresceu 6%. O declínio na abertura econômica
continuará afetando a produtividade e a renda dos ingleses num futuro
próximo.
Os apoiadores do Brexit queriam afirmar a
soberania e independência do Parlamento britânico em relação a Bruxelas. Mas,
ao obrigá-lo a consumar um divórcio cuja maioria dos parlamentares era contra,
precipitou uma turbulência política e mesmo constitucional cujos efeitos
perdurarão. O contingente de autoridades na Irlanda do Norte e Escócia que
advogam pela sua independência em relação ao Reino Unido cresce a cada dia.
No início das negociações sobre as novas
relações econômicas com o bloco europeu, o hoje primeiro-ministro e então
ministro das Relações Exteriores, Boris Johnson, estava tão inebriado pelas
suas próprias promessas populistas que ousou desafiar um velho adágio do
pragmatismo anglo-saxão: “Nossa política é ter o bolo e comê-lo”. Mas o tempo
deu razão ao então presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk: “Não haverá
bolos na mesa. Para ninguém. Só sal e vinagre”.
É preciso melhorar o gasto no SUS
O Estado de S. Paulo
É vergonhoso que 30% dos recursos destinados ao sistema de saúde sejam mal empregados
Um estudo recente do Banco Mundial revelou
que 30% dos recursos da União que são destinados ao Sistema Único de Saúde
(SUS) são mal empregados, ou seja, ainda que vultoso, é um gasto ineficiente.
Além de remunerar melhor os serviços que são prestados pelo SUS, portanto, é
preciso empregar melhor esses recursos.
A saúde já tem um dos maiores orçamentos da
administração pública nos três níveis. Em 2019, foram investidos R$ 304
bilhões. Mas, “se os padrões atuais de crescimento nominal dos gastos se
mantiverem, a conta do SUS chegará a R$ 700 bilhões até 2030”, escreveram os
autores do estudo do Banco Mundial, noticiado pelo Estadão. A razão é
clara: o envelhecimento da população implica aumento da complexidade dos
serviços médicos de que necessitam os mais idosos, o que, consequentemente,
aumenta a pressão financeira sobre todo o sistema.
O Banco Mundial não se limitou ao
diagnóstico do problema. Propõe soluções. Uma delas é melhorar a escala de
atendimento. Muitos hospitais em pequenos municípios poderiam se tornar postos
de saúde, direcionando mais investimentos para hospitais gerais em municípios
maiores, que atenderiam cidades contíguas. Há má distribuição de recursos
humanos pelo País. Além de melhor alocá-los, esses profissionais precisam ser
valorizados, premiando o bom desempenho. Por fim, é fundamental a adoção de
mais parcerias público-privadas (PPPs).
O SUS deve ser cuidado permanentemente para
que não entre em colapso e deixe desamparados algo em torno de 7 a cada 10
brasileiros que precisam de atendimento médico. Se ainda havia dúvidas sobre a
importância de bem administrar e capacitar o SUS para atender a esmagadora
maioria da população, a pandemia de covid-19 dissipou uma a uma.
O SUS nasceu do sonho de alguns médicos
sanitaristas, parlamentares e organizações da sociedade civil. Primeiro, veio o
desejo de oferecer aos brasileiros um sistema público de saúde que fosse
universal e gratuito. Foi uma revolução. Até pouco antes da Assembleia Nacional
Constituinte, a saúde, convém lembrar, era tratada como uma mercadoria,
acessível apenas aos que podiam pagar por serviços médicos ou aos que ao menos
tinham um emprego formal, condição de admissão nos hospitais do antigo
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Fora
isso, só havia os prestimosos serviços das Santas Casas de Misericórdia.
Após a promulgação da Constituição de 1988,
contudo, a saúde deixou de ser vista sob essa ótica mercadológica e passou a
ser tratada como um direito de todos e um dever do Estado.
Materializado aquele desejo inicial no texto constitucional (art. 196), veio, então, o desafio de encontrar os meios de financiamento de um sistema público de saúde universal e gratuito para mais de 200 milhões de brasileiros. O que já seria uma faina extraordinária para qualquer país do mundo, para um país de renda média como o Brasil beirava o devaneio. Esse desafio segue diante de nós ainda hoje, mais de três décadas depois.
Retrocesso social e econômico do país impõe
reformas
O Globo
O Brasil que se aproxima das eleições de
outubro retrocedeu no tempo. Enfrenta, como todos os países, choques
decorrentes da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas há aqui um
aspecto negativo adicional: o país tem sido incapaz de manter um crescimento
econômico suficiente para conseguir acabar com suas mazelas sociais, atrair
investimentos e promover o desenvolvimento.
Em razão da improdutividade crônica da
nossa economia, o Brasil não tem conseguido crescer acima de 1,5% ao ano sem
gerar pressão inflacionária ou outros desequilíbrios. Pelos cálculos da
economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, considerando esse crescimento pífio dos
últimos anos, o PIB per capita brasileiro só recuperará em 2029 o nível
atingido em 2013, de R$ 44 mil.
No “milagre econômico” da ditadura, o PIB
cresceu a taxas acima de 10%. Foi um ciclo artificial, dependente de crédito
externo, que terminou em crise pela vulnerabilidade do modelo. De lá para cá,
com exceção de espasmos pontuais, a involução em nosso potencial de crescimento
foi notável. Em 37 anos de estabilidade democrática, foram construídas
instituições fortes, e houve avanços incontestáveis. No campo econômico e social,
porém, o país retrocedeu até três décadas nos últimos anos, a depender do
indicador, como constatou reportagem do GLOBO.
A indústria tem perdido espaço para os
serviços, transição natural na evolução das economias. No Brasil, contudo, a
retração das fábricas foi mais forte e mais precoce. A produção industrial,
segundo o IBGE, está hoje em um patamar equivalente ao de 2009, retrocesso de
13 anos. Nos dados macroeconômicos, também voltamos ao passado. A inflação de
11,73% em maio ficou próxima dos 11,02% de novembro de 2003, 19 anos atrás. O
PIB do ano passado estacionou no mesmo nível de 2013, oito anos antes. Até na
destruição da Amazônia voltou-se aos indicadores de 2008, quando foram
derrubados 13 mil quilômetros quadrados da floresta, marca equivalente à de
2021.
O salto para trás também ocorreu no campo
social. O Brasil chegou a ser retirado do Mapa da Fome, das Nações Unidas, em
2014, quando menos de 5% da população passava fome. Hoje algumas estimativas
falam em até 15% da população, o equivalente a um recuo de 30 anos. Embora
esses números possam estar sujeitos a críticas metodológicas, o retrocesso é
inegável. A educação sofreu forte impacto do fechamento das escolas na
pandemia. Houve enorme atraso no aprendizado. Pesquisa com dados de São Paulo
revelou que, no ensino fundamental, o conhecimento em matemática retrocedeu a
2007, e o de português a 2011. Não haverá outra alternativa, a não ser
programas de reforço e recuperação.
O Brasil se beneficia de ciclos de
crescimento mundial, principalmente quando favorecem exportações de alimentos e
minerais, mas não aproveita a conjuntura positiva para dar um salto no patamar
de desenvolvimento. Quando a onda de expansão se esgota, volta ao que era, na
melhor das hipóteses. É preciso romper esse ciclo vicioso. Para isso, não
haverá outra saída a não ser promover reformas no Estado (em particular,
tributária e administrativa) e ampliar o investimento em educação. É a única
maneira de evitar retrocessos como os observados. E nada acontecerá sem a
mobilização de políticos, para além das disputas tacanhas em torno de recursos
para inaugurar obras em suas bases eleitorais.
Combater desperdício de água é vital diante
das mudanças no clima
O Globo
Com a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento em 2020, grupos privados
foram estimulados a participar de licitações de água e esgoto, para executar
investimentos que resgatem o saneamento básico brasileiro de seu estado
deplorável. Um dos principais desafios do setor é evitar o desperdício de água.
Perto de 40 milhões de brasileiros não
recebem água tratada, enquanto 66 milhões, ou 30% da população, poderiam ser
abastecidos com a que se esvai na distribuição, por onde escapa 40% do que é
bombeado, segundo o Instituto Trata Brasil. Diariamente o país desperdiça mais
de sete vezes o volume do sistema de abastecimento Cantareira, o maior de São
Paulo.
Num bloco de dez países latino-americanos,
o Brasil, com 41% de perda de faturamento na distribuição, fica em sexto lugar,
melhor que Uruguai (51%) ou Costa Rica (47%), mas pior que Bolívia (27%) e
Chile (31%). Esse índice aumentou todos os anos entre 2016 e 2020. Na
comparação com outros países, perdemos mais água que Camarões (39,5%), África
do Sul (33,7%) e Etiópia (29%).
O desperdício na distribuição chegou a
representar um prejuízo de R$ 1,2 bilhão para a recém-privatizada Cedae, do Rio
de Janeiro. As quatro concessionárias privadas que dividiram a rede da empresa
enfrentarão este e outros problemas, como a distribuição de água com geosmina,
uma alga que não existiria no reservatório da empresa se houvesse coleta e
tratamento de esgoto na região em um nível minimamente aceitável.
As experiências de concessionárias privadas
demonstram que elas alcançam índices de eficiência superiores aos das empresas
públicas no que diz respeito ao desperdício de água. Um exemplo é a Águas de
Niterói, que assumiu a concessão da cidade em 1999 com perdas estimadas em 40%
e as reduziu a 16%. No Rio de Janeiro, área de concessão da Cedae, as perdas
foram de 46,7% em 2020.
Antes do Novo Marco do Saneamento, apenas
7% dos 5.570 municípios eram atendidos por concessionárias privadas — que
respondiam por 33% dos investimentos, segundo a associação das concessionárias
(Abcon) e o sindicato dessas empresas (Sindicon). Esses números provam que
estatais do setor dão pouca atenção à melhoria e à expansão de suas redes.
Transferir a gestão à iniciativa privada, como demonstra o caso da Cedae, exige
enfrentar, além do corporativismo quase sempre presente em estatais, os
políticos que costumam usá-las como cabide de emprego ou para prestar favores em
troca de votos.
Não faltam estatísticas para comprovar que o país perdeu muito tempo até abrir mais espaço na área de saneamento para grupos privados. Com as mudanças climáticas, os ciclos de secas severas têm se tornado mais frequentes. Por isso é vital melhorar a gestão da água disponível, mesmo num país bem dotado de recursos hídricos como o Brasil. O desperdício já seria condenável num cenário convencional. Diante dos desafios impostos pelo clima, tornou-se inaceitável.
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