O Globo
A democracia é o ponto central da proposta
econômica feita por especialistas aos candidatos da oposição, explica Persio
Arida
Democracia ou economia? Eis um falso
dilema. “Há muitas vezes a percepção no mercado financeiro de que o que importa
é a economia. Deixa a democracia de lado. É um enorme equívoco. Quando a
democracia está afetada, a economia piora também. Como a gente viu em vários
episódios da nossa história.” É o que diz o economista Persio Arida. Ele e
cinco especialistas fizeram um conjunto de sugestões de políticas para o
próximo governo, “democrático e progressista”, como definem no documento. As
propostas não foram repassadas à campanha de Bolsonaro.
— Partindo do princípio de que o valor fundamental que devemos ter é a democracia, governos que nos parecem ameaçar esse princípio, como é o caso do presidente Bolsonaro, a ele não nos interessa dar conselhos. E não sei se a ele interessaria ouvir conselhos, tampouco — disse Persio em entrevista que me concedeu ontem na Globonews.
A proposta parte de uma regra fiscal
temporária que abrigue um aumento de despesas de um ponto percentual do PIB, R$
100 bilhões. Essa licença para gastar teria direção, 60% dela, para reforçar a
rede de proteção social dos brasileiros mais pobres, os outros 40%, para
ciência e tecnologia.
O waiver, como tem sido dito no mercado
financeiro, já começou a ser defendido em várias campanhas e até no governo
Bolsonaro. Mas os valores têm sido muito maiores, até porque a atual
administração armou bombas fiscais que estourarão no ano que vem. A ideia do
“grupo dos seis” foi formulada antes da PEC eleitoral. Eles defendem uma regra
fiscal permanente, mas com essa licença para elevação temporária de gastos, até
se firmar o novo parâmetro. Como a preocupação central é a democracia, os
autores acham que é fundamental garantir a sustentação política do próximo
governo.
— Um novo governo terá que enfrentar uma
situação internacional ruim e aqui dentro uma oposição aguerrida. Bolsonaro
pode perder a eleição, imagino que deva perder, mas o bolsonarismo continua. A
polarização não vai se dissipar no período de vigência do novo governo. Haverá
dificuldade de negociação com o Congresso, porque não se pode tolerar o
orçamento secreto. Nesse contexto, o novo governo precisará de programas
sociais para chamar de seu — explica Persio.
Ele hoje preside o Centro de Debate de
Políticas Públicas, e as contribuições foram resultado do trabalho de um ano
com os economistas Bernard Appy, Marcelo Medeiros, Francisco Gaetani, o
advogado Carlos Ari Sundfeld e o cientista político Sergio Fausto. São ideias,
não um programa de governo. Eles não sugerem uma “política industrial”, da
forma como sempre foi feita, com empréstimos subsidiados do BNDES a empresas,
mas defendem investimentos numa forte agenda ambiental que qualifique o Brasil
para a governança mundial de meio ambiente. Uma das ideias é a criação de uma
secretaria extraordinária de emergência climática.
Sugerem política de estímulo ao emprego,
que reduza os encargos trabalhistas para menores salários de tal forma a
incentivar a contratação de mão de obra menos qualificada. O documento
incorpora a ideia da reforma tributária, como sempre foi defendida por Bernard
Appy, um dos autores, e defende a reforma do Estado como parte essencial do
aumento de produtividade.
Na entrevista, Persio enfatizou que não
será fácil administrar o país, pela herança das “bombas de efeito retardado”, e
porque a melhora fiscal é só aparente.
— Tudo o que o governo alardeou em contas
públicas é baseado no binômio inflação alta e congelamento de salários de
servidores públicos. A inflação aumenta a arrecadação, as despesas ficam
constantes e parece que o estado fiscal é bom. Isso é um erro de raciocínio. O
Brasil já fez esse truque várias vezes — disse Persio.
Quando era bem jovem, Persio participou da
formulação das ideias que levaram ao Plano Real. Diz que permanece esperançoso
com o país.
— O Brasil é difícil, complexo, mas com um
bom presidente, um bom time, o apoio da população, o país pode se transformar
em algo absolutamente extraordinário. Eu fico indignado de ver a pobreza na rua
e me pergunto como é possível que tenhamos chegado a esse ponto. É uma
indignação cívica — diz Persio.
Em tempos de empresários defendendo golpe e ditadura, em conversas de Whatsapp, é um alento ver essa vinculação entre economia e democracia. Só na democracia a economia poderá atender às urgências do país.
Um comentário:
Míriam Leitão sofreu na própria pele os efeitos da ditadura,portanto,ela é mais do que qualificada pra falar sobre o assunto.
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