Editoriais / Opiniões
Candidatos a gastar
Folha de S. Paulo
Lula e Bolsonaro prometem mais despesa, o
que eleva risco de crise de confiança
Como é de esperar em períodos eleitorais,
proliferam as promessas dos candidatos em favor de mais gastos públicos. Tal
postura se torna mais temerária no contexto atual de fragilidade do Orçamento
da União, que exigirá do próximo governo prudência e boas escolhas.
A julgar pelos programas
dos dois candidatos líderes nas pesquisas de intenção de voto
para a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) não
estão preocupados com restrições fiscais.
O que se observa é um alinhamento em torno
da perigosa tese de que o Orçamento atual é insuficiente e demanda uma ampla
flexibilização —ou mesmo o abandono do teto de gastos inscrito na Constituição,
ainda a principal regra a conferir alguma disciplina na gestão das finanças
federais.
Bolsonaro promete corrigir a tabela do
Imposto de Renda, manter o Auxílio Brasil em R$ 600 mensais de forma permanente
e cortar mais impostos, sem considerar que tal conduta levará a maior
crescimento da dívida pública.
Já Lula advoga abandonar o teto para ampliar despesas sociais e investimentos públicos, além de retomar o estatismo e as políticas setoriais que caracterizaram as gestões petistas. A esquerda, em geral, continua a ignorar que o melhor meio de não depender dos famigerados rentistas é não fazer dívida.
Um estudo mais cuidadoso dos números
evidencia os riscos de tais propostas. Segundo pesquisadores do Ibre, da
Fundação Getulio Vargas, o rombo orçamentário potencial em 2023 pode chegar a
R$ 423 bilhões, cerca de 5% do Produto Interno Bruto.
Nesta conta estão uma infinidade de riscos
para o Tesouro Nacional. Entre eles, a prorrogação do Auxílio Brasil nos moldes
atuais, prováveis reajustes salariais para o funcionalismo e a revisão de despesas
discricionárias, em princípio para aumentar investimentos.
Também entram no cálculo a permanência das
desonerações de impostos, custos com governos regionais, como a suspensão do
pagamento de dívidas com a União, a prometida correção da tabela do Imposto de
Renda das pessoas físicas, maiores despesas com juros e dívidas judiciais
(precatórios).
Diante de todas essas pressões, ganha
adeptos a ideia de uma espécie de permissão para gastar no próximo ano,
enquanto se discute uma nova regra fiscal. O perigo desse caminho é que
promessas de austeridade futura carregam cada vez menos credibilidade, menos
ainda com a taxa básica de juros já fixada em 13,75% anuais.
É preciso, ao contrário, sinalizar que não
haverá irresponsabilidade. Foco nas despesas sociais, revisão de emendas
parlamentares para abrir espaço a investimentos, uma reforma tributária que
reduza incertezas do lado da arrecadação fazem parte do receituário.
O novo governo precisará organizar com
rapidez uma agenda complexa, e os candidatos deveriam apresentar suas
prioridades econômicas e soluções convincentes ainda na campanha eleitoral. Do
contrário, o próximo presidente, qualquer que seja, correrá o risco de assumir
o Planalto em meio a uma crise de confiança já instalada.
Milícia na mira
Folha de S. Paulo
Grupo criminoso é alvo de operação incomum
baseada em inteligência policial
Na manhã de quinta-feira (25), a milícia do
Rio de Janeiro foi alvo de mandados de prisão e de busca e apreensão contra
membros do grupo chefiado por Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho —considerado
o maior do estado, com atuação na zona oeste da capital e na Baixada
Fluminense.
Cerca de 120 agentes participaram da
operação liderada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e pela Polícia
Federal. É incomum que ações deste porte sejam direcionadas contra grupos
milicianos, e a arma seja a inteligência policial.
Ao menos oito
pessoas foram presas, em meio a 23 mandados de prisão temporária
expedidos pela vara fluminense especializada em combate ao crime organizado.
Entre elas está Geovane da Silva Mota, o GG, segundo na hierarquia do grupo de
Zinho. Mota estava num hotel de luxo em Gramado (RS); o líder não foi
encontrado.
Mais importante é a possibilidade de essas
detenções contribuírem para que sejam detalhados a estrutura e o modo de
operação dos milicianos. Segundo os responsáveis pela apuração, a organização
pratica "matança
generalizada" de seus opositores, mantendo um setor de
inteligência com os dados pessoais de seus alvos.
Desde que o irmão de Zinho, Wellington da
Silva Braga, o Ecko, foi morto pela polícia, o conflito entre milicianos se
intensificou no Rio. O grupo rival é liderado por Danilo Dias Lima, o Tandera,
que tem sido objeto de operações mais frequentes da Polícia Civil fluminense.
Em 20 de agosto, quatro suspeitos de serem
milicianos foram mortes em Nova Iguaçu. Na terça (23), policiais apreenderam um
veículo atribuído à mesma organização.
O desmantelamento dessas redes também passa
por investigar os laços de corrupção que sustentam a milícia dentro das
próprias polícias, bem como bloquear as fontes de recursos ilegais.
Operações com base em inteligência tendem a ser mais bem-sucedidas nessa tarefa do que ações espetaculosas que não raro terminam com a morte de inocentes.
Brasil precisa ampliar tempo integral no
ensino
O Globo
Cabe a governadores estender período de
permanência na escola para atingir meta de um quarto das matrículas
O Censo Escolar feito no ano passado trouxe
uma boa notícia: mais escolas públicas têm adotado o regime de sete a nove
horas diárias de estudo no ensino médio, em vez de apenas quatro a cinco horas.
Foram feitas 960 mil matrículas em tempo integral, ou 15% do total. As 4.300
escolas que adotaram o sistema já correspondem a 22% da rede pública, e neste
ano o regime deverá chegar a 1 milhão de alunos. Mas ainda é pouco. Uma das
metas do Plano Nacional de Educação é que 50% das escolas sejam de tempo
integral, atendendo a 25% das matrículas. E não apenas no ciclo médio, mas em
todo o ensino básico.
O tempo de permanência na escola está
vinculado ao rendimento dos alunos. O turno integral é mais caro. Mas, de
acordo com o que disse o economista Ricardo Paes e Barros ao jornal Valor
Econômico, o que tem faltado não é dinheiro. É encarar a pauta como prioridade.
Cabe aos governadores apoiar a ampliação do tempo dos alunos em sala de aula.
Não é uma expectativa absurda, já que o regime começou nas secretarias
estaduais para depois chegar ao Ministério da Educação. Não basta também só
aumentar o turno, a ampliação precisa ser feita prioritariamente nas
disciplinas básicas: matemática e português.
Depois das melhorias no ensino fundamental
resultantes dos mecanismos de avaliação implementados nas últimas décadas, as
preocupações se voltaram para o ciclo médio, em que ainda há alta evasão e
baixo aprendizado. O ensino médio em tempo integral reduz a violência, a
criminalidade e a incidência de gravidez de adolescentes, de acordo com artigo
publicado em 2015 por pesquisadores do Banco Mundial.
Um exemplo de sucesso no Brasil é
Pernambuco. Quando o estado decidiu aderir ao tempo integral, estava na 21ª
posição do ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Quinze anos depois, chegou ao segundo lugar, abaixo apenas de São Paulo. No
último Ideb, de 2019, estava em terceiro, entre as melhores redes de ensino
público do país. A nota média dos alunos das escolas de tempo integral foi 30%
superior em matemática e 50% em português, na comparação com os estudantes do
resto da rede escolar durante os três anos do ensino médio, de acordo com
estudo na Economics of Education Review, citado pelo colunista do GLOBO Antônio
Gois.
O novo modelo avançou mais no Nordeste e
precisa se expandir pelo país. A carga horária reduzida, de quatro a cinco
horas, é uma herança de quando faltavam escolas no Brasil, um tempo que já
ficou para trás. O turno de menos de sete horas de ensino diário, dizem os
pedagogos, é insuficiente para os professores oferecerem reforço nas
disciplinas convencionais e trabalharem as habilidades socioemocionais dos
alunos. O país está implementando um currículo unificado com uma reforma
ambiciosa no ensino médio. É muita mudança para pouco tempo de sala de aula.
Sem o turno integral, a qualidade do ensino não melhorá tanto quanto precisa.
Difusão do antissemitismo durante governo
Bolsonaro é preocupante
O Globo
Relatório constata que as violações de teor
neonazista ou antissemita têm dobrado a cada ano desde 2019
Na reta final do mandato do presidente Jair
Bolsonaro, um relatório do Observatório Judaico dos Direitos Humanos traz
indícios preocupantes do avanço da ideologia nazifascista e do antissemitismo
no Brasil durante seu governo. Sustentado em farta coleção de evidências, o
trabalho intitulado “Relatório de eventos antissemitas e correlatos no Brasil”
relaciona manifestações, ocorrências policiais, decisões de governo e
declarações de teor antissemita desde a posse de Bolsonaro até junho de 2022.
Os números compilados são eloquentes. As
violações noticiadas pela imprensa profissional dobraram a cada ano, indo de 24
em 2019 para 67 em 2021, de acordo com o relatório. Só no primeiro semestre
deste ano, já chegaram a 47. De acordo com a associação de direitos humanos
SaferNet, em 2019 sua Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos
recebeu e processou 1.071 informações sobre alguma ação neonazista. No ano
passado, foram 14.476, um salto de 1.251%. Pelo levantamento da antropóloga
Adriana Dias, estudiosa dos grupos de extrema direita, em 2019 existiam no país
334 células neonazistas. O número subiu para 530 em 2021 — 60% de aumento.
O relatório também registra o uso de slogans
nazistas e fascistas em manifestações bolsonaristas, além de simbologia e
iconografia associadas ao nazifascismo. Não é por acaso. Bolsonaro pôs o Brasil
no mapa da extrema direita mundial. Na posse, recebeu com tratamento especial o
primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, cujo nacionalismo é temperado por
campanhas de teor antissemita e discursos de pureza étnica. Recebeu no ano
passado a visita de Beatrix von Storch, do partido de ultradireita Alternativa
para a Alemanha (AfD), cuja plataforma é antissemita, racista, islamofóbica e
xenófoba.
Um dos méritos do relatório é mostrar o
efeito trágico para os jovens das opiniões tóxicas que circulam nas redes
sociais. Vem daí a motivação para ameaças e ataques inspirados na ideologia
neonazista. Foi o caso da invasão, em março de 2019, de uma escola em Suzano,
São Paulo, por dois ex-alunos que mataram cinco estudantes e duas funcionárias
(um dos terroristas matou o outro, depois se suicidou).
Outro caso foi o assassinato de três
crianças, uma professora e uma funcionária, em maio de 2021, num ataque à
creche Aquarela, em Saudades, Santa Catarina. O governo americano ajudou
autoridades brasileiras a encontrar e a desbaratar células de extremistas
neonazistas vinculadas ao ataque. O celular do assassino foi enviado para uma
investigação nos Estados Unidos que originou quatro mandados de prisão e 31 de
busca e apreensão contra neonazistas em seis estados brasileiros.
Tragédias assim são mais frequentes em países onde o ideário neonazista tem raízes sólidas. No governo Bolsonaro, infelizmente se tornaram mais comuns no Brasil, em razão da articulação de grupos que encontraram aqui um terreno acolhedor. Enfrentá-los exige, além da ação imediata e determinada das instituições do Estado, informações confiáveis, como as fornecidas pelo relatório.
Educação para salvar a Amazônia
O Estado de S. Paulo
A conscientização ambiental, o desenvolvimento sustentável e a preservação da maior florestatropical do planeta devem entrar nos currículos e nas salas de aula das escolas do País
A preservação da Amazônia passa pela
educação. Não só nos Estados que compõem a Amazônia Legal, mas no Brasil
inteiro é preciso assegurar que as atuais e as futuras gerações tenham clareza
sobre o que está em jogo em meio à devastação que não para de crescer. Como
mostrou o Estadão nos últimos dias, eis uma tarefa das escolas de
todo o País: possibilitar que seus alunos conheçam, mais e melhor, a realidade
da maior floresta tropical do planeta.
Conhecimento, aqui, é sinônimo de
valorização. Quanto mais souberem sobre a Amazônia, mais os estudantes
brasileiros agirão em sua defesa. Por isso, são bem-vindas iniciativas para
fazer da Amazônia um tema transversal nas escolas do País, levando para as
salas de aula as mais variadas questões relacionadas ao contexto amazônico,
seja no estudo de biologia, geografia e história, seja em qualquer outro
componente curricular. Igualmente válida é a proposta de criação de uma
disciplina específica dedicada à Amazônia no Novo Ensino Médio.
O Brasil tem mais de 40 milhões de
estudantes só na educação básica, dos quais mais de 7 milhões no ensino médio.
Disseminar conhecimento sobre a Amazônia há de reforçar a conscientização e a
luta pela preservação da floresta. Quem compreende a importância da Amazônia
para a regulação do clima global ou para o ciclo de chuvas em outras regiões do
País não fica indiferente à sua devastação. Isso passou a ser ainda mais
necessário diante da completa falta de uma política ambiental digna desse nome
no governo do presidente Jair Bolsonaro.
Quem acompanha os dados do monitoramento
ambiental da região já deve ter percebido que a área total desmatada só
aumenta. A cada novo levantamento, o que varia é o ritmo de destruição − se a
área devastada, no período observado, foi maior ou menor do que no período
anterior. Não há dúvida, portanto, de que é preciso falar sobre o tema com os
estudantes brasileiros, aprofundando a compreensão das possibilidades e dos
desafios amazônicos. Isso envolve ir além das questões ambientais, como disse
ao Estadão a secretária executiva da rede Uma Concertação pela
Amazônia, Renata Piazzon, que é também diretora do Instituto Arapyaú: “Não dá
para a gente resolver o problema do desmatamento da Amazônia só olhando para
agenda ambiental”, resumiu ela.
A rede reúne representantes do meio
acadêmico, do poder público e da sociedade civil, entre eles o apresentador
Luciano Huck, o economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o
ex-presidente do banco Itaú Candido Bracher e o ex-ministro da Fazenda Joaquim
Levy. O foco é a promoção do desenvolvimento sustentável, com envolvimento
direto da população local na construção de soluções. A esse propósito, vale
recordar a ideia de que a floresta em pé precisa valer mais do que destruída.
Esse, sim, é um caminho para conter o desmatamento.
A melhoria da qualidade do ensino nas
escolas da Amazônia é outro desafio que põe a educação no centro das
estratégias de valorização e preservação da floresta. Como se sabe, a Região
Norte tem indicadores educacionais e sociais abaixo da média nacional, lida com
populações esparsas, grandes distâncias e dificuldades de acesso. Reconhecer os
saberes locais e a diversidade regional faz-se mais que necessário.
Com isso em mente, a rede Uma Concertação
pela Amazônia, ao lado do Instituto Reúna e do Instituto Iungo, quer que a
região, seus potenciais e seus dilemas entrem de vez no currículo do Novo
Ensino Médio, por meio do projeto Itinerários Amazônicos. A intenção é começar
pelas redes de ensino de Amazonas, Amapá e Roraima em 2023. Como informou
o Estadão, uma boa notícia é que os conteúdos deverão ser disponibilizados
para professores do País inteiro − a esse respeito, as entidades preparam um
curso de formação docente sobre o tema. “Hoje não se vê isso nos livros
didáticos”, observou o presidente do Instituto Iungo, Paulo Emílio Andrade.
Sim, a preservação da Amazônia passa pela educação, e as escolas têm uma enorme
contribuição a dar.
Banir livros não é inteligente
O Estado de S. Paulo
A pedido de pais, escolas dos EUA têm retirado obras de bibliotecas em meio a radicalismoideológico de conservadores que ignoram papel do debate na formação das novas gerações
Um distrito escolar no Estado do Texas, nos
Estados Unidos, determinou recentemente a retirada de dezenas de livros de suas
bibliotecas e salas de aula. Como noticiou o Estadão, a lista contém 41
títulos, entre eles a Bíblia e uma versão adaptada para história em
quadrinhos de O Diário de Anne Frank, relato da menina judia que viveu
dois anos em um esconderijo para escapar do nazismo, antes de morrer em um
campo de concentração. As obras foram contestadas por pais e parentes de alunos
no último ano letivo e deverão ser revisadas por um comitê encarregado de dar a
palavra final.
A mobilização para banir livros de
bibliotecas escolares ganha força nos Estados Unidos a reboque do radicalismo
ideológico que avança entre setores conservadores, em tempos de crescente
polarização. Mais de 1.500 obras já foram excluídas de escolas em 26 Estados
americanos desde julho do ano passado, segundo balanço da Pen America, entidade
que defende a liberdade de expressão. A iniciativa de banir livros de
bibliotecas escolares não poderia ser mais equivocada. Sem dúvida, um mau
exemplo que serve de alerta para os riscos do radicalismo ideológico, seja de
direita ou de esquerda.
Pior ainda quando se tem em mente que a
proibição se dá em escolas. Ora, o ambiente educacional é dedicado à
aprendizagem e à convivência. Ou seja, à formação das novas gerações. É lá,
mais do que em qualquer outro lugar, que se espera que os estudantes tenham
acesso a diferentes visões de mundo e sejam confrontados com a pluralidade de
ideias que circulam na sociedade. Até para formar suas próprias opiniões e
dispor de argumentos contra o que rejeitam, é essencial que os alunos cresçam
em ambientes arejados e livres de censura, ignorância e preconceitos.
No caso do distrito escolar de Keller, que
atende 35 mil estudantes no norte do Texas, o ponto de partida para o banimento
de livros são contestações e denúncias de pais e parentes. Um erro. Não que
pais e responsáveis não devam ser ouvidos. Pelo contrário. O envolvimento das
famílias com a educação dos filhos é mais que desejável. Crianças e
adolescentes tendem a aprender mais quando recebem apoio em casa. Da mesma
forma, o engajamento das famílias reverte em melhoria das escolas.
O erro, aqui, está na crença de que banir
livros possa ser algo necessário ou positivo para a formação escolar dos
filhos. Deixemos claro: não é. E por vários motivos. Primeiro, porque impedir
que um estudante leia determinada obra limita seu conhecimento sobre o mundo. O
resultado é menos e não mais, na medida em que ninguém se torna mais sábio
pelos livros que não leu. Se há ideias equivocadas que merecem ser rejeitadas,
cabe contextualizá-las e expor suas debilidades. Cotejá-las com outras,
debatê-las. Eis o papel da escola.
Em segundo lugar, o banimento de livros
passa a mensagem absurda de que seria adequado (e possível) eliminar do mundo
ideias das quais se discorda. Nada mais equivocado e perigoso − semente de
regimes totalitários que já tiraram a vida de milhões de pessoas ao longo da
história. Sem falar no efeito contrário que tal atitude pode gerar: um dos
títulos banidos de uma escola nos Estados Unidos bateu recordes de vendas
depois. O que remete ao terceiro ponto: em tempos de internet e de acesso cada
vez mais facilitado à informação, a ideia de que retirar exemplares de uma
biblioteca ou sala de aula possa privar os alunos do conteúdo da obra soa
ingênua, no mínimo.
A mobilização para banir livros reflete uma
visão autoritária e completamente equivocada também sobre a educação e o papel dos
educadores. Um mau exemplo que não deve ser seguido. Seja nos Estados Unidos ou
em qualquer outro país democrático, é preciso impedir que escolas fiquem reféns
desse tipo de censura que não condiz com a democracia − menos ainda na maior
economia do mundo. Felizmente, existe solução para o problema, e ela passa por
mais educação e não menos. Com bibliotecas e salas de aula repletas não só de
livros, mas de ávidos leitores.
A covid ainda está por aí
O Estado de S. Paulo
Já passa de 1 milhão o número mundial de mortes neste ano, o que só reforça a urgência de ampliação da vacinação
A Organização Mundial da Saúde (OMS) acaba
de anunciar que mais de 1 milhão de mortes por covid-19 foram registradas no
mundo entre janeiro e agosto deste ano. É um número estarrecedor e inaceitável,
considerando que a humanidade dispõe de recursos e tecnologia − no caso, a
vacina − para impedir as formas graves da doença. Não resta dúvida, portanto,
quanto ao que precisa e deve ser feito: acelerar o ritmo de vacinação.
Ao divulgar o novo dado, o diretor-geral da
OMS, Tedros Adhanom, reiterou que a humanidade “tem todas as ferramentas
necessárias para prevenir essas mortes”. É isso mesmo: quase dois anos e meio
depois que a própria OMS declarou o início da pandemia, em março de 2020,
diversas vacinas foram desenvolvidas e aprovadas pelos órgãos de saúde, com
produção suficiente para atender a população mundial. O cenário, portanto, é
outro.
Resta, então, ampliar urgentemente a
cobertura vacinal, o que vem sendo feito, mas não no ritmo necessário. Em
janeiro, como lembrou o diretor-geral da OMS, 34 países tinham taxa de
cobertura inferior a 10% da população, quase todos na África. Esse número caiu
para 10 países − o que continua sendo incrivelmente assustador. Sim, é sempre
espantoso perceber o tamanho das disparidades internacionais.
Mesmo em países como o Brasil, onde 79% dos
habitantes completaram o esquema vacinal primário (duas doses ou imunizante de
dose única), foram registrados 197 óbitos apenas na última quinta-feira, como
informou o Estadão, citando dados do consórcio de veículos de imprensa. Em
um único dia, quase duas centenas de óbitos − eis outra estatística
inaceitável, já que existe vacina para a doença. Esse é o ponto: considerando
que a vacina é comprovadamente eficaz na prevenção das formas graves da
covid-19, o número de mortes tende a cair quanto maior for a cobertura vacinal.
Daí a importância de que a mobilização para
vacinar mais pessoas, no Brasil inteiro, avance e não perca fôlego. O que faz
pensar no comportamento danoso e irresponsável de autoridades e candidatos, na
atual campanha eleitoral, que disseminam discursos negacionistas, relativizando
a necessidade da vacina. Nada mais equivocado. Nesse debate, o que está em
jogo, literalmente, é a vida de muita gente.
O Brasil responde por mais de 10% das
mortes por covid-19 registradas no planeta: 683 mil dos mais de 6,4 milhões de
óbitos em escala mundial. Como tudo na área da saúde, a maneira como a política
pública de imunização é executada faz toda a diferença. Um bom exemplo é São
Paulo, Estado que desde o início se destacou no enfrentamento da pandemia: o
índice paulista de cobertura do esquema vacinal primário está em 87,9% − acima
da média nacional. Ainda assim, há espaço para avançar, como de resto em todo o
Brasil e no mundo.
A marca mundial de mais de 1 milhão de mortes por covid-19 registradas em menos de oito meses, neste ano, é mais uma demonstração de que a pandemia está longe de ser página virada. O caminho para a superação dessa triste realidade é amplamente conhecido: ampliar a cobertura vacinal, sem dar ouvidos a quem prega o negacionismo.
Senado deve evitar pautas polêmicas até as
eleições
Valor Econômico
Rol taxativo já foi objeto do Judiciário, e
agora coloca em posições opostas o e integrantes da base aliada no Congresso
Seguindo a tradição de todo ano eleitoral,
mais uma vez o Senado trabalhou com parcimônia no segundo semestre, a partir do
momento em que as campanhas eleitorais começam a ganhar tração. Não sem
justificativa: dos 81 senadores, aproximadamente metade está na disputa. Cerca
de um terço tenta se reeleger. Outros senadores concorrem aos cargos de
governador, vice-governador, deputado federal, presidente da República ou vice.
O restante está envolvido de alguma forma nas campanhas eleitorais de aliados
nos Estados, mas todos deveriam evitar utilizar a pauta do Congresso para fazer
campanha.
Nesta semana, está previsto um novo esforço
concentrado. E a pauta requer atenção: dela consta o projeto de lei que trata
da obrigação dos planos de saúde de cobrirem tratamentos que não estejam
previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que pode acabar
com o chamado rol taxativo. O tema é sensível para consumidores, governo e
setor privado.
O assunto já foi objeto do Judiciário, e
agora tem colocado em posições opostas o próprio Executivo e integrantes da
base aliada no Congresso. Por outro lado, é defendida por associações que
representam pessoas com deficiência, autismo e doenças raras, entre outros
pacientes. O rol é uma lista dos procedimentos que os planos de saúde são
obrigados a cobrir para os usuários.
A matéria foi aprovada na Câmara no início
do mês, em reação a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomada em
junho. O tribunal decidira que os planos de saúde não seriam mais obrigados a
dar cobertura para tratamentos que não estivessem na lista da agência
reguladora, que conta com 3.368 itens. Ou seja, os magistrados haviam entendido
que a lista de procedimentos deve ter caráter taxativo, e não apenas exemplificativo.
Mas o projeto em análise no Parlamento vai
na contramão desse entendimento. De acordo com o texto aprovado pelos
deputados, as empresas devem ser obrigadas a custear qualquer tipo de
tratamento fora da lista de procedimentos elencados pela ANS desde que exista
comprovação da eficácia, baseada em evidências científicas, ou quando há
recomendação por parte da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no
Sistema Único de Saúde (Conitec).
No Senado, parlamentares chegaram a sugerir
que a legislação diga que ambas as condições são necessárias e não apenas uma
delas. Na prática, significaria trocar o “ou” pelo “e” no artigo em questão.
Mas a ideia não parece contar com muita adesão até agora.
Diante desse cenário, realizou-se na semana
passada uma audiência pública, a qual ganhou contornos de comício eleitoral em
alguns momentos. Nela, representantes do governo e do setor privado fizeram
alguns alertas.
O Ministério da Saúde argumentou que essa
mudança vai obrigar as operadoras de saúde a repassarem os custos para os
beneficiários, ponderando que a legislação já prevê, “de maneira muito clara”,
um processo administrativo para incorporação de novas tecnologias. “[Isso]
permite segurança e equidade nas incorporações. O que antes demorava dez anos
para ser incluído no rol hoje existe um prazo de seis meses para todas as
terapias e de 120 dias para as terapias oncológicas”, ponderou o ministro da
Saúde, Marcelo Queiroga, na ocasião.
Já a ANS informou que uma eventual
aprovação da matéria desconsidera o trabalho feito pela agência reguladora e
vai desequilibrar o setor, com parte considerável das operadoras ficando
impossibilitada de arcar com os custos dos novos procedimentos e risco de uma
migração de pessoas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Ocorre que no Brasil
já existe uma intensa judicialização para obrigar o SUS a realizar todo tipo de
tratamento, o que não é observado em outros países.
Por outro lado, outros convidados afirmaram
que os pacientes nem sempre podem esperar meses para conseguir obter
tratamentos já à disposição no mercado. Se estes têm buscado a Justiça para
tentar ampliar o acesso a esses tratamentos, tende a ser inevitável que as
operadores de planos de saúde também recorram ao Judiciário no caso de os
parlamentares concluírem a aprovação da proposta. E isso ocorrendo, o texto
precisará ser sancionado ou vetado pelo presidente da República. O local de
pressão apenas mudará de endereço.
Este não é um tema que pode ser debatido sem a devida profundidade. Os deputados e senadores, sempre em busca de dividendos eleitorais, deveriam ter cautela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário