segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Candidatos a gastar

Folha de S. Paulo

Lula e Bolsonaro prometem mais despesa, o que eleva risco de crise de confiança

Como é de esperar em períodos eleitorais, proliferam as promessas dos candidatos em favor de mais gastos públicos. Tal postura se torna mais temerária no contexto atual de fragilidade do Orçamento da União, que exigirá do próximo governo prudência e boas escolhas.

A julgar pelos programas dos dois candidatos líderes nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) não estão preocupados com restrições fiscais.

O que se observa é um alinhamento em torno da perigosa tese de que o Orçamento atual é insuficiente e demanda uma ampla flexibilização —ou mesmo o abandono do teto de gastos inscrito na Constituição, ainda a principal regra a conferir alguma disciplina na gestão das finanças federais.

Bolsonaro promete corrigir a tabela do Imposto de Renda, manter o Auxílio Brasil em R$ 600 mensais de forma permanente e cortar mais impostos, sem considerar que tal conduta levará a maior crescimento da dívida pública.

Já Lula advoga abandonar o teto para ampliar despesas sociais e investimentos públicos, além de retomar o estatismo e as políticas setoriais que caracterizaram as gestões petistas. A esquerda, em geral, continua a ignorar que o melhor meio de não depender dos famigerados rentistas é não fazer dívida.

Um estudo mais cuidadoso dos números evidencia os riscos de tais propostas. Segundo pesquisadores do Ibre, da Fundação Getulio Vargas, o rombo orçamentário potencial em 2023 pode chegar a R$ 423 bilhões, cerca de 5% do Produto Interno Bruto.

Nesta conta estão uma infinidade de riscos para o Tesouro Nacional. Entre eles, a prorrogação do Auxílio Brasil nos moldes atuais, prováveis reajustes salariais para o funcionalismo e a revisão de despesas discricionárias, em princípio para aumentar investimentos.

Também entram no cálculo a permanência das desonerações de impostos, custos com governos regionais, como a suspensão do pagamento de dívidas com a União, a prometida correção da tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, maiores despesas com juros e dívidas judiciais (precatórios).

Diante de todas essas pressões, ganha adeptos a ideia de uma espécie de permissão para gastar no próximo ano, enquanto se discute uma nova regra fiscal. O perigo desse caminho é que promessas de austeridade futura carregam cada vez menos credibilidade, menos ainda com a taxa básica de juros já fixada em 13,75% anuais.

É preciso, ao contrário, sinalizar que não haverá irresponsabilidade. Foco nas despesas sociais, revisão de emendas parlamentares para abrir espaço a investimentos, uma reforma tributária que reduza incertezas do lado da arrecadação fazem parte do receituário.

O novo governo precisará organizar com rapidez uma agenda complexa, e os candidatos deveriam apresentar suas prioridades econômicas e soluções convincentes ainda na campanha eleitoral. Do contrário, o próximo presidente, qualquer que seja, correrá o risco de assumir o Planalto em meio a uma crise de confiança já instalada.

Milícia na mira

Folha de S. Paulo

Grupo criminoso é alvo de operação incomum baseada em inteligência policial

Na manhã de quinta-feira (25), a milícia do Rio de Janeiro foi alvo de mandados de prisão e de busca e apreensão contra membros do grupo chefiado por Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho —considerado o maior do estado, com atuação na zona oeste da capital e na Baixada Fluminense.

Cerca de 120 agentes participaram da operação liderada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e pela Polícia Federal. É incomum que ações deste porte sejam direcionadas contra grupos milicianos, e a arma seja a inteligência policial.

Ao menos oito pessoas foram presas, em meio a 23 mandados de prisão temporária expedidos pela vara fluminense especializada em combate ao crime organizado. Entre elas está Geovane da Silva Mota, o GG, segundo na hierarquia do grupo de Zinho. Mota estava num hotel de luxo em Gramado (RS); o líder não foi encontrado.

Mais importante é a possibilidade de essas detenções contribuírem para que sejam detalhados a estrutura e o modo de operação dos milicianos. Segundo os responsáveis pela apuração, a organização pratica "matança generalizada" de seus opositores, mantendo um setor de inteligência com os dados pessoais de seus alvos.

Desde que o irmão de Zinho, Wellington da Silva Braga, o Ecko, foi morto pela polícia, o conflito entre milicianos se intensificou no Rio. O grupo rival é liderado por Danilo Dias Lima, o Tandera, que tem sido objeto de operações mais frequentes da Polícia Civil fluminense.

Em 20 de agosto, quatro suspeitos de serem milicianos foram mortes em Nova Iguaçu. Na terça (23), policiais apreenderam um veículo atribuído à mesma organização.

O desmantelamento dessas redes também passa por investigar os laços de corrupção que sustentam a milícia dentro das próprias polícias, bem como bloquear as fontes de recursos ilegais.

Operações com base em inteligência tendem a ser mais bem-sucedidas nessa tarefa do que ações espetaculosas que não raro terminam com a morte de inocentes.

Brasil precisa ampliar tempo integral no ensino

O Globo

Cabe a governadores estender período de permanência na escola para atingir meta de um quarto das matrículas

O Censo Escolar feito no ano passado trouxe uma boa notícia: mais escolas públicas têm adotado o regime de sete a nove horas diárias de estudo no ensino médio, em vez de apenas quatro a cinco horas. Foram feitas 960 mil matrículas em tempo integral, ou 15% do total. As 4.300 escolas que adotaram o sistema já correspondem a 22% da rede pública, e neste ano o regime deverá chegar a 1 milhão de alunos. Mas ainda é pouco. Uma das metas do Plano Nacional de Educação é que 50% das escolas sejam de tempo integral, atendendo a 25% das matrículas. E não apenas no ciclo médio, mas em todo o ensino básico.

O tempo de permanência na escola está vinculado ao rendimento dos alunos. O turno integral é mais caro. Mas, de acordo com o que disse o economista Ricardo Paes e Barros ao jornal Valor Econômico, o que tem faltado não é dinheiro. É encarar a pauta como prioridade. Cabe aos governadores apoiar a ampliação do tempo dos alunos em sala de aula. Não é uma expectativa absurda, já que o regime começou nas secretarias estaduais para depois chegar ao Ministério da Educação. Não basta também só aumentar o turno, a ampliação precisa ser feita prioritariamente nas disciplinas básicas: matemática e português.

Depois das melhorias no ensino fundamental resultantes dos mecanismos de avaliação implementados nas últimas décadas, as preocupações se voltaram para o ciclo médio, em que ainda há alta evasão e baixo aprendizado. O ensino médio em tempo integral reduz a violência, a criminalidade e a incidência de gravidez de adolescentes, de acordo com artigo publicado em 2015 por pesquisadores do Banco Mundial.

Um exemplo de sucesso no Brasil é Pernambuco. Quando o estado decidiu aderir ao tempo integral, estava na 21ª posição do ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Quinze anos depois, chegou ao segundo lugar, abaixo apenas de São Paulo. No último Ideb, de 2019, estava em terceiro, entre as melhores redes de ensino público do país. A nota média dos alunos das escolas de tempo integral foi 30% superior em matemática e 50% em português, na comparação com os estudantes do resto da rede escolar durante os três anos do ensino médio, de acordo com estudo na Economics of Education Review, citado pelo colunista do GLOBO Antônio Gois.

O novo modelo avançou mais no Nordeste e precisa se expandir pelo país. A carga horária reduzida, de quatro a cinco horas, é uma herança de quando faltavam escolas no Brasil, um tempo que já ficou para trás. O turno de menos de sete horas de ensino diário, dizem os pedagogos, é insuficiente para os professores oferecerem reforço nas disciplinas convencionais e trabalharem as habilidades socioemocionais dos alunos. O país está implementando um currículo unificado com uma reforma ambiciosa no ensino médio. É muita mudança para pouco tempo de sala de aula. Sem o turno integral, a qualidade do ensino não melhorá tanto quanto precisa.

Difusão do antissemitismo durante governo Bolsonaro é preocupante

O Globo

Relatório constata que as violações de teor neonazista ou antissemita têm dobrado a cada ano desde 2019

Na reta final do mandato do presidente Jair Bolsonaro, um relatório do Observatório Judaico dos Direitos Humanos traz indícios preocupantes do avanço da ideologia nazifascista e do antissemitismo no Brasil durante seu governo. Sustentado em farta coleção de evidências, o trabalho intitulado “Relatório de eventos antissemitas e correlatos no Brasil” relaciona manifestações, ocorrências policiais, decisões de governo e declarações de teor antissemita desde a posse de Bolsonaro até junho de 2022.

Os números compilados são eloquentes. As violações noticiadas pela imprensa profissional dobraram a cada ano, indo de 24 em 2019 para 67 em 2021, de acordo com o relatório. Só no primeiro semestre deste ano, já chegaram a 47. De acordo com a associação de direitos humanos SaferNet, em 2019 sua Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos recebeu e processou 1.071 informações sobre alguma ação neonazista. No ano passado, foram 14.476, um salto de 1.251%. Pelo levantamento da antropóloga Adriana Dias, estudiosa dos grupos de extrema direita, em 2019 existiam no país 334 células neonazistas. O número subiu para 530 em 2021 — 60% de aumento.

O relatório também registra o uso de slogans nazistas e fascistas em manifestações bolsonaristas, além de simbologia e iconografia associadas ao nazifascismo. Não é por acaso. Bolsonaro pôs o Brasil no mapa da extrema direita mundial. Na posse, recebeu com tratamento especial o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, cujo nacionalismo é temperado por campanhas de teor antissemita e discursos de pureza étnica. Recebeu no ano passado a visita de Beatrix von Storch, do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), cuja plataforma é antissemita, racista, islamofóbica e xenófoba.

Um dos méritos do relatório é mostrar o efeito trágico para os jovens das opiniões tóxicas que circulam nas redes sociais. Vem daí a motivação para ameaças e ataques inspirados na ideologia neonazista. Foi o caso da invasão, em março de 2019, de uma escola em Suzano, São Paulo, por dois ex-alunos que mataram cinco estudantes e duas funcionárias (um dos terroristas matou o outro, depois se suicidou).

Outro caso foi o assassinato de três crianças, uma professora e uma funcionária, em maio de 2021, num ataque à creche Aquarela, em Saudades, Santa Catarina. O governo americano ajudou autoridades brasileiras a encontrar e a desbaratar células de extremistas neonazistas vinculadas ao ataque. O celular do assassino foi enviado para uma investigação nos Estados Unidos que originou quatro mandados de prisão e 31 de busca e apreensão contra neonazistas em seis estados brasileiros.

Tragédias assim são mais frequentes em países onde o ideário neonazista tem raízes sólidas. No governo Bolsonaro, infelizmente se tornaram mais comuns no Brasil, em razão da articulação de grupos que encontraram aqui um terreno acolhedor. Enfrentá-los exige, além da ação imediata e determinada das instituições do Estado, informações confiáveis, como as fornecidas pelo relatório.

Educação para salvar a Amazônia

O Estado de S. Paulo

A conscientização ambiental, o desenvolvimento sustentável e a preservação da maior florestatropical do planeta devem entrar nos currículos e nas salas de aula das escolas do País

A preservação da Amazônia passa pela educação. Não só nos Estados que compõem a Amazônia Legal, mas no Brasil inteiro é preciso assegurar que as atuais e as futuras gerações tenham clareza sobre o que está em jogo em meio à devastação que não para de crescer. Como mostrou o Estadão nos últimos dias, eis uma tarefa das escolas de todo o País: possibilitar que seus alunos conheçam, mais e melhor, a realidade da maior floresta tropical do planeta.

Conhecimento, aqui, é sinônimo de valorização. Quanto mais souberem sobre a Amazônia, mais os estudantes brasileiros agirão em sua defesa. Por isso, são bem-vindas iniciativas para fazer da Amazônia um tema transversal nas escolas do País, levando para as salas de aula as mais variadas questões relacionadas ao contexto amazônico, seja no estudo de biologia, geografia e história, seja em qualquer outro componente curricular. Igualmente válida é a proposta de criação de uma disciplina específica dedicada à Amazônia no Novo Ensino Médio. 

O Brasil tem mais de 40 milhões de estudantes só na educação básica, dos quais mais de 7 milhões no ensino médio. Disseminar conhecimento sobre a Amazônia há de reforçar a conscientização e a luta pela preservação da floresta. Quem compreende a importância da Amazônia para a regulação do clima global ou para o ciclo de chuvas em outras regiões do País não fica indiferente à sua devastação. Isso passou a ser ainda mais necessário diante da completa falta de uma política ambiental digna desse nome no governo do presidente Jair Bolsonaro.

Quem acompanha os dados do monitoramento ambiental da região já deve ter percebido que a área total desmatada só aumenta. A cada novo levantamento, o que varia é o ritmo de destruição − se a área devastada, no período observado, foi maior ou menor do que no período anterior. Não há dúvida, portanto, de que é preciso falar sobre o tema com os estudantes brasileiros, aprofundando a compreensão das possibilidades e dos desafios amazônicos. Isso envolve ir além das questões ambientais, como disse ao Estadão a secretária executiva da rede Uma Concertação pela Amazônia, Renata Piazzon, que é também diretora do Instituto Arapyaú: “Não dá para a gente resolver o problema do desmatamento da Amazônia só olhando para agenda ambiental”, resumiu ela.

A rede reúne representantes do meio acadêmico, do poder público e da sociedade civil, entre eles o apresentador Luciano Huck, o economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o ex-presidente do banco Itaú Candido Bracher e o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. O foco é a promoção do desenvolvimento sustentável, com envolvimento direto da população local na construção de soluções. A esse propósito, vale recordar a ideia de que a floresta em pé precisa valer mais do que destruída. Esse, sim, é um caminho para conter o desmatamento. 

A melhoria da qualidade do ensino nas escolas da Amazônia é outro desafio que põe a educação no centro das estratégias de valorização e preservação da floresta. Como se sabe, a Região Norte tem indicadores educacionais e sociais abaixo da média nacional, lida com populações esparsas, grandes distâncias e dificuldades de acesso. Reconhecer os saberes locais e a diversidade regional faz-se mais que necessário.

Com isso em mente, a rede Uma Concertação pela Amazônia, ao lado do Instituto Reúna e do Instituto Iungo, quer que a região, seus potenciais e seus dilemas entrem de vez no currículo do Novo Ensino Médio, por meio do projeto Itinerários Amazônicos. A intenção é começar pelas redes de ensino de Amazonas, Amapá e Roraima em 2023. Como informou o Estadão, uma boa notícia é que os conteúdos deverão ser disponibilizados para professores do País inteiro − a esse respeito, as entidades preparam um curso de formação docente sobre o tema. “Hoje não se vê isso nos livros didáticos”, observou o presidente do Instituto Iungo, Paulo Emílio Andrade. Sim, a preservação da Amazônia passa pela educação, e as escolas têm uma enorme contribuição a dar.

Banir livros não é inteligente

O Estado de S. Paulo

A pedido de pais, escolas dos EUA têm retirado obras de bibliotecas em meio a radicalismoideológico de conservadores que ignoram papel do debate na formação das novas gerações

Um distrito escolar no Estado do Texas, nos Estados Unidos, determinou recentemente a retirada de dezenas de livros de suas bibliotecas e salas de aula. Como noticiou o Estadão, a lista contém 41 títulos, entre eles a Bíblia e uma versão adaptada para história em quadrinhos de O Diário de Anne Frank, relato da menina judia que viveu dois anos em um esconderijo para escapar do nazismo, antes de morrer em um campo de concentração. As obras foram contestadas por pais e parentes de alunos no último ano letivo e deverão ser revisadas por um comitê encarregado de dar a palavra final. 

A mobilização para banir livros de bibliotecas escolares ganha força nos Estados Unidos a reboque do radicalismo ideológico que avança entre setores conservadores, em tempos de crescente polarização. Mais de 1.500 obras já foram excluídas de escolas em 26 Estados americanos desde julho do ano passado, segundo balanço da Pen America, entidade que defende a liberdade de expressão. A iniciativa de banir livros de bibliotecas escolares não poderia ser mais equivocada. Sem dúvida, um mau exemplo que serve de alerta para os riscos do radicalismo ideológico, seja de direita ou de esquerda. 

Pior ainda quando se tem em mente que a proibição se dá em escolas. Ora, o ambiente educacional é dedicado à aprendizagem e à convivência. Ou seja, à formação das novas gerações. É lá, mais do que em qualquer outro lugar, que se espera que os estudantes tenham acesso a diferentes visões de mundo e sejam confrontados com a pluralidade de ideias que circulam na sociedade. Até para formar suas próprias opiniões e dispor de argumentos contra o que rejeitam, é essencial que os alunos cresçam em ambientes arejados e livres de censura, ignorância e preconceitos. 

No caso do distrito escolar de Keller, que atende 35 mil estudantes no norte do Texas, o ponto de partida para o banimento de livros são contestações e denúncias de pais e parentes. Um erro. Não que pais e responsáveis não devam ser ouvidos. Pelo contrário. O envolvimento das famílias com a educação dos filhos é mais que desejável. Crianças e adolescentes tendem a aprender mais quando recebem apoio em casa. Da mesma forma, o engajamento das famílias reverte em melhoria das escolas.

O erro, aqui, está na crença de que banir livros possa ser algo necessário ou positivo para a formação escolar dos filhos. Deixemos claro: não é. E por vários motivos. Primeiro, porque impedir que um estudante leia determinada obra limita seu conhecimento sobre o mundo. O resultado é menos e não mais, na medida em que ninguém se torna mais sábio pelos livros que não leu. Se há ideias equivocadas que merecem ser rejeitadas, cabe contextualizá-las e expor suas debilidades. Cotejá-las com outras, debatê-las. Eis o papel da escola. 

Em segundo lugar, o banimento de livros passa a mensagem absurda de que seria adequado (e possível) eliminar do mundo ideias das quais se discorda. Nada mais equivocado e perigoso − semente de regimes totalitários que já tiraram a vida de milhões de pessoas ao longo da história. Sem falar no efeito contrário que tal atitude pode gerar: um dos títulos banidos de uma escola nos Estados Unidos bateu recordes de vendas depois. O que remete ao terceiro ponto: em tempos de internet e de acesso cada vez mais facilitado à informação, a ideia de que retirar exemplares de uma biblioteca ou sala de aula possa privar os alunos do conteúdo da obra soa ingênua, no mínimo.

A mobilização para banir livros reflete uma visão autoritária e completamente equivocada também sobre a educação e o papel dos educadores. Um mau exemplo que não deve ser seguido. Seja nos Estados Unidos ou em qualquer outro país democrático, é preciso impedir que escolas fiquem reféns desse tipo de censura que não condiz com a democracia − menos ainda na maior economia do mundo. Felizmente, existe solução para o problema, e ela passa por mais educação e não menos. Com bibliotecas e salas de aula repletas não só de livros, mas de ávidos leitores.

A covid ainda está por aí

O Estado de S. Paulo

Já passa de 1 milhão o número mundial de mortes neste ano, o que só reforça a urgência de ampliação da vacinação

A Organização Mundial da Saúde (OMS) acaba de anunciar que mais de 1 milhão de mortes por covid-19 foram registradas no mundo entre janeiro e agosto deste ano. É um número estarrecedor e inaceitável, considerando que a humanidade dispõe de recursos e tecnologia − no caso, a vacina − para impedir as formas graves da doença. Não resta dúvida, portanto, quanto ao que precisa e deve ser feito: acelerar o ritmo de vacinação.

Ao divulgar o novo dado, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, reiterou que a humanidade “tem todas as ferramentas necessárias para prevenir essas mortes”. É isso mesmo: quase dois anos e meio depois que a própria OMS declarou o início da pandemia, em março de 2020, diversas vacinas foram desenvolvidas e aprovadas pelos órgãos de saúde, com produção suficiente para atender a população mundial. O cenário, portanto, é outro. 

Resta, então, ampliar urgentemente a cobertura vacinal, o que vem sendo feito, mas não no ritmo necessário. Em janeiro, como lembrou o diretor-geral da OMS, 34 países tinham taxa de cobertura inferior a 10% da população, quase todos na África. Esse número caiu para 10 países − o que continua sendo incrivelmente assustador. Sim, é sempre espantoso perceber o tamanho das disparidades internacionais.

Mesmo em países como o Brasil, onde 79% dos habitantes completaram o esquema vacinal primário (duas doses ou imunizante de dose única), foram registrados 197 óbitos apenas na última quinta-feira, como informou o Estadão, citando dados do consórcio de veículos de imprensa. Em um único dia, quase duas centenas de óbitos − eis outra estatística inaceitável, já que existe vacina para a doença. Esse é o ponto: considerando que a vacina é comprovadamente eficaz na prevenção das formas graves da covid-19, o número de mortes tende a cair quanto maior for a cobertura vacinal.

Daí a importância de que a mobilização para vacinar mais pessoas, no Brasil inteiro, avance e não perca fôlego. O que faz pensar no comportamento danoso e irresponsável de autoridades e candidatos, na atual campanha eleitoral, que disseminam discursos negacionistas, relativizando a necessidade da vacina. Nada mais equivocado. Nesse debate, o que está em jogo, literalmente, é a vida de muita gente. 

O Brasil responde por mais de 10% das mortes por covid-19 registradas no planeta: 683 mil dos mais de 6,4 milhões de óbitos em escala mundial. Como tudo na área da saúde, a maneira como a política pública de imunização é executada faz toda a diferença. Um bom exemplo é São Paulo, Estado que desde o início se destacou no enfrentamento da pandemia: o índice paulista de cobertura do esquema vacinal primário está em 87,9% − acima da média nacional. Ainda assim, há espaço para avançar, como de resto em todo o Brasil e no mundo.

A marca mundial de mais de 1 milhão de mortes por covid-19 registradas em menos de oito meses, neste ano, é mais uma demonstração de que a pandemia está longe de ser página virada. O caminho para a superação dessa triste realidade é amplamente conhecido: ampliar a cobertura vacinal, sem dar ouvidos a quem prega o negacionismo.

Senado deve evitar pautas polêmicas até as eleições

Valor Econômico

Rol taxativo já foi objeto do Judiciário, e agora coloca em posições opostas o e integrantes da base aliada no Congresso

Seguindo a tradição de todo ano eleitoral, mais uma vez o Senado trabalhou com parcimônia no segundo semestre, a partir do momento em que as campanhas eleitorais começam a ganhar tração. Não sem justificativa: dos 81 senadores, aproximadamente metade está na disputa. Cerca de um terço tenta se reeleger. Outros senadores concorrem aos cargos de governador, vice-governador, deputado federal, presidente da República ou vice. O restante está envolvido de alguma forma nas campanhas eleitorais de aliados nos Estados, mas todos deveriam evitar utilizar a pauta do Congresso para fazer campanha.

Nesta semana, está previsto um novo esforço concentrado. E a pauta requer atenção: dela consta o projeto de lei que trata da obrigação dos planos de saúde de cobrirem tratamentos que não estejam previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que pode acabar com o chamado rol taxativo. O tema é sensível para consumidores, governo e setor privado.

O assunto já foi objeto do Judiciário, e agora tem colocado em posições opostas o próprio Executivo e integrantes da base aliada no Congresso. Por outro lado, é defendida por associações que representam pessoas com deficiência, autismo e doenças raras, entre outros pacientes. O rol é uma lista dos procedimentos que os planos de saúde são obrigados a cobrir para os usuários.

A matéria foi aprovada na Câmara no início do mês, em reação a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomada em junho. O tribunal decidira que os planos de saúde não seriam mais obrigados a dar cobertura para tratamentos que não estivessem na lista da agência reguladora, que conta com 3.368 itens. Ou seja, os magistrados haviam entendido que a lista de procedimentos deve ter caráter taxativo, e não apenas exemplificativo.

Mas o projeto em análise no Parlamento vai na contramão desse entendimento. De acordo com o texto aprovado pelos deputados, as empresas devem ser obrigadas a custear qualquer tipo de tratamento fora da lista de procedimentos elencados pela ANS desde que exista comprovação da eficácia, baseada em evidências científicas, ou quando há recomendação por parte da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).

No Senado, parlamentares chegaram a sugerir que a legislação diga que ambas as condições são necessárias e não apenas uma delas. Na prática, significaria trocar o “ou” pelo “e” no artigo em questão. Mas a ideia não parece contar com muita adesão até agora.

Diante desse cenário, realizou-se na semana passada uma audiência pública, a qual ganhou contornos de comício eleitoral em alguns momentos. Nela, representantes do governo e do setor privado fizeram alguns alertas.

O Ministério da Saúde argumentou que essa mudança vai obrigar as operadoras de saúde a repassarem os custos para os beneficiários, ponderando que a legislação já prevê, “de maneira muito clara”, um processo administrativo para incorporação de novas tecnologias. “[Isso] permite segurança e equidade nas incorporações. O que antes demorava dez anos para ser incluído no rol hoje existe um prazo de seis meses para todas as terapias e de 120 dias para as terapias oncológicas”, ponderou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na ocasião.

Já a ANS informou que uma eventual aprovação da matéria desconsidera o trabalho feito pela agência reguladora e vai desequilibrar o setor, com parte considerável das operadoras ficando impossibilitada de arcar com os custos dos novos procedimentos e risco de uma migração de pessoas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Ocorre que no Brasil já existe uma intensa judicialização para obrigar o SUS a realizar todo tipo de tratamento, o que não é observado em outros países.

Por outro lado, outros convidados afirmaram que os pacientes nem sempre podem esperar meses para conseguir obter tratamentos já à disposição no mercado. Se estes têm buscado a Justiça para tentar ampliar o acesso a esses tratamentos, tende a ser inevitável que as operadores de planos de saúde também recorram ao Judiciário no caso de os parlamentares concluírem a aprovação da proposta. E isso ocorrendo, o texto precisará ser sancionado ou vetado pelo presidente da República. O local de pressão apenas mudará de endereço.

Este não é um tema que pode ser debatido sem a devida profundidade. Os deputados e senadores, sempre em busca de dividendos eleitorais, deveriam ter cautela.

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