terça-feira, 6 de setembro de 2022

Míriam Leitão - Carta para a Independência

O Globo

Agora, como há 50 anos, a maioria não pode comemorar a Independência. No futuro devemos evitar tiranos, tiranetes e desvios dos militares

Querida Independência. Não a posso comemorar. De novo. Como há 50 anos, no sesquicentenário. Não que eu não queira. Sou impedida pela mesma interdição. Naquele triste 1972, a data foi roubada pelos militares, que a transformaram na apologia da ditadura que nos esmagava. Agora, em plena democracia, as Forças Armadas participam novamente do roubo. Elas se prestam ao inaceitável papel de se acumpliciar com um presidente que usa a pátria e o poder armado como parte da sua propaganda eleitoral e da sua campanha antidemocrática. Assim, completa-se a sina da nossa separação. Na minha vida, terei passado por duas datas redondas, 150 e 200 anos, com o mesmo sentimento de tristeza cívica.

No entanto, sempre soube que a verdadeira independência não é aquela que se marca no calendário, mas o movimento que tem raízes mais profundas e reais. Não um grito, não um rio, não um quadro a óleo. Venho das Minas dos conjurados e sei onde nasceu a ideia de um país autônomo e republicano. Entendo mais a história que se conta modernamente e que junta as conjuras e os levantes, as revoluções perdidas e os quilombos, a resistência dos divergentes e o resgate dos personagens esquecidos, como as mulheres, os pretos, os indígenas.

Por quem dobrarão os sinos amanhã? Por quem os canhões darão os 21 tiros, os aviões se exibirão no ar, e os navios se postarão nas águas da Guanabara? Não me pergunte, caríssima Independência, como foi que os chefes militares nesses 200 anos aceitaram fazer tal ultraje ao povo brasileiro e enfeitar o comício de uma facção política que tenta acuar o resto do país. Amanheço nesta véspera ainda esperançosa de que os militares recobram o brio e não aceitem ser o espantalho da Nação.

Uma data como esta tão completa nos obriga à reflexão, para entender melhor o passado e programar o futuro. O ano de 1972 foi terrível. Os ossos de Dom Pedro foram recebidos pelo ditador Medici, enquanto os porões dos quartéis militares torturavam. Hoje, o coração de Dom Pedro passeia entre nós levado por outro imerecido portador. Portugal nos empresta a cada 50 anos os restos de Dom Pedro e os entrega a mãos erradas. E o que isso significa, senhora Independência? Uma atávica incapacidade de jogar os laços fora, e o insistente oportunismo político. Enquanto isso, a figura do primeiro Pedro continua desentendida. O país oscila entre vê-lo como o militar libertador ou como o “demonão” devasso.

A realidade é mais complexa que os estereótipos, a história real, mais interessante que a oficial. O rei que morreu aos 36 anos de tuberculose tendo comandado dois países, liderado o movimento de independência de um em relação ao outro, vencido uma revolução liberal contra o próprio irmão, legando os dois tronos aos seus filhos, é bem mais fascinante do que certos detalhes da sua vida. O acordo em que aceitamos pagar metade da dívida externa que Portugal contraiu para nos atacar é parte da nossa ambiguidade.

Querida independência. Este não é um momento fácil no Brasil. O tempo nos mostra, entretanto, que sempre haverá o futuro pelo qual trabalhar quando o presente é áspero. A esperança é teimosa como a verdade. Nos tempos do sesquicentenário, a democracia poderia parecer uma esperança vã. Mas ela se realizou anos depois. Então sei que haverá outras independências no futuro.

Um país não se inaugura num dia específico, por isso a ideia de um Dia da Pátria serve como marcador do tempo, mas não para registrar a verdade histórica. O Brasil foi sendo feito aos poucos por mais mãos do que conseguimos contar. Continuará sendo feito nos próximos anos. Não me entenda mal, prezada Independência. Não cometo a desfeita de ignorar seu dia. Datas como a de amanhã, o 7 de setembro, servem para pensarmos profundamente no sentido de tudo o que nos trouxe até aqui e fazermos um pacto com o futuro. Agora, como há 50 anos, apareceram governantes que se dizem donos do país. Isso devemos impedir que volte a acontecer. Os tiranos e tiranetes. Agora, como há 50 anos, as Forças Armadas abusam de seu mandato. Isso é necessário evitar que se repita.

Senhora Independência, amanhã eu a verei de longe, mas não indiferente. O governante do momento a sequestrou, e isso impede que milhões de brasileiros entrem na festa. Sei que não será sempre assim tortuosa a nossa história. Haverá o dia de uma celebração mais harmoniosa no futuro. Até breve.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tristeza cívica! Eis o sentimento tão bem declarado pela jornalista, diante da estupidez do governo federal neste momento em que poderíamos comemorar 200 anos de independência, mas somos ameaçados por um canalha eleito que arrasta lideranças militares para o esgoto donde veio, ameaçando nossa frágil democracia.

ADEMAR AMANCIO disse...

Dia sete será o dia da palhaçada,aliás,hoje.

Anônimo disse...

Tanto ódio, tanto ressentimento, semelhante ao fervor de fanáticos da seita negra , nenhuma palavra que preste, ninguém tem coragem de defender esse Bandido , o Lula ladrão , que do Palácio do Planalto coordenou o maior assalto ao Brasil, roubou todas as estatais e seus fundos de pensão, o PT deixou o Brasil em recessão, 12 milhões de desempregados e um desalento moral profundo
A cúpula da quadrilha do PT deve estar apavorada com as últimas pesquisas da Quest que já ponta Bolsonaro na frente do Lula na região Sudeste, o Sul, o Centro-Oeste e o Norte Bolsonaro já é maioria faz tempo
A recente pesquisa do Instituto Paraná aponta empate técnico Lula 40% e Bolsonaro 36,7%
A última Fronteira será o nordeste que vai mostrar que não aceita mais o ladrão mentiroso
Pelo andar da carruagem não me surpreenderia o presidente reeleito no primeiro turno