quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Câmara aprova urgência para criminaliza pesquisas

Em meio à investida de governistas contra institutos, Arthur Lira (PP-AL) colocou em votação a urgência de projeto que impõe até dez anos de prisão a quem "errar" resultado

Por Natália Portinari / O Globo

BRASÍLIA - A menos de duas semanas para o segundo turno das eleições de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira, a urgência para votar projetos de lei que criminalizam a divulgação de pesquisas que não correspondam ao resultado das urnas. Essas propostas serão, agora, priorizadas na fila de proposições que aguardam apreciação da Casa.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, colocou em pauta a votação da urgência nesta terça-feira, mas ainda não há data para a votação do mérito, quando o conteúdo da proposta será debatido pelos parlamentares. Na sessão, ele disse que não há um texto definido e que o projeto será discutido entre os líderes, negando se tratar de uma "punição" aos institutos de pesquisa.

— O que está acontecendo hoje no Brasil e nos estados é um absurdo que deve ser combatido — disse o líder do PP, André Fufuca (MA), partido que compõe a base do governo Bolsonaro.

Em reunião de líderes na residência de Lira na tarde desta terça-feira, foram discutidas versões mais "brandas" do projeto. Uma seria a responsabilização cível — obrigando ao pagamento de indenização, por exemplo — de institutos que fizerem sondagens em que o resultado das urnas ficar muito longe da margem de erro. Outra seria a proibição da divulgação de pesquisas 15 dias antes do pleito.

Não se chegou a um acordo entre os líderes e, por isso, foi votada apenas a urgência de projetos já existentes, com o compromisso de debater um novo texto após o segundo turno das eleições.

Base do governo a favor

A urgência foi aprovada com 295 votos favoráveis e 120 contrários. O PP, PL, União Brasil, PSD, Republicanos, PSDB, Podemos, PSC, Novo, Solidariedade, Cidadania, Avante, Patriota, PROS, PV e PTB orientaram os deputados de suas bancadas a votar a favor da proposta. No sentido contrário, foram o PSOL, a Rede e o PT.

Há dois projetos previstos. O primeiro, de 2011, de Rubens Bueno (Cidadania-PR), estabelece multa de até R$ 1 milhão para o crime de divulgação de pesquisas fraudulentas e altera o que, hoje, é considerado fraude. A sondagem seria "fraudulenta" quando o resultado das eleições estiver acima da margem de erro registrada, no caso em que a sondagem seja realizada e divulgada até cinco dias antes do pleito.

O outro, do líder do governo Ricardo Barros (PP-PR), apresentado após o primeiro turno deste ano, prevê reclusão de quatro a dez anos e multa para quem publicar, nos 15 dias anteriores à eleição, pesquisas em que o resultado seja divergente da margem de erro. As duas proposições estão apensadas, o que significa que serão votadas em conjunto.

Na prática, seriam criminalizadas pesquisas mesmo em casos em que muitos eleitores mudarem ou definirem seu voto logo antes das eleições — em 2018, 18% escolheram o candidato para presidente no final de semana da eleição, segundo o Datafolha. Para governador e cargos do Legislativo, a indefinição costuma ser ainda maior.

Se o projeto for aprovado, responderá criminalmente o estatístico que assina a pesquisa divulgada, o responsável legal do instituto de pesquisa e o representante legal da empresa contratante da pesquisa, mesmo se não houver intenção de fraudar a pesquisa.

Já se não houver intenção de fraude, a pena é reduzida em 25%, segundo o texto. A proposta quer ainda obrigar veículos a publicarem todas as pesquisas registradas no mesmo dia e no dia anterior àquela que se pretende divulgar, para evitar suposta predileção a dados "deturpados".

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o projeto é "absolutamente inadequado". Ele apontou que a pena prevista seria maior do que em crimes de peculato e corrupção e lembrou que já existe crime quando há a intenção de manipular os dados.

Rubens Bueno diz que é contrário ao projeto de Barros, mas é a favor da urgência, já que seu texto está tramitando em conjunto. Ele discorda da pena sugerida pelo líder do governo e de estender a punição criminal aos estatísticos. Hoje, quando uma pesquisa é considerada fraudulenta, respondem apenas os institutos e as contratantes.

— Voto contra (o projeto de Barros). Voto a favor da urgência porque é meu projeto, mas vou falar do absurdo de isso ser pautado agora às vésperas do segundo turno.

Na sessão, Bueno disse que o fato de o projeto ser analisado agora, durante as eleições, traz insegurança jurídica. Em plenário, após a aprovação da urgência, Barros disse que o texto deve sofrer alterações e será debatido antes de ser aprovado.

A lei atual pune apenas pesquisas deliberadamente enviesadas, quando o formulário direciona as respostas para um determinado candidato, por exemplo, ou quando o recorte dos entrevistados é propositalmente distorcido, situações em que diversas empresas já foram punidas.

A medida proposta por Barros obrigaria jornais e demais veículos de comunicação a publicarem dezenas de sondagens com metodologias obscuras. Em setembro, a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) alertou para o grande número de CNPJs que hoje produzem pesquisas autofinanciadas ou que ocultam seus patrocinadores, e divulgam estudos com números "diversos e desiguais".

Como mostrou o GLOBO, quase quatro em cada dez pesquisas eleitorais registradas no TSE entre janeiro e junho deste ano foram pagas, supostamente, com recursos das próprias empresas. Entre os institutos que financiam suas próprias sondagens, há empresas de terraplanagem, organização de rodeios e até vaquejadas, além de pesquisa a preço de R$ 0,01. O Ministério Público Federal (MPF) está investigando esses levantamentos, segundo o jornal "Estado de S. Paulo".

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Um absurdo total!