Valor Econômico
PEC é formatada, enquanto campanha foca
outros temas
A despeito da expectativa - ou torcida - de
empresários e investidores, a esta altura da campanha eleitoral é possível
lamentar que há poucas chances de se ver um debate franco entre os dois
postulantes a presidente sobre o futuro do teto de gastos e o arcabouço fiscal
que o Brasil terá a partir do ano que vem.
À frente das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deveria ser mais claro. Seu programa fala da demolição do teto, mas não dá pistas claras do que ele pretende construir no lugar.
“Vamos
recolocar os pobres e os trabalhadores no Orçamento. Para isso, é preciso
revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro, atualmente
disfuncional e sem credibilidade”, aponta o documento, para então prosseguir:
“Construiremos um novo regime fiscal, que disponha de credibilidade,
previsibilidade e sustentabilidade. Ainda, que possua flexibilidade e garanta a
atuação anticíclica, que promova a transparência e o acompanhamento da relação
custo-benefício das políticas públicas, que fortaleça o Sistema de Planejamento
e Orçamento Federal e a articulação entre investimentos públicos e privados,
que reconheça a importância do investimento social, dos investimentos em
infraestrutura e que esteja vinculado à criação de uma estrutura tributária
mais simples e progressiva. Vamos colocar os pobres outra vez no Orçamento e os
super-ricos pagando impostos”.
Então, por que não há reações mais
exacerbadas no mercado?
Na visão dos mais ortodoxos que
recentemente aderiram a Lula, o teto, a esta altura, já está “mais furado que
peneira”. Diante dessa constatação, acredita-se que o teto foi, originalmente, uma
ideia ousada. Contudo, ele teria que ser sustentado por reformas que lhe
garantissem uma estrutura robusta. As mudanças na Previdência, por exemplo,
acabaram sendo desidratadas ao longo da tramitação. E tampouco houve uma
reforma administrativa profunda, argumentam.
Além disso, aponta uma fonte que acompanha
os esforços da campanha petista para se aproximar do mercado, existe uma
avaliação de que o instrumento não foi duro o suficiente a curto prazo por não
exigir uma rápida recuperação do superávit primário. Mas, ao mesmo tempo, é
duro demais a médio e longo prazos, em função do encolhimento forçado do Estado
em proporções que reduziram a margem no Orçamento para investimentos públicos e
a prestação de serviços de qualidade.
Sagrando-se vitorioso no dia 30, Lula
precisará convencer esse distinto público de que está comprometido para valer
com a definição das prioridades certas na execução do Orçamento. Paga-se agora,
para ver depois.
Da mesma forma, o presidente Jair Bolsonaro
(PL) não entra em detalhes. Também conta com a complacência do mercado. A área
técnica do governo, porém, trabalha em silêncio.
Argumenta-se, em primeiro lugar, que foi
feita uma espécie de reforma administrativa ao longo dos últimos anos. Isso
porque milhares de servidores se aposentaram e não foram substituídos. Os que
ficaram na ativa não tiveram aumento salarial até agora.
Enquanto a campanha avança, está sendo
preparada uma proposta de emenda constitucional, a qual, em caso de reeleição
de Bolsonaro, tende a ser logo protocolada no Congresso Nacional. O objetivo
dessa PEC é “arrumar” o teto, reforçando e reformatando o novo marco fiscal. O
espírito da lei é continuar promovendo uma redução do tamanho do Estado.
Despesas não recorrentes poderiam ser
realizadas fora do teto. Se uma estatal for vendida, por exemplo, metade dos
recursos seria usada para abater dívida, uma parte direcionada a um fundo de
investimentos públicos e outra para erradicar a pobreza.
Não se exclui a possibilidade de os R$ 200
a mais pagos no Auxílio Brasil até o fim do ano permanecerem fora do teto a
partir de 2023 - o que manteria os benefícios em R$ 600, conforme prometido
pelo presidente.
Pondera-se no governo que ocorreria um
controle da expansão fiscal. Além disso, com a redução do tamanho do Estado e o
abatimento da dívida, os juros também diminuiriam. Ainda assim, o processo de
encolhimento do Estado teria que ser feito num ritmo tolerável - mantendo-se a
relação entre dívida bruta e Produto Interno Bruto (PIB) oscilando dentro de
uma margem considerada aceitável para um país emergente.
Além disso, a PEC já conteria uma vacina
contra comandos constitucionais inconsistentes. Em outras palavras, a ideia é
evitar o conflito entre determinações para a realização de despesas e regras
que limitem os gastos. Nestes casos, Legislativo e Judiciário teriam que atuar
para encontrar uma solução e definir prioridades.
O teto de gastos teve um papel importante
para impedir uma alta exagerada das despesas em momentos de crise. No entanto,
hoje poucas vozes o defendem de forma incondicional. A campanha era o momento
ideal para uma discussão profunda do futuro arcabouço fiscal do Brasil.
Tática antiga
Dia 13 de setembro de 2005. Acompanhado por
um senhor, entra na sala da Comissão Parlamentar de Inquérito do Mensalão o
então deputado Jair Bolsonaro.
À mesa, prestava depoimento José Genoino,
ex-presidente do PT. E o visitante era o coronel da reserva Lício Augusto
Ribeiro Maciel, que prendeu e teria torturado Genoino durante a guerrilha do
Araguaia, nos anos 1970, na ditadura militar.
Na edição do dia seguinte de “O Globo”, o
relato das repórteres Maria Lima e Isabel Braga registrava o desconforto.
Alertado, o presidente do colegiado,
senador Amir Lando (PMDB-RO), tentou tirar o militar da sala. “Depois de alguma
demora, o coronel se levantou, mas ficou parado diante da mesa, encarando
Genoino, estimulado por Bolsonaro. Lando perdeu a calma. Pegou o braço do
coronel e gritou: Saia, saia já!”, anotaram. Para Lando, “brandir a bandeira da
tortura para constranger” foi um desrespeito à CPI.
O expediente foi novamente utilizado pelo
agora presidente da República. No domingo, Bolsonaro entrou no estúdio do
primeiro debate do segundo turno acompanhado por Sergio Moro, algoz de Lula na
Lava-Jato.
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