terça-feira, 25 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Jefferson faz a coisa errada na hora errada e lesa Bolsonaro

Valor Econômico

Pesquisas feitas para Bolsonaro já mostraram que o figurino de comportado ganha mais votos do que o de incendiário

Quem estimula a delinquência política e a violência, como o presidente Jair Bolsonaro, corre o risco de ser vítima dela. A recusa do ex-deputado e líder do PTB Roberto Jefferson, de voltar ao regime fechado e perder a prisão domiciliar, feita à bala e granadas, abriu a semana decisiva da mais acirrada disputa eleitoral desde a redemocratização. A reação inesperada colocou Bolsonaro na defensiva em um momento crucial da campanha.

Trata-se menos de destino do que de acaso e é difícil medir a influência sobre o eleitorado dos atos de um político decadente, que já foi aliado de Lula e denunciou o mensalão, e que havia se juntado à tropa de choque do bolsonarismo desde 2018. Suas condutas e gestos extravagantes, antidemocráticos, podem colocá-lo, para alguns, na vala do bizarro e do excêntrico, como uma exceção, circunscrevendo o alcance do desgaste do presidente. Para outros, os gestos de Jefferson são a decorrência lógica e causal da propaganda bolsonarista contra as instituições da República, de sua defesa da liberdade sem qualquer responsabilidade e da pregação pelo armamento irrestrito da população.

Entre radicais e moderados, o presidente balança. Aos poucos, com um tom menos raivoso, Bolsonaro chegou perto do empate técnico nas pesquisas eleitorais, das quais desconfia. Sua rejeição caiu um pouco, embora em ritmo mais lento que a necessidade eleitoral exige, e a porcentagem dos que avaliam seu governo como ruim e péssimo empatou com os 39% que o têm como ótimo e bom - sua melhor marca desde sempre no governo. A moderação presidencial foi acompanhada de uma enxurrada de estímulos fiscais e parafiscais, para que o ritmo mais aquecido da economia contribuísse para isso.

Bolsonaro, no entanto, não pode e não quer abandonar seus radicais, que exercem nas redes sociais um papel vital, já demonstrado na primeira eleição, na qual o candidato não tinha dinheiro nem tempo de televisão, e é talvez mais influente agora, com fartura de recursos e de minutos no horário eleitoral. O presidente defendeu o valentão boquirroto Daniel Silveira, também do PTB, quando fez ataques vis ao Supremo Tribunal Federal e às instituições democráticas. Condenado pelo Supremo, Silveira foi indultado por Bolsonaro. Ontem, Silveira comentou: “Eu não tenho como defender lançar granada em cima de policiais, mas a questão foi o que levou ele a fazer isso foi um fato muito mais grave”. Ou seja, foi quase legítima defesa contra Alexandre de Moraes, que preside inquérito ilegal, segundo ele, e que “está torturando psicologicamente prisioneiros políticos há muito tempo”.

Algo parecido com essa foi a primeira reação manifesta de Bolsonaro ao incidente. O presidente repudiou as ofensas pavorosas do ex-deputado contra a ministra Cármen Lúcia e a ação armada, mas também os inquéritos “sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do Ministério Público”. Diante da enorme repercussão do caso Jefferson, o presidente disse depois “que quem atira em policial deve ser tratado como bandido”. Mas orientou o ministro da Justiça, Anderson Torres, a acompanhar pessoalmente o caso, o que Torres fez à distância, sem afastar as suspeitas de que o episódio merecera uma indevida e suspeita deferência especial do governo.

É impossível saber o efeito final do desvario armado de Jefferson sobre o eleitorado. Pesquisas feitas para Bolsonaro já mostraram que o figurino de comportado ganha mais votos do que o de incendiário. A única coisa certa é que a atitude tresloucada de Jefferson não beneficia o presidente, como mostrou ontem o comportamento sempre oportunista dos investidores, derrubando as ações e fazendo o dólar disparar.

A estratégia de Bolsonaro, até agora, não contempla franco-atiradores malucos, que podem prejudicá-lo. Ele convocou seus apoiadores a se concentrarem frente às urnas até a apuração terminar e seu partido, o PL, faz campanha para que os bolsonaristas se tornem fiscais nomeados das eleições no domingo. Os militares fizeram silêncio sobre o que descobriram (ou não) em sua averiguação da confiabilidade das urnas. Pode haver muito mais confusão a caminho.

Com a imensa maioria dos eleitores de ambos os lados com decisão de voto já tomada, a disputa será decidida pelos indecisos e abstenções. A conduta aberrante de Jefferson pode ter influência, mas possivelmente aparecerá a conta-gotas nas pesquisas e só será conhecida quando as urnas forem abertas.

Bolsonaro não tem como se desvincular de Roberto Jefferson

O Globo

Ex-parlamentar que recebeu policiais à bala é personificação dos desvarios do bolsonarismo

A poucos dias do segundo turno, o país assistiu estarrecido a cenas de agressão e violência inadmissíveis numa campanha eleitoral. Primeiro, o ex-deputado Roberto Jefferson, aliado de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, proferiu em vídeo ofensas à ministra Cármen Lúcia, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), por decisões que lhe desagradaram. Depois, numa reação inacreditável de desafio à lei e à Justiça, recebeu com tiros de fuzil e granadas policiais federais que foram a sua casa cumprir uma ordem de prisão. Dois agentes ficaram feridos. Jefferson só se entregou após oito horas de afronta à Justiça.

Diante do potencial de danos do episódio a sua candidatura numa eleição acirrada, Bolsonaro tentou de todo modo se desvincular do aliado. Condenou a investida contra os policiais e, num esforço patético, chegou a dizer que não havia foto dele com Jefferson — apenas para ser desmentido em instantes pela profusão de imagens dos dois juntos em sites de notícias e redes sociais. Numa decisão que só pode ser entendida como tentativa de usar seu poder para resolver uma questão eleitoralmente incômoda, decidiu enviar ao local o próprio ministro da Justiça, Anderson Torres. Por que, se o caso já era conduzido pela Polícia Federal?

É impossível para Bolsonaro se desvencilhar dessa ala bolsonarista mais radical — e armada. Condenado no inquérito das milícias digitais, Jefferson é a personificação dos desvarios do bolsonarismo levados às últimas consequências: o desafio contumaz à Justiça e às instituições democráticas, o preconceito e a agressão contra mulheres e minorias, o incentivo às armas, a difusão de desinformação por milícias digitais e uma visão peculiar — e absurda — de liberdade que lhe permite reagir à bala a policiais, como se estivesse num filme de bangue-bangue.

Se Jefferson pode ser considerado um personagem esdrúxulo, isso não torna o episódio menos preocupante. Tais ideias estão disseminadas na militância bolsonarista. STF e TSE são alvos preferenciais — o próprio Bolsonaro já participou de ato em Brasília em que atacou o Supremo. Tão ágil nas redes sociais, ele levou 48 horas para condenar os ataques vis a Cármen Lúcia. Só condenou depois das rajadas de tiros do aliado contra policiais federais, e mesmo assim criticou a Corte. Como se uma coisa justificasse a outra.

O episódio lamentável também expõe mais uma vez o erro da política bolsonarista de facilitar o acesso a armas e munições. Antes do governo Bolsonaro, um cidadão comum não poderia ter fuzis em casa. Agora pode. Jefferson é defensor tenaz das armas, mas seu registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) fora suspenso. Como estava em prisão domiciliar, não poderia manter em casa nenhuma arma, muito menos granadas, restritas às forças de segurança.

O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, agiu corretamente mandando Jefferson de volta à prisão. Crimes para justificar a revogação da prisão domiciliar não faltam. Mas a ida do aliado de Bolsonaro a Bangu 8 não apazigua o ambiente conflagrado. É preocupante que, a menos de uma semana do segundo turno, se assista à radicalização da disputa e à escalada da violência. Mais do que nunca, as instituições precisam ficar vigilantes. Os tiros disparados por Jefferson resvalam também na democracia.

Concentração de poder em Xi revela fraqueza do modelo chinês

O Globo

Líder forte traduz ânimo de enfrentar o Ocidente, mas, sem oxigenação, China dificilmente manterá pujança

A cena do ex-líder chinês Hu Jintao retirado à força da sessão de encerramento do 20º Congresso do Partido Comunista da China (PCC) é a prova mais eloquente da consolidação inédita de poder nas mãos do atual líder do PCC, Xi Jinping. Ao final do encontro, ele não apenas se consagrou o mandatário chinês mais poderoso desde Mao Tsé-Tung, como aparelhou as mais altas instâncias partidárias com aliados fiéis que não o desafiarão. Não há discussão sobre herdeiros ou sucessores. Xi é o todo-poderoso.

Mas, ao mesmo tempo que sua força, o congresso também demonstrou suas fraquezas. É compreensível, para quem vê o mundo de Pequim, supor que o Ocidente está em declínio. A crise das hipotecas de 2008 deixou um rastro de destruição. Europa, Estados Unidos e América Latina se tornaram terrenos férteis para populistas. Para não falar na devastação da Covid-19.

O problema de quem vê apenas decadência nas democracias ocidentais é subestimar o poder de autocorreção e de inovação das sociedades livres. No passado, crises foram enfrentadas e vencidas com base na circulação de ideias. É exatamente isso que Xi sufoca ao tentar manter controle absoluto sobre o partido e vigilância rigorosa sobre a população. Sem um mínimo de oxigenação, a sociedade chinesa dificilmente manterá a mesma pujança.

A China vem avançando na produção científica, mas o conhecimento tecnológico mais avançado ainda é americano ou pertence a empresas de países democráticos na Europa e na Ásia. Em retaliação às investidas de Xi, o governo americano acaba de vetar a exportação para a China de semicondutores avançados produzidos com tecnologia americana (a maior parte é fabricada na ilha de Taiwan).

A política de Covid Zero, uma das obsessões de Xi, se revelou um fracasso. O país se nega a importar vacinas mais eficazes do Ocidente para alimentar o nacionalismo. Apela aos lockdowns por não ter uma estrutura hospitalar capaz de lidar com a pandemia — e a economia tem pagado o preço. No front externo, os chineses apoiaram o russo Vladimir Putin em troca de acesso a petróleo e gás mais baratos, é certo. Porém abriram os olhos de europeus até então cegos aos riscos de depender de regimes autoritários e despertaram a retaliação americana.

O principal erro da elite chinesa que dá sustentação a Xi é achar que pode facilmente derrotar o Ocidente. Não pode. Primeiro, porque o capitalismo e a democracia têm apoio enraizado em dezenas de países, Taiwan inclusive. Como mostram os ucranianos diariamente, muitos estão dispostos a morrer por tais ideais.

Segundo, porque concentrar poder nas mãos de um só líder torna mais difícil a solução de problemas — e a China tem muitos, apesar do crescimento estupendo nas últimas décadas. Por anos, esse crescimento foi base para o apoio popular. Mas agora vem caindo, e apostar numa liderança despótica apenas para enfrentar o Ocidente, de cujo mercado e de cujo conhecimento a economia chinesa ainda depende, é o pior caminho para tentar recuperá-lo.

Escândalo aliado

Folha de S. Paulo

Seguidores escancaram que Jefferson e seu ato lunático espelham Jair Bolsonaro

Personagem de escândalos de corrupção e outros episódios degradantes da política nacional ao longo de pelo menos três décadas, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) aderiu nos últimos anos às teses e práticas mais extremadas do bolsonarismo.

Nas redes sociais, fazia pronunciamentos grotescos em que exibia armas de fogo e pregava ataques a magistrados e instituições. Por essa razão, passou a ser investigado no inquérito do Supremo Tribunal Federal acerca de uma suposta organização criminosa digital de inspiração antidemocrática, tendo sua prisão preventiva determinada em agosto de 2021.

Obteve em janeiro deste ano o direito à prisão domiciliar, sob a condição de não retomar as atividades políticas. Nunca levou a regra a sério, como se viu na tentativa frustrada de se lançar candidato a presidente como linha auxiliar de Jair Bolsonaro (PL).

Na sexta-feira (21), Jefferson surgiu em vídeo afrontando, com termos vis, a ministra Cármen Lúcia, do STF e do Tribunal Superior Eleitoral, devido a medidas aplicadas contra a emissora bolsonarista Jovem Pan. No domingo (23), recebeu com granadas e tiros de fuzil os agentes da Polícia Federal que o levariam de volta ao cárcere.

O desvario pistoleiro do comparsa, a uma semana do segundo turno de uma disputa eleitoral acirrada, operou em Bolsonaro uma notável correção de conduta. Contumaz apologista de armas, subversões e arruaças, o presidente desta vez se viu forçado a manifestar, de forma trôpega pela falta de hábito, alguma compostura.

Equilibrou-se entre repudiar publicamente as falas e balas de Jefferson e, ao mesmo tempo, manter a ofensiva contra o Judiciário que embala seus seguidores mais fanáticos. Negou pateticamente ter aparecido em fotos com o petebista celerado e, com mais cálculo, recordou a participação do hoje aliado no mensalão petista.

Impossível saber neste momento se a contenção de danos eleitorais de Bolsonaro será bem-sucedida, mas os próprios militantes da seita bolsonarista a gritar e agredir escancaram que Jefferson e seu ato lunático espelham o chefe.

Desde o primeiro dia de seu mandato, o presidente empenha-se em facilitar o acesso a armas e em difundir a tese doentia segundo a qual a sociedade deve estar pronta para enfrentar à bala uma delirante ameaça ditatorial.

Ele mesmo ameaçou descumprir decisões judiciais, exibiu-se com armamentos de todos os tipos e falou em fuzilar adversários. Para percorrer a distância da bravata à violência golpista, como se viu no domingo, basta um fanático.

A força do agro

Folha de S. Paulo

Previsão de safra recorde realça avanço do setor, muito superior ao dos demais

Não é de hoje que o agronegócio destoa do restante da economia brasileira. Aumento da produtividade e integração com o mundo o distinguem e alavancam o crescimento em diversas regiões.

Estudo da consultoria LCA mostra que, entre 2019 e 2022, a renda real do setor aumentou quase 30%, um crescimento muito acima do observado em outros segmentos, que não conseguem superar o quadro de quase estagnação.

Tal salto decorre da combinação incomum de preços em alta no exterior dos principais itens produzidos —soja, milho e proteína animal— com a significativa desvalorização do real no período. O resultado é o melhor patamar da história para as cotações em moeda local.

O desempenho dependeu, portanto, de fenômenos externos ao setor, cuja produção pouco aumentou no período recente. Mesmo assim, as expectativas para a safra de grãos em 2023 são positivas. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima alta de 15,3%, com produção de 312,3 milhões de toneladas, um novo recorde.

Embora diretamente responsável por apenas 8% do Produto Interno Bruto, o agronegócio pode superar os 25% se for considerada toda a cadeia produtiva —que inclui máquinas, pesquisa e serviços.

Não é por acaso que a renda per capita cresceu, entre o segundo trimestre de 2022 e o mesmo período do ano passado, mais de 10% nos principais estados produtores. O Tocantins é o recordista, com 26,1%. A média nacional não deve superar 2% na mesma comparação.

Em prazos mais longos, a disparidade é ainda mais gritante. Cálculos da MB Associados indicam que, de 2012 até este ano, o PIB per capita do Centro-Oeste cresceu mais de 10%, ante retração de 4,7% do Brasil em termos agregados.

Todavia o futuro pode ser mais difícil. Além de mudanças climáticas, são óbvios os riscos oriundos da piora da imagem do país na questão ambiental. A decisão da União Europeia de não importar produtos de áreas recentemente desmatadas é um primeiro sinal. Outros embargos virão, se o governo não mudar sua política.

Parcelas modernas do agronegócio devem entender que não bastará conter pressões vindas do exterior. É do interesse nacional tomar a dianteira e viabilizar mecanismos econômicos para garantir a preservação, o que inclui programas sociais de envergadura para mais de 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia Legal.

Do contrário, o país desperdiçará sua maior vantagem comparativa.

Do que o bolsonarismo é capaz

O Estado de S. Paulo

O bolsonarismo ameaça o respeito à lei, a integridade das instituições, a liberdade política e a paz social. Se alguém ainda tinha dúvidas, Roberto Jefferson desenhou para o País

O ex-deputado Roberto Jefferson mostrou do que o bolsonarismo é capaz. Seu ataque a policiais federais que foram a sua casa para prendê-lo, anteontem, não foi um ato isolado nem fruto de loucura: foi a consequência natural da escalada retórica violenta e golpista do presidente Jair Bolsonaro contra as instituições democráticas.

No 7 de Setembro do ano passado, convém recordar, Bolsonaro declarou que, “qualquer decisão do Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá”, referindo-se ao ministro do Supremo Tribunal Federal responsável pelo inquérito que apura o financiamento e a organização de atos bolsonaristas contra a democracia. E acrescentou, em seu dialeto bronco: “Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”, sugerindo que resistiria a uma eventual ordem de prisão.

Pois bem: em perfeita sintonia com seu líder, Roberto Jefferson, que estava em prisão domiciliar no âmbito da ação penal conduzida por Moraes, decidiu resistir a uma ordem de prisão emitida pelo ministro – e ainda avisou que o faria em vídeos que postou em redes sociais no momento em que a ordem estava para ser cumprida. “Eu não vou me entregar. Eu não vou me entregar porque acho um absurdo. Chega, me cansei de ser vítima de arbítrio, de abuso. Infelizmente, eu vou enfrentá-los”, declarou Jefferson enquanto se preparava para atacar os policiais. Ato contínuo, deu mais de 20 tiros nos policiais, ferindo dois deles, e ainda atirou granadas.

É improvável que isso tenha acontecido por acaso. Ao contrário: Jefferson, como bolsonarista exemplar, parecia ter um plano meticuloso. Primeiro, usou as redes sociais para violar, de modo deliberado, os termos de sua prisão domiciliar. Na ocasião, ofendeu a ministra Cármen Lúcia, do Supremo, porque ela votou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a favor de decisões que, no entendimento de bolsonaristas, configuram censura. A estratégia é óbvia: sabendo que a violação de sua prisão domiciliar, de forma reiterada e insolente, teria resposta da Justiça, Jefferson provavelmente pretendia caracterizar essa reação como perseguição política e cerceamento da liberdade de expressão. É o estado da arte do bolsonarismo.

Os acontecimentos de domingo são gravíssimos em si mesmos, e Jefferson deve ser punido com todo o rigor da lei, sem qualquer hesitação. Mas o caso não se encerra com o encaminhamento do sr. Jefferson para a cadeia. Se o aspecto jurídico se limita à punição do ex-parlamentar, o escândalo político vai muito além.

Bolsonaro, depois de alguma vacilação, tratou de tentar se desvincular de Jefferson, ciente dos estragos potenciais em sua campanha, mas sua proximidade com o ex-deputado vai muito além de algumas fotos dos dois juntos, que o presidente jurava não existirem. Essa proximidade é a única explicação possível para o fato inaceitável de que Jefferson teve tratamento privilegiado da Polícia Federal mesmo depois do ataque a tiros e granadas do ex-deputado contra policiais. Está documentada, em vídeos e testemunhos, a cordialidade com que Jefferson foi tratado – nem algemas lhe puseram. Para culminar, a negociação para a rendição de Jefferson contou com a presença do ministro da Justiça em pessoa, despachado pelo presidente Bolsonaro para cuidar do caso, como se se tratasse de um preso especialíssimo – e não de um criminoso comum. 

Seja como for, a tentativa de Bolsonaro de se afastar do caso é inútil. O episódio todo está prenhe de bolsonarismo, em suas múltiplas dimensões – das quais o uso de armamentos contra agentes da lei é apenas o mais vistoso. Enquanto o presidente da República, por mero cálculo político, aparentava abandonar seu aliado fiel, os fanáticos camisas pardas bolsonaristas nas redes sociais procuravam maneiras de justificar a barbárie, sempre em nome da defesa da “liberdade” e contra o que o próprio presidente chamou de “estado ditatorial” promovido pelo Supremo e pelo TSE.

Não há como ignorar. Na Presidência da República, Jair Bolsonaro é um altíssimo risco para o respeito à lei, para a integridade das instituições, para a liberdade política e para a paz social. Se alguém ainda tinha dúvidas, Roberto Jefferson desenhou para o País.

O império de Xi Jinping

O Estado de S. Paulo

Controle do Partido sobre os chineses e o de Xi sobre o Partido cresceram. As democracias precisam resistir à autocracia chinesa, mas também cooperar em interesses comuns

Desde a década de 70, com a morte de Mao Tsé-tung e a aproximação estratégica aos EUA para conter a URSS, acalentaram-se esperanças de que a China deixaria para trás seu passado comunista mortífero. Essas esperanças ganharam força com a gestão do pragmático e eclético Deng Xiaoping, nos anos 80. Ele introduziu o sistema rotativo no comando do Partido Comunista e reformas econômicas que melhoraram o padrão de vida dos chineses. Por um tempo, parecia crível que a China poderia seguir o caminho de outras nações asiáticas e assimilar valores das democracias liberais. Essas esperanças vinham se erodindo desde que Xi Jinping assumiu o poder, há 10 anos. A sua coroação no Congresso do Partido Comunista – que em tese lhe conferiu um novo mandato de cinco anos, mas na prática deve entronizá-lo vitaliciamente – lançou a pá de cal.

O Congresso consagrou a ideologia de Xi, a combinação de um nacionalismo agressivo com a revitalização do ideário marxista-leninista. Xi esmagou toda dissidência, armou um aparato de censura e vigilância com tecnologias inimagináveis para Hitler ou Stalin e reverteu as reformas políticas e econômicas de Deng, fortalecendo o controle do Partido sobre os chineses e o seu controle sobre o Partido. Externamente, ele tomou de assalto Hong Kong, intensificou atritos com países vizinhos e no Pacífico, ampliou as ameaças a Taiwan e, cooptando bilateralmente países em desenvolvimento por meio de uma mescla de dependência econômica e intimidação política, aumentou sua influência em organismos multilaterais.

A ideia de “segurança nacional compreensiva” de Xi se expande para a política, a economia, a cultura, a tecnologia e as relações internacionais. O relatório do Congresso é o mais carregado em tintas ideológicas dos últimos 40 anos. Domesticamente, ele enfatiza o afastamento de princípios de mercado rumo às disciplinas do controle estatal. Fala-se em alocação “estratégica” de capital humano para o desenvolvimento de novas tecnologias, ao invés de permitir que esses talentos se movam de acordo com as oportunidades competitivas do mercado. Externamente, ele abandona a linguagem-padrão de “paz e desenvolvimento”, que vigorava desde os anos 90, para conclamar o partido a escalar a militarização e prepará-lo para a “tempestade”.

Em seu discurso, Xi disse que a China oferece à humanidade uma “nova escolha”, ou seja, uma alternativa à democracia ocidental – acusada de “decadente” e “caótica”. Muitos países em desenvolvimento têm mostrado inclinação a se curvar ao regime de Xi à medida que ele se torna ainda mais autocrático e totalitário. O Ocidente tem todas as razões para estar alarmado. Mas não desesperado. A China tem suas fraquezas, e a obsessão por controle de Xi pode agravá-las.

A direção autoritária da economia e da política tende a torná-las menos dinâmicas e criativas. “A vantagem das democracias não é que elas necessariamente escolham os líderes mais sábios e bem-intencionados. Frequentemente fazem o oposto”, advertiu o articulista do Financial Times Martin Wolf. “Mas é possível se opor a eles sem perigo e dispensá-los sem banhos de sangue. Em despotismos pessoais, nada disso é possível. Em despotismos institucionalizados, a dispensa é concebível, como Kruchev descobriu”, escreveu Wolf, referindo-se a Nikita Kruchev, o líder soviético deposto pelo Politburo em 1964.

Isso não significa que as fraquezas do regime de Xi o tornem menos perigoso. Ao contrário. Basta olhar para a Rússia de Vladimir Putin. Os riscos são grandes demais para serem ignorados – a resistência é necessária. Mas a importância da China para o equilíbrio econômico e geopolítico do planeta também é grande demais – a resistência precisa ser temperada com inteligência. As democracias liberais têm o desafio de resistir às suas investidas totalitárias, mas também de competir economicamente com a China e cooperar em interesses comuns (como o meio ambiente ou o terrorismo). Como resumiu a revista The Economist: “Será um equilíbrio difícil de atingir. Mas lidar com a mais poderosa ditadura da história sempre exigirá tanto a força quanto a sabedoria”.

A crise das dívidas trava o crescimento

O Estado de S. Paulo

Famílias muito endividadas são incapazes de consumir o suficiente para ajudar o País a crescer

Dívida nova para pagar dívida velha pode ser uma péssima jogada, mas é uma das soluções encontradas por muitos brasileiros para limpar o nome ou mantê-lo fora da lista de inadimplentes. Enquanto o presidente alardeia sucesso econômico e prosperidade geral da nação, milhões de famílias tentam sobreviver com gastos mínimos, dinheiro escasso e inseguro e endividamento crescente. Muitas têm vendido bens, raspado a conta de poupança ou buscado empréstimos caros para liquidar as contas mais urgentes. O mercado de trabalho está um pouco melhor que no primeiro semestre e, além disso, a transferência oficial de renda, fortalecida na disputa eleitoral, está um pouco mais generosa. Mas essas mudanças foram insuficientes para conter o endividamento e a inadimplência.

A parcela de famílias endividadas cresceu de 79% para 79,3% entre agosto e setembro, segundo pesquisa mensal da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Um ano antes estava em 74%. No caso das famílias com dívidas em atraso, o aumento em um mês foi de 29,6% para 30%. O endividamento se manteve em 75,9% entre as famílias com renda mensal superior a 10 salários mínimos. Entre aquelas com ganho inferior a esse padrão a parcela das endividadas passou de 79,9% para 80,3%, superando pela primeira vez a marca de 80%.

Dívidas de cartões de crédito são de longe as mais numerosas, 85,6% do total. Em segundo lugar aparecem os carnês, com 19,4% do número dos débitos. As mulheres são as pessoas mais endividadas no cartão de crédito e no cheque especial.

A busca de novos empréstimos para cobrir dívidas vencidas ou com vencimento próximo pode ser muito arriscada. É mais difícil obter crédito de grandes bancos, em geral mais cautelosos. Instituições menores podem ser mais acessíveis, mas cobram juros maiores, advertem especialistas do setor financeiro.

O endividamento e as dificuldades de milhões de famílias são um entrave a mais ao consumo e, portanto, ao crescimento econômico. Em agosto as vendas do comércio varejista recuaram 0,1%, acumulando três meses de taxas negativas. Em 12 meses o volume vendido foi 1% menor que no período anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além de baixarem a qualidade de vida, os problemas financeiros das famílias limitam a atividade industrial e retardam o retorno ao desenvolvimento.

Mais que uma iniciativa humanitária de alcance restrito, um esquema de apoio aos endividados, inadimplentes ou em risco de inadimplência pode ser uma ação eficaz de política econômica. Um programa de renegociação com suporte oficial e juros baixos pode ser a resposta, mas, de toda forma, especialistas em finanças têm certamente condições de propor uma solução adequada. Entidades do setor privado têm experiência nessa área. Não haverá solução duradoura sem criação de empregos e elevação dos ganhos familiares, mas acionar a economia para criar empregos será mais difícil, se tantas famílias continuarem com enormes dificuldades para consumir.

 

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