Jefferson faz a coisa errada na hora errada
e lesa Bolsonaro
Valor Econômico
Pesquisas feitas para Bolsonaro já
mostraram que o figurino de comportado ganha mais votos do que o de incendiário
Quem estimula a delinquência política e a
violência, como o presidente Jair Bolsonaro, corre o risco de ser vítima dela.
A recusa do ex-deputado e líder do PTB Roberto Jefferson, de voltar ao regime
fechado e perder a prisão domiciliar, feita à bala e granadas, abriu a semana
decisiva da mais acirrada disputa eleitoral desde a redemocratização. A reação
inesperada colocou Bolsonaro na defensiva em um momento crucial da campanha.
Trata-se menos de destino do que de acaso e é difícil medir a influência sobre o eleitorado dos atos de um político decadente, que já foi aliado de Lula e denunciou o mensalão, e que havia se juntado à tropa de choque do bolsonarismo desde 2018. Suas condutas e gestos extravagantes, antidemocráticos, podem colocá-lo, para alguns, na vala do bizarro e do excêntrico, como uma exceção, circunscrevendo o alcance do desgaste do presidente. Para outros, os gestos de Jefferson são a decorrência lógica e causal da propaganda bolsonarista contra as instituições da República, de sua defesa da liberdade sem qualquer responsabilidade e da pregação pelo armamento irrestrito da população.
Entre radicais e moderados, o presidente
balança. Aos poucos, com um tom menos raivoso, Bolsonaro chegou perto do empate
técnico nas pesquisas eleitorais, das quais desconfia. Sua rejeição caiu um
pouco, embora em ritmo mais lento que a necessidade eleitoral exige, e a
porcentagem dos que avaliam seu governo como ruim e péssimo empatou com os 39%
que o têm como ótimo e bom - sua melhor marca desde sempre no governo. A
moderação presidencial foi acompanhada de uma enxurrada de estímulos fiscais e
parafiscais, para que o ritmo mais aquecido da economia contribuísse para isso.
Bolsonaro, no entanto, não pode e não quer
abandonar seus radicais, que exercem nas redes sociais um papel vital, já
demonstrado na primeira eleição, na qual o candidato não tinha dinheiro nem
tempo de televisão, e é talvez mais influente agora, com fartura de recursos e
de minutos no horário eleitoral. O presidente defendeu o valentão boquirroto
Daniel Silveira, também do PTB, quando fez ataques vis ao Supremo Tribunal
Federal e às instituições democráticas. Condenado pelo Supremo, Silveira foi
indultado por Bolsonaro. Ontem, Silveira comentou: “Eu não tenho como defender
lançar granada em cima de policiais, mas a questão foi o que levou ele a fazer
isso foi um fato muito mais grave”. Ou seja, foi quase legítima defesa contra
Alexandre de Moraes, que preside inquérito ilegal, segundo ele, e que “está
torturando psicologicamente prisioneiros políticos há muito tempo”.
Algo parecido com essa foi a primeira reação
manifesta de Bolsonaro ao incidente. O presidente repudiou as ofensas pavorosas
do ex-deputado contra a ministra Cármen Lúcia e a ação armada, mas também os
inquéritos “sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do Ministério
Público”. Diante da enorme repercussão do caso Jefferson, o presidente disse
depois “que quem atira em policial deve ser tratado como bandido”. Mas orientou
o ministro da Justiça, Anderson Torres, a acompanhar pessoalmente o caso, o que
Torres fez à distância, sem afastar as suspeitas de que o episódio merecera uma
indevida e suspeita deferência especial do governo.
É impossível saber o efeito final do
desvario armado de Jefferson sobre o eleitorado. Pesquisas feitas para
Bolsonaro já mostraram que o figurino de comportado ganha mais votos do que o
de incendiário. A única coisa certa é que a atitude tresloucada de Jefferson
não beneficia o presidente, como mostrou ontem o comportamento sempre
oportunista dos investidores, derrubando as ações e fazendo o dólar disparar.
A estratégia de Bolsonaro, até agora, não
contempla franco-atiradores malucos, que podem prejudicá-lo. Ele convocou seus
apoiadores a se concentrarem frente às urnas até a apuração terminar e seu
partido, o PL, faz campanha para que os bolsonaristas se tornem fiscais
nomeados das eleições no domingo. Os militares fizeram silêncio sobre o que
descobriram (ou não) em sua averiguação da confiabilidade das urnas. Pode haver
muito mais confusão a caminho.
Com a imensa maioria dos eleitores de ambos os lados com decisão de voto já tomada, a disputa será decidida pelos indecisos e abstenções. A conduta aberrante de Jefferson pode ter influência, mas possivelmente aparecerá a conta-gotas nas pesquisas e só será conhecida quando as urnas forem abertas.
O Globo
Ex-parlamentar que recebeu policiais à bala
é personificação dos desvarios do bolsonarismo
A poucos dias do segundo turno, o país
assistiu estarrecido a cenas de agressão e violência inadmissíveis numa
campanha eleitoral. Primeiro, o ex-deputado Roberto Jefferson, aliado de
primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, proferiu em vídeo ofensas à
ministra Cármen Lúcia, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo
Tribunal Federal (STF), por decisões que lhe desagradaram. Depois, numa reação
inacreditável de desafio à lei e à Justiça, recebeu com tiros de fuzil e
granadas policiais federais que foram a sua casa cumprir uma ordem de prisão.
Dois agentes ficaram feridos. Jefferson só se entregou após oito horas de
afronta à Justiça.
Diante do potencial de danos do episódio a sua candidatura numa eleição acirrada, Bolsonaro tentou de todo modo se desvincular do aliado. Condenou a investida contra os policiais e, num esforço patético, chegou a dizer que não havia foto dele com Jefferson — apenas para ser desmentido em instantes pela profusão de imagens dos dois juntos em sites de notícias e redes sociais. Numa decisão que só pode ser entendida como tentativa de usar seu poder para resolver uma questão eleitoralmente incômoda, decidiu enviar ao local o próprio ministro da Justiça, Anderson Torres. Por que, se o caso já era conduzido pela Polícia Federal?
É impossível para Bolsonaro se desvencilhar
dessa ala bolsonarista mais radical — e armada. Condenado no inquérito das
milícias digitais, Jefferson é a personificação dos desvarios do bolsonarismo
levados às últimas consequências: o desafio contumaz à Justiça e às
instituições democráticas, o preconceito e a agressão contra mulheres e
minorias, o incentivo às armas, a difusão de desinformação por milícias
digitais e uma visão peculiar — e absurda — de liberdade que lhe permite reagir
à bala a policiais, como se estivesse num filme de bangue-bangue.
Se Jefferson pode ser considerado um
personagem esdrúxulo, isso não torna o episódio menos preocupante. Tais ideias
estão disseminadas na militância bolsonarista. STF e TSE são alvos
preferenciais — o próprio Bolsonaro já participou de ato em Brasília em que
atacou o Supremo. Tão ágil nas redes sociais, ele levou 48 horas para condenar
os ataques vis a Cármen Lúcia. Só condenou depois das rajadas de tiros do
aliado contra policiais federais, e mesmo assim criticou a Corte. Como se uma
coisa justificasse a outra.
O episódio lamentável também expõe mais uma
vez o erro da política bolsonarista de facilitar o acesso a armas e munições.
Antes do governo Bolsonaro, um cidadão comum não poderia ter fuzis em casa.
Agora pode. Jefferson é defensor tenaz das armas, mas seu registro de
Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) fora suspenso. Como estava em
prisão domiciliar, não poderia manter em casa nenhuma arma, muito menos
granadas, restritas às forças de segurança.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de
Moraes, agiu corretamente mandando Jefferson de volta à prisão. Crimes para
justificar a revogação da prisão domiciliar não faltam. Mas a ida do aliado de
Bolsonaro a Bangu 8 não apazigua o ambiente conflagrado. É preocupante que, a
menos de uma semana do segundo turno, se assista à radicalização da disputa e à
escalada da violência. Mais do que nunca, as instituições precisam ficar
vigilantes. Os tiros disparados por Jefferson resvalam também na democracia.
Concentração de poder em Xi revela fraqueza
do modelo chinês
O Globo
Líder forte traduz ânimo de enfrentar o
Ocidente, mas, sem oxigenação, China dificilmente manterá pujança
A cena do ex-líder chinês Hu Jintao
retirado à força da sessão de encerramento do 20º Congresso do Partido
Comunista da China (PCC) é a prova mais eloquente da consolidação inédita de
poder nas mãos do atual líder do PCC, Xi Jinping. Ao final do encontro, ele não
apenas se consagrou o mandatário chinês mais poderoso desde Mao Tsé-Tung, como
aparelhou as mais altas instâncias partidárias com aliados fiéis que não o
desafiarão. Não há discussão sobre herdeiros ou sucessores. Xi é o
todo-poderoso.
Mas, ao mesmo tempo que sua força, o
congresso também demonstrou suas fraquezas. É compreensível, para quem vê o
mundo de Pequim, supor que o Ocidente está em declínio. A crise das hipotecas
de 2008 deixou um rastro de destruição. Europa, Estados Unidos e América Latina
se tornaram terrenos férteis para populistas. Para não falar na devastação da
Covid-19.
O problema de quem vê apenas decadência nas
democracias ocidentais é subestimar o poder de autocorreção e de inovação das
sociedades livres. No passado, crises foram enfrentadas e vencidas com base na
circulação de ideias. É exatamente isso que Xi sufoca ao tentar manter controle
absoluto sobre o partido e vigilância rigorosa sobre a população. Sem um mínimo
de oxigenação, a sociedade chinesa dificilmente manterá a mesma pujança.
A China vem avançando na produção
científica, mas o conhecimento tecnológico mais avançado ainda é americano ou
pertence a empresas de países democráticos na Europa e na Ásia. Em retaliação
às investidas de Xi, o governo americano acaba de vetar a exportação para a
China de semicondutores avançados produzidos com tecnologia americana (a maior
parte é fabricada na ilha de Taiwan).
A política de Covid Zero, uma das obsessões
de Xi, se revelou um fracasso. O país se nega a importar vacinas mais eficazes
do Ocidente para alimentar o nacionalismo. Apela aos lockdowns por não ter uma
estrutura hospitalar capaz de lidar com a pandemia — e a economia tem pagado o
preço. No front externo, os chineses apoiaram o russo Vladimir Putin em troca
de acesso a petróleo e gás mais baratos, é certo. Porém abriram os olhos de
europeus até então cegos aos riscos de depender de regimes autoritários e despertaram
a retaliação americana.
O principal erro da elite chinesa que dá
sustentação a Xi é achar que pode facilmente derrotar o Ocidente. Não pode.
Primeiro, porque o capitalismo e a democracia têm apoio enraizado em dezenas de
países, Taiwan inclusive. Como mostram os ucranianos diariamente, muitos estão
dispostos a morrer por tais ideais.
Segundo, porque concentrar poder nas mãos de um só líder torna mais difícil a solução de problemas — e a China tem muitos, apesar do crescimento estupendo nas últimas décadas. Por anos, esse crescimento foi base para o apoio popular. Mas agora vem caindo, e apostar numa liderança despótica apenas para enfrentar o Ocidente, de cujo mercado e de cujo conhecimento a economia chinesa ainda depende, é o pior caminho para tentar recuperá-lo.
Escândalo aliado
Folha de S. Paulo
Seguidores escancaram que Jefferson e seu
ato lunático espelham Jair Bolsonaro
Personagem de escândalos de corrupção e
outros episódios degradantes da política nacional ao longo de pelo menos três
décadas, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) aderiu nos últimos
anos às teses e práticas mais extremadas do bolsonarismo.
Nas redes sociais, fazia pronunciamentos
grotescos em que exibia armas de fogo e pregava ataques a magistrados e
instituições. Por essa razão, passou a ser investigado no inquérito do Supremo
Tribunal Federal acerca de uma suposta organização criminosa digital de
inspiração antidemocrática, tendo sua prisão preventiva determinada em agosto
de 2021.
Obteve em janeiro deste ano o direito à
prisão domiciliar, sob a condição de não retomar as atividades políticas. Nunca
levou a regra a sério, como se viu na tentativa frustrada de se lançar
candidato a presidente como linha auxiliar de Jair Bolsonaro (PL).
Na sexta-feira (21), Jefferson surgiu em
vídeo afrontando, com termos vis, a ministra Cármen Lúcia, do STF e do Tribunal
Superior Eleitoral, devido a medidas aplicadas contra a emissora bolsonarista
Jovem Pan. No domingo (23), recebeu com granadas e tiros de fuzil os agentes da
Polícia Federal que o levariam de volta ao cárcere.
O desvario pistoleiro do comparsa, a uma
semana do segundo turno de uma disputa eleitoral acirrada, operou em Bolsonaro
uma notável correção de conduta. Contumaz apologista de armas, subversões e
arruaças, o presidente desta vez se viu forçado a manifestar, de forma trôpega
pela falta de hábito, alguma compostura.
Equilibrou-se entre repudiar publicamente
as falas e balas de Jefferson e, ao mesmo tempo, manter a ofensiva contra o
Judiciário que embala seus seguidores mais fanáticos. Negou pateticamente ter
aparecido em fotos com o petebista celerado e, com mais cálculo, recordou a
participação do hoje aliado no mensalão petista.
Impossível saber neste momento se a
contenção de danos eleitorais de Bolsonaro será bem-sucedida, mas os próprios
militantes da seita bolsonarista a gritar e agredir escancaram que Jefferson e
seu ato lunático espelham o chefe.
Desde o primeiro dia de seu mandato, o
presidente empenha-se em facilitar o acesso a armas e em difundir a tese
doentia segundo a qual a sociedade deve estar pronta para enfrentar à bala uma
delirante ameaça ditatorial.
Ele mesmo ameaçou descumprir decisões judiciais, exibiu-se com armamentos de todos os tipos e falou em fuzilar adversários. Para percorrer a distância da bravata à violência golpista, como se viu no domingo, basta um fanático.
A força do agro
Folha de S. Paulo
Previsão de safra recorde realça avanço do
setor, muito superior ao dos demais
Não é de hoje que o agronegócio destoa do
restante da economia brasileira. Aumento da produtividade e integração com o
mundo o distinguem e alavancam o crescimento em diversas regiões.
Estudo da consultoria LCA mostra que, entre
2019 e 2022, a renda real do setor aumentou quase 30%, um crescimento muito
acima do observado em outros segmentos, que não conseguem superar o quadro de
quase estagnação.
Tal salto decorre da combinação incomum de
preços em alta no exterior dos principais itens produzidos —soja, milho e
proteína animal— com a significativa desvalorização do real no período. O
resultado é o melhor patamar da história para as cotações em moeda local.
O desempenho dependeu, portanto, de
fenômenos externos ao setor, cuja produção pouco aumentou no período recente.
Mesmo assim, as expectativas
para a safra de grãos em 2023 são positivas. A Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) estima alta de 15,3%, com produção de 312,3 milhões de
toneladas, um novo recorde.
Embora diretamente responsável por apenas
8% do Produto Interno Bruto, o agronegócio pode superar os 25% se for
considerada toda a cadeia produtiva —que inclui máquinas, pesquisa e serviços.
Não é por acaso que a renda per capita
cresceu, entre o segundo trimestre de 2022 e o mesmo período do ano passado,
mais de 10% nos principais estados produtores. O Tocantins é o recordista, com
26,1%. A média nacional não deve superar 2% na mesma comparação.
Em prazos mais longos, a disparidade é
ainda mais gritante. Cálculos da MB Associados indicam que, de 2012 até este
ano, o PIB per capita do Centro-Oeste cresceu mais de 10%, ante retração de
4,7% do Brasil em termos agregados.
Todavia o futuro pode ser mais difícil.
Além de mudanças climáticas, são óbvios os riscos oriundos da piora da imagem
do país na questão ambiental. A decisão da União Europeia de não importar
produtos de áreas recentemente desmatadas é um primeiro sinal. Outros embargos
virão, se o governo não mudar sua política.
Parcelas modernas do agronegócio devem
entender que não bastará conter pressões vindas do exterior. É do interesse
nacional tomar a dianteira e viabilizar mecanismos econômicos para garantir a
preservação, o que inclui programas sociais de envergadura para mais de 20
milhões de brasileiros que vivem na Amazônia Legal.
Do contrário, o país desperdiçará sua maior vantagem comparativa.
Do que o bolsonarismo é capaz
O Estado de S. Paulo
O bolsonarismo ameaça o respeito à lei, a integridade das instituições, a liberdade política e a paz social. Se alguém ainda tinha dúvidas, Roberto Jefferson desenhou para o País
O ex-deputado Roberto Jefferson mostrou do
que o bolsonarismo é capaz. Seu ataque a policiais federais que foram a sua
casa para prendê-lo, anteontem, não foi um ato isolado nem fruto de loucura:
foi a consequência natural da escalada retórica violenta e golpista do
presidente Jair Bolsonaro contra as instituições democráticas.
No 7 de Setembro do ano passado, convém
recordar, Bolsonaro declarou que, “qualquer decisão do Alexandre de Moraes,
este presidente não mais cumprirá”, referindo-se ao ministro do Supremo
Tribunal Federal responsável pelo inquérito que apura o financiamento e a
organização de atos bolsonaristas contra a democracia. E acrescentou, em seu
dialeto bronco: “Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”, sugerindo que
resistiria a uma eventual ordem de prisão.
Pois bem: em perfeita sintonia com seu
líder, Roberto Jefferson, que estava em prisão domiciliar no âmbito da ação
penal conduzida por Moraes, decidiu resistir a uma ordem de prisão emitida pelo
ministro – e ainda avisou que o faria em vídeos que postou em redes sociais no
momento em que a ordem estava para ser cumprida. “Eu não vou me entregar. Eu
não vou me entregar porque acho um absurdo. Chega, me cansei de ser vítima de
arbítrio, de abuso. Infelizmente, eu vou enfrentá-los”, declarou Jefferson
enquanto se preparava para atacar os policiais. Ato contínuo, deu mais de 20
tiros nos policiais, ferindo dois deles, e ainda atirou granadas.
É improvável que isso tenha acontecido por
acaso. Ao contrário: Jefferson, como bolsonarista exemplar, parecia ter um
plano meticuloso. Primeiro, usou as redes sociais para violar, de modo
deliberado, os termos de sua prisão domiciliar. Na ocasião, ofendeu a ministra
Cármen Lúcia, do Supremo, porque ela votou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
a favor de decisões que, no entendimento de bolsonaristas, configuram censura.
A estratégia é óbvia: sabendo que a violação de sua prisão domiciliar, de forma
reiterada e insolente, teria resposta da Justiça, Jefferson provavelmente
pretendia caracterizar essa reação como perseguição política e cerceamento da
liberdade de expressão. É o estado da arte do bolsonarismo.
Os acontecimentos de domingo são
gravíssimos em si mesmos, e Jefferson deve ser punido com todo o rigor da lei,
sem qualquer hesitação. Mas o caso não se encerra com o encaminhamento do sr.
Jefferson para a cadeia. Se o aspecto jurídico se limita à punição do
ex-parlamentar, o escândalo político vai muito além.
Bolsonaro, depois de alguma vacilação,
tratou de tentar se desvincular de Jefferson, ciente dos estragos potenciais em
sua campanha, mas sua proximidade com o ex-deputado vai muito além de algumas
fotos dos dois juntos, que o presidente jurava não existirem. Essa proximidade
é a única explicação possível para o fato inaceitável de que Jefferson teve
tratamento privilegiado da Polícia Federal mesmo depois do ataque a tiros e
granadas do ex-deputado contra policiais. Está documentada, em vídeos e
testemunhos, a cordialidade com que Jefferson foi tratado – nem algemas lhe
puseram. Para culminar, a negociação para a rendição de Jefferson contou com a
presença do ministro da Justiça em pessoa, despachado pelo presidente Bolsonaro
para cuidar do caso, como se se tratasse de um preso especialíssimo – e não de
um criminoso comum.
Seja como for, a tentativa de Bolsonaro de
se afastar do caso é inútil. O episódio todo está prenhe de bolsonarismo, em
suas múltiplas dimensões – das quais o uso de armamentos contra agentes da lei
é apenas o mais vistoso. Enquanto o presidente da República, por mero cálculo
político, aparentava abandonar seu aliado fiel, os fanáticos camisas pardas
bolsonaristas nas redes sociais procuravam maneiras de justificar a barbárie,
sempre em nome da defesa da “liberdade” e contra o que o próprio presidente
chamou de “estado ditatorial” promovido pelo Supremo e pelo TSE.
Não há como ignorar. Na Presidência da
República, Jair Bolsonaro é um altíssimo risco para o respeito à lei, para a
integridade das instituições, para a liberdade política e para a paz social. Se
alguém ainda tinha dúvidas, Roberto Jefferson desenhou para o País.
O império de Xi Jinping
O Estado de S. Paulo
Controle do Partido sobre os chineses e o de Xi sobre o Partido cresceram. As democracias precisam resistir à autocracia chinesa, mas também cooperar em interesses comuns
Desde a década de 70, com a morte de Mao
Tsé-tung e a aproximação estratégica aos EUA para conter a URSS, acalentaram-se
esperanças de que a China deixaria para trás seu passado comunista mortífero.
Essas esperanças ganharam força com a gestão do pragmático e eclético Deng
Xiaoping, nos anos 80. Ele introduziu o sistema rotativo no comando do Partido
Comunista e reformas econômicas que melhoraram o padrão de vida dos chineses.
Por um tempo, parecia crível que a China poderia seguir o caminho de outras nações
asiáticas e assimilar valores das democracias liberais. Essas esperanças vinham
se erodindo desde que Xi Jinping assumiu o poder, há 10 anos. A sua coroação no
Congresso do Partido Comunista – que em tese lhe conferiu um novo mandato de
cinco anos, mas na prática deve entronizá-lo vitaliciamente – lançou a pá de
cal.
O Congresso consagrou a ideologia de Xi, a
combinação de um nacionalismo agressivo com a revitalização do ideário
marxista-leninista. Xi esmagou toda dissidência, armou um aparato de censura e
vigilância com tecnologias inimagináveis para Hitler ou Stalin e reverteu as
reformas políticas e econômicas de Deng, fortalecendo o controle do Partido
sobre os chineses e o seu controle sobre o Partido. Externamente, ele tomou de
assalto Hong Kong, intensificou atritos com países vizinhos e no Pacífico,
ampliou as ameaças a Taiwan e, cooptando bilateralmente países em
desenvolvimento por meio de uma mescla de dependência econômica e intimidação
política, aumentou sua influência em organismos multilaterais.
A ideia de “segurança nacional
compreensiva” de Xi se expande para a política, a economia, a cultura, a
tecnologia e as relações internacionais. O relatório do Congresso é o mais
carregado em tintas ideológicas dos últimos 40 anos. Domesticamente, ele enfatiza
o afastamento de princípios de mercado rumo às disciplinas do controle estatal.
Fala-se em alocação “estratégica” de capital humano para o desenvolvimento de
novas tecnologias, ao invés de permitir que esses talentos se movam de acordo
com as oportunidades competitivas do mercado. Externamente, ele abandona a
linguagem-padrão de “paz e desenvolvimento”, que vigorava desde os anos 90,
para conclamar o partido a escalar a militarização e prepará-lo para a
“tempestade”.
Em seu discurso, Xi disse que a China
oferece à humanidade uma “nova escolha”, ou seja, uma alternativa à democracia
ocidental – acusada de “decadente” e “caótica”. Muitos países em
desenvolvimento têm mostrado inclinação a se curvar ao regime de Xi à medida
que ele se torna ainda mais autocrático e totalitário. O Ocidente tem todas as
razões para estar alarmado. Mas não desesperado. A China tem suas fraquezas, e
a obsessão por controle de Xi pode agravá-las.
A direção autoritária da economia e da
política tende a torná-las menos dinâmicas e criativas. “A vantagem das
democracias não é que elas necessariamente escolham os líderes mais sábios e
bem-intencionados. Frequentemente fazem o oposto”, advertiu o articulista
do Financial Times Martin Wolf. “Mas é possível se opor a eles sem
perigo e dispensá-los sem banhos de sangue. Em despotismos pessoais, nada disso
é possível. Em despotismos institucionalizados, a dispensa é concebível, como
Kruchev descobriu”, escreveu Wolf, referindo-se a Nikita Kruchev, o líder
soviético deposto pelo Politburo em 1964.
Isso não significa que as fraquezas do
regime de Xi o tornem menos perigoso. Ao contrário. Basta olhar para a Rússia
de Vladimir Putin. Os riscos são grandes demais para serem ignorados – a
resistência é necessária. Mas a importância da China para o equilíbrio
econômico e geopolítico do planeta também é grande demais – a resistência
precisa ser temperada com inteligência. As democracias liberais têm o desafio
de resistir às suas investidas totalitárias, mas também de competir
economicamente com a China e cooperar em interesses comuns (como o meio
ambiente ou o terrorismo). Como resumiu a revista The Economist: “Será um
equilíbrio difícil de atingir. Mas lidar com a mais poderosa ditadura da
história sempre exigirá tanto a força quanto a sabedoria”.
A crise das dívidas trava o crescimento
O Estado de S. Paulo
Famílias muito endividadas são incapazes de consumir o suficiente para ajudar o País a crescer
Dívida nova para pagar dívida velha pode
ser uma péssima jogada, mas é uma das soluções encontradas por muitos
brasileiros para limpar o nome ou mantê-lo fora da lista de inadimplentes.
Enquanto o presidente alardeia sucesso econômico e prosperidade geral da nação,
milhões de famílias tentam sobreviver com gastos mínimos, dinheiro escasso e
inseguro e endividamento crescente. Muitas têm vendido bens, raspado a conta de
poupança ou buscado empréstimos caros para liquidar as contas mais urgentes. O
mercado de trabalho está um pouco melhor que no primeiro semestre e, além
disso, a transferência oficial de renda, fortalecida na disputa eleitoral, está
um pouco mais generosa. Mas essas mudanças foram insuficientes para conter o
endividamento e a inadimplência.
A parcela de famílias endividadas cresceu de 79% para 79,3% entre agosto
e setembro, segundo pesquisa mensal da Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC). Um ano antes estava em 74%. No
caso das famílias com dívidas em atraso, o aumento em um mês foi de 29,6% para
30%. O endividamento se manteve em 75,9% entre as famílias com renda mensal
superior a 10 salários mínimos. Entre aquelas com ganho inferior a esse padrão
a parcela das endividadas passou de 79,9% para 80,3%, superando pela primeira
vez a marca de 80%.
Dívidas de cartões de crédito são de longe
as mais numerosas, 85,6% do total. Em segundo lugar aparecem os carnês, com
19,4% do número dos débitos. As mulheres são as pessoas mais endividadas no
cartão de crédito e no cheque especial.
A busca de novos empréstimos para cobrir
dívidas vencidas ou com vencimento próximo pode ser muito arriscada. É mais
difícil obter crédito de grandes bancos, em geral mais cautelosos. Instituições
menores podem ser mais acessíveis, mas cobram juros maiores, advertem
especialistas do setor financeiro.
O endividamento e as dificuldades de
milhões de famílias são um entrave a mais ao consumo e, portanto, ao
crescimento econômico. Em agosto as vendas do comércio varejista recuaram 0,1%,
acumulando três meses de taxas negativas. Em 12 meses o volume vendido foi 1%
menor que no período anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Além de baixarem a qualidade de vida, os problemas
financeiros das famílias limitam a atividade industrial e retardam o retorno ao
desenvolvimento.
Mais que uma iniciativa humanitária de
alcance restrito, um esquema de apoio aos endividados, inadimplentes ou em
risco de inadimplência pode ser uma ação eficaz de política econômica. Um
programa de renegociação com suporte oficial e juros baixos pode ser a
resposta, mas, de toda forma, especialistas em finanças têm certamente condições
de propor uma solução adequada. Entidades do setor privado têm experiência
nessa área. Não haverá solução duradoura sem criação de empregos e elevação dos
ganhos familiares, mas acionar a economia para criar empregos será mais
difícil, se tantas famílias continuarem com enormes dificuldades para consumir.
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