terça-feira, 25 de outubro de 2022

Pedro Cafardo - SUS perde R$ 70 bi e está pedindo socorro

Valor Econômico

Copa do Mundo e sucesso econômico caminham juntos

O Sistema Único de Saúde (SUS), conquista civilizatória dos brasileiros e um dos mais importantes programas de assistência universal à saúde do mundo, está pedindo socorro. O sistema foi atingido por subfinanciamento crônico durante o atual governo e acumula mais de 1 milhão de pessoas na fila de procedimentos.

Alguns números sustentam essa informação. A “engenhosa” Emenda Constitucional 95, também conhecida como PEC do Teto de Gastos, retirou R$ 37 bilhões do SUS entre 2018 e 2022. As perdas, somadas às previstas no Orçamento de 2023, alcançam R$ 59,6 bilhões. Além disso, os royalties do petróleo estão sendo desvinculados do setor da saúde e utilizados para amortização da dívida pública desde a EC 109, de 2021. Isso dá uma perda de outros R$ 11 bilhões para o SUS no período, totalizando R$ 70,6 bilhões.

Olhando para esses números, compilados no estudo denominado “Nova Política de Financiamento do SUS”, feito na UFRJ para a Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), e ao mesmo tempo observando os resultados do primeiro turno das eleições, só é possível chegar a uma conclusão: o brasileiro tem memória curtíssima.

Já estaria esquecida, desculpem o termo, a matança de quase 700 mil pessoas durante a pandemia de covid-19. Indivíduos que apoiaram o negacionismo ou se omitiram em meio à fúria governamental austericida do início da pandemia foram eleitos nos quatro cantos do país.

Três exemplos: em Manaus, onde centenas de pessoas morreram, algumas na rua, por falta de tubos de oxigênio, o presidente Jair Bolsonaro (PL), que debochou dos asfixiados, teve 54% dos votos, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 37%. Eduardo Pazuello (PL), ministro da Saúde na época da tragédia de Manaus, foi eleito deputado federal no Rio, com 205 mil votos. No Estado de São Paulo, núcleo da resistência a favor da vacinação, o candidato do governo negacionista teve 42% dos votos para governador no primeiro turno e lidera as pesquisas no segundo. O governador de São Paulo no auge da pandemia, João Doria, que imaginou (pretensiosamente) usar a vacinação como operação de marketing para chegar à Presidência, está isolado e saiu do PSDB e da política.

A cinco dias da eleição, o estudo acadêmico feito pelo Instituto de Economia da UFRJ, coordenado pelo professor Francisco R. Funcia*, mostra a situação precária do SUS e sugere um sistema para financiamento que considere também o caráter estratégico dos gastos/investimentos, dado seu efeito multiplicador e distributivo, com impacto na produtividade do trabalho e na qualidade de vida. Saúde diz respeito a um direito constitucional e sua discussão se mistura com o debate econômico, a decantada austeridade fiscal e o “sacrossanto” teto de gastos.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que os gastos totais com saúde no Brasil atingem 9,6% do PIB, índice próximo ao de países que também contam com acesso universal, como Canadá, Reino Unido, Portugal e Espanha, e acima da média da Europa. Entretanto, há uma diferença: aqui, o gasto público, de 3,9%, representa menos da metade do dispêndio total, enquanto nesses países corresponde a algo entre 70% e 80% (ver tabela acima). O gasto privado, portanto, que atende às classes mais ricas, representa 5,7%. É o Brasil.

Copa e economia

Mudando de assunto, às vésperas da Copa, sem rigor estatístico e com algum humor, lá vão reflexões sobre economia e futebol.

O sucesso do futebol brasileiro muitas vezes coincidiu com bons momentos na economia. Quando o Brasil ganhou sua primeira Copa, em 1958, na Suécia, o país vivia a era JK, de grandes investimentos industriais e da construção de Brasília. Em 1970, uma seleção arrasadora venceu no México - o país, sob ditadura, iniciava o “milagre econômico”. Em 1994, o Brasil ganhou o tetra nos EUA e começava a era do Real, da sonhada baixa inflação. Após 2002, ano do penta (Japão/Coreia), seguiu-se o primeiro governo Lula, que colocou as contas em ordem e deu início a um período de crescimento e distribuição de renda.

Uma exceção ocorreu em 1962, ano do bicampeonato, no Chile, época de convulsões políticas no governo João Goulart, inflação elevada e baixo crescimento. E que seria sucedida por 20 anos de ditadura. Em ocasiões de crise interna, a seleção geralmente vai mal. O exemplo mais eloquente foi o de 2014, o ano dos 7 a 1. Recessão e convulsão interna culminaram com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Vamos domingo eleger o presidente e, no mês que vem, disputar a Copa do Qatar. Uma das candidaturas “sequestrou” a camisa canarinho da seleção e isso não é bom presságio para engajamento nacional. Erros e omissões do atual governo e perspectivas de recessão global indicam que o Brasil manterá o mau desempenho econômico em 2023. Nesse caso, então, perderíamos a Copa? Um incorrigível otimista diria que as coincidências entre futebol e economia ainda têm chance de prevalecer, acreditando em inesperada paz na Europa e euforia global. Também porque a camisa verde e amarela poderá ser resgatada das mãos dos sequestradores, dependendo do resultado da eleição de domingo.

* Com colaboração de Bruno Moretti, Carlos Octávio Ocké-Reis, Erika Aragão, Esther Dweck, Maria Fernanda Cardoso de Melo e Mariana Melo Rodrigo Benevides

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