terça-feira, 25 de outubro de 2022

Rubens Barbosa* - Estratégia Nacional de Segurança (nos EUA)

O Estado de S. Paulo

É chegado o momento de o Brasil considerar a elaboração de documento de Estado, mais abrangente, com ênfase no conceito mais amplo de Segurança

Muitos países anunciam periodicamente a estratégia que suas políticas doméstica e externa devem seguir. O governo de Washington acaba de divulgar a estratégia de segurança nacional, que será seguida em resposta aos desafios do mundo atual. O documento, assinado pelo presidente Joe Biden, define uma visão para o futuro e oferece um roteiro de como os EUA pretendem atingir seus objetivos. Deve ser ressaltado que esse documento se refere à segurança nacional, e não à defesa nacional.

Depois de indicar as prioridades internas para fortalecer a economia, a competitividade e a defesa dos interesses comerciais e estratégicos, a Estratégia Nacional de Segurança (ENS) focaliza as prioridades globais norte-americanas. Entre as áreas de maior interesse dos EUA estão: a contenção da ascensão da China e as ações contra a Rússia, a superação dos desafios globais, como a segurança climática e energética, a pandemia, a biodefesa e a insegurança alimentar. E, ainda, o controle de armamentos e a sua não proliferação, o terrorismo e como exercer influência sobre o estabelecimento de regras sobre tecnologia, segurança cibernética, economia e comércio exterior.

Na parte final está enunciada a estratégia dos EUA por região: “Apoiar a região do Indo-Pacífico (mar do Sul da China) para permanecer aberta e com liberdade; aprofundar a aliança com a Europa; fortalecer a democracia e a prosperidade compartilhada no Hemisfério Ocidental; apoiar a redução das tensões e promover a integração no Oriente Médio; construir uma parceria para o século 21 com a África; manter o Ártico pacífico e proteger o mar, o ar e o espaço”.

No tocante às Américas, as prioridades do governo de Washington se concentram na “expansão das oportunidades econômicas, no fortalecimento da democracia e na construção da segurança com o objetivo de reforçar a estabilidade nacional, regional e global”. “Para tanto, os EUA pretendem interagir com os países da região e ampliar a colaboração multilateral e institucional, além de ajudar no desenvolvimento de iniciativas regionais, o fortalecimento das instituições econômicas regionais, assegurar cadeias de fornecimento, criar emprego com energia limpa, promover a descarbonização, assegurar comércio sustentável e inclusivo, além de promover investimentos que possam aumentar a eficácia da administração pública”. É de notar que o Brasil nem sequer é mencionado explicitamente no documento de estratégia dos EUA.

Imigração, saúde e mudança de clima receberam um tratamento específico. “A questão da imigração, inclusive dos 6 milhões de venezuelanos, deve ser vista como um esforço conjunto para estabilizar as populações que migram e para substituir a migração irregular por fluxos ordenados que podem alimentar o crescimento econômico nos EUA e em toda a região. O governo americano vai perseguir esses esforços conjuntos para assegurar uma atitude justa, organizada e humana para controlar a imigração e implementar a segurança da fronteira norte-americana e proteger os interesses dos EUA”. “Os problemas de saúde em razão da covid e do fornecimento de vacinas merecerão o apoio dos EUA, em especial os países da América Central e do Caribe”. A crise climática está no centro da estratégia americana, que vai “utilizar os esforços de mitigação e adaptação para a recuperação econômica norte-americana e para proteger ecossistemas florestais, inclusive pela promoção do comércio e investimento em energia limpa para alcançar uma meta coletiva de 70% da capacidade instalada para a geração de energia renovável no setor elétrico da região até 2030, além de mobilizar recursos financeiros e outras formas de apoio para promover a conservação da Floresta Amazônica”, referindo-se talvez ao pedido de apoio feito pela Colômbia.

Os EUA deverão “apoiar os países da região para uma governança que responda às necessidades dos cidadãos, defenda os direitos humanos, combata a violência de gênero, a corrupção e proteja contra a interferência externa, inclusive da China, da Rússia e do Irã. Com o apoio das instituições interamericanas e em parceria com a sociedade civil e outros governos, os EUA respaldarão a autodeterminação democrática na Venezuela, em Cuba e na Nicarágua”. O governo de Washington “assistirá os países da região para evitar ameaças à segurança dos EUA por ações internas nos países do hemisfério, ou transnacionais de tráfico de drogas e de pessoas, ou mesmo por ações para se estabelecer na região para ganhos militares ou de inteligência”, menção indireta à China e à Rússia.

No Brasil, desde a década de 90, a cada quatro anos são editados a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa. Esses documentos, coordenados pelo Ministério da Defesa, oferecem uma visão das prioridades do governo de turno do ponto de vista militar, mas não de uma percepção mais abrangente dos interesses do País. É chegado o momento de considerar a elaboração de documento de Estado, mais abrangente, uma grande estratégia, que possa tratar das prioridades domésticas, de defesa e da política externa com ênfase no conceito mais amplo de Segurança, despida dos preconceitos criados pela sua utilização, como doutrina, nos governos de 1964-1985.

*Presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

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