sábado, 5 de novembro de 2022

Carlos Góes - Polarizados em dois Brasis?

O Globo

A narrativa de polarização Sul-Sudeste contra Norte-Nordeste é só um recorte. A realidade é mais desconfortável. Não somos dois Brasis, somos vários

Ao fim do turbulento período eleitoral, fica a impressão de que o Brasil é um país geograficamente dividido. O Norte-Nordeste, mais pobre, seria aquela parte do país que “vota na esquerda” enquanto o Centro-Sul, mais rico, seria a parte que “vota na direita”. Mas é verdade que somos um continente dividido em dois Brasis?

Esse retrato parece intuitivo. Quem já viajou por cidades como São Luís ou Teresina percebe que o nível de renda nessas cidades é sensivelmente mais baixo do que em Florianópolis ou Curitiba.

Há muitos anos, o economista Edmar Bacha cunhou um termo para caracterizar essas diferenças regionais no Brasil: a Belíndia. O Brasil seria uma mistura de Bélgica com Índia.

Embora correto numa primeira aproximação, este recorte acaba ignorando que existe grande variação dentro de regiões, estados e mesmo cidades. Por exemplo: embora na média o Nordeste seja mais pobre que o Sul, há muitas famílias nordestinas mais ricas que famílias sulistas.

Uma solução para ir além das médias é tentar se mergulhar em níveis mais baixos de agregação. Nessa última eleição, movendo-se do nível estadual para o municipal (ou do nível municipal para os bairros) percebe-se que as narrativas de divisões regionais de fato escondem clivagens locais.

Por exemplo, enquanto Bolsonaro teve 55% dos votos dos paulistas, Lula teve 54% dos votos dos paulistanos. Num nível ainda mais granular, observa-se que Lula ganhou primordialmente nas Zonas Sul e Leste da capital paulista — as partes mais pobres — mas também em alguns dos bairros mais ricos, como Pinheiros. Bolsonaro ganhou em alguns bairros ricos, como o Jardim Paulista, mas primordialmente nos bairros de classe média e média baixa.

Essa relação é consistente com o que indicado por pesquisas domiciliares nos últimos dias antes da eleição. Segundo os dados da última pesquisa da Atlas Intel, divulgada dia 22 de outubro, o governo Bolsonaro é reprovado pelos que ganham até R$ 2 mil e por aqueles que ganham mais de R$ 10 mil por mês. E é aprovado pela classe média, que cai entre esses dois limites de renda.

Tais resultados sugerem que nossas clivagens políticas podem ser mais econômicas e sociais que geográficas. E há motivos para crer que isso é verdade.

Alguns anos atrás, eu publiquei, em conjunto com a economista Izabela Karpowicz, do FMI, um artigo sobre a evolução da desigualdade dentro e entre estados brasileiros. Tal artigo traz uma perspectiva regional desagregada — comparando estados em diferentes cortes de suas respectivas distribuições de renda e ajustando pelo custo de vida em diversas regiões do país.

Uma das conclusões mais interessantes é que o Brasil é um país de convergência nos extremos e divergência nas classes médias estaduais.

O que isso quer dizer?

Convergência nos extremos significa dizer que os 5% mais pobres de qualquer estado tendem a estar entre os 5% mais pobres do Brasil. O mesmo vale para os 5% mais ricos: quem está entre os 5% mais ricos de qualquer estado, em geral, também está nos 5% mais ricos do país.

Ao contrário, as classes médias estaduais divergem muito. Por exemplo, um domicílio no meio da distribuição em Alagoas está entre os 30% mais pobres do Brasil. Já um domicílio mediano em Santa Catarina está entre os 30% mais ricos do Brasil.

Como na narrativa eleitoral, olhar para a renda média de estados ou mesmo municípios esconde a variação que existe entre pessoas dentro dessas regiões. Um gaúcho de determinado grupo social possivelmente se identifique mais em seus hábitos e posição política com um maranhense de características similares do que com outro gaúcho de grupo distinto.

Eu não tenho pretensão de tentar explicar as causas das nossas clivagens políticas nesta coluna. Este é um fenômeno complexo, que possivelmente passa não só pela desigualdade estrutural tão característica da sociedade brasileira, mas também por uma miríade de outros fatores. Eu deixo essa questão para sociólogos, historiadores e cientistas políticos.

Mas fica aqui uma lição: a narrativa de polarização Sul-Sudeste contra Norte-Nordeste, seja político e social, é só um recorte específico. Num nível mais granular, a realidade é mais desconfortável. Não somos dois Brasis, somos vários. Na verdade, a polarização mora ao lado.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

É,na cidade de São Paulo Lula vence Bolsonaro,o problema é no interior.