COP27 é última chance para as metas de Paris
O Globo
Para manter aquecimento em 1,5 oC, emissões
têm de cair pela metade até 2030 — cenário tido como inviável
Às vésperas da Conferência das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), que começa amanhã em Sharm el-Sheikh,
no Egito, um relatório da Unesco fez um alerta: grandes geleiras — entre elas
as das Dolomitas, na Itália, dos parques Yosemite e Yellowstone, nos Estados
Unidos, ou do Kilimanjaro, na Tanzânia — desaparecerão até 2050 em consequência
do aquecimento global. Isso acontecerá qualquer que seja o aumento de
temperatura. Trata-se de mais um sinal, entre tantos, das trágicas perdas
impostas pelas mudanças climáticas. A urgência para detê-las estará de novo em
jogo na COP27.
No Acordo de Paris, em 2015, o mundo se comprometeu a agir para limitar o aumento de temperatura até o fim do século a 1,5 oC, em relação ao período pré-industrial. Mas o pacto não vem sendo cumprido, a despeito de todos os sinais de alarme: tempestades devastadoras, secas, incêndios florestais etc. De acordo com o último relatório da ONU, apenas 26 dos 193 signatários do acordo atualizaram suas metas de redução de emissões de gases como prometido. Na prática, os países atingiram 1% das metas projetadas até 2030.
A situação é desalentadora. Não estamos nem
perto de cumprir a meta de 1,5 oC (o mundo já está 1,2 ºC mais quente que no
período pré-industrial). Os compromissos e ações executados até agora
fracassaram e poderão levar a um aumento de temperatura de 2,5 oC até o fim do
século. Isso significa que eventos catastróficos, como as inundações nas
Filipinas no mês passado ou os devastadores furacões na Flórida em setembro, se
tornam mais prováveis. O maior risco é chegar a um ponto sem volta. Para
garantir que o aquecimento se limite ao 1,5 oC pactuado em Paris, as emissões
teriam de cair à metade até 2030. Cenário extremamente improvável num mundo
ainda dependente dos combustíveis fósseis — ou impossível, especialmente quando
se consideram as necessidades dos países pobres.
A COP27 é oportunidade para trazer a
humanidade de volta à rota da sobrevivência. A esta altura, não adianta
discutir os erros ou acertos do Acordo de Paris. É preciso cumpri-lo.
Evidentemente, cortar emissões, abandonar combustíveis fósseis e estimular
energias limpas exige investimentos vultosos, principalmente para os países sem
recursos. Tanto quanto se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas. Até o
fim da década, países em desenvolvimento necessitarão de US$ 340 bilhões anuais
para se adaptar, dez vezes o que receberam em 2020. Nesse contexto, a ajuda dos
países ricos é essencial. Mas só isso não será suficiente. O capital privado
será fundamental, por isso é essencial a regulamentação de um mercado global de
créditos de carbono, mecanismo capaz de destinar os recursos para onde são
necessários.
Com a anunciada presença do presidente
eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP27, o Brasil, que nos últimos quatro
anos relegou o meio ambiente a segundo plano, tem chance de retomar o
protagonismo na área, contribuindo com as negociações e os esforços para
reduzir as emissões. É o que o mundo espera. Será fundamental reativar o Fundo
Amazônia, congelado durante o governo Bolsonaro, para melhorar a fiscalização e
reduzir o desmatamento.
No fim do mês passado, o secretário-geral
da ONU, António Guterres, disse que a janela para cumprir as metas de Paris
está se fechando. A COP27 é uma última oportunidade antes que ela se feche
totalmente.
Omissão de redes sociais lançou sobre TSE
ônus de combater desinformação
O Globo
Para discipliná-las, aperfeiçoar e aprovar
PL das Fake News deveria ser prioridade dos novos congressistas
Nos últimos dias, as principais plataformas
digitais estabeleceram uma cooperação eficaz com o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) para tirar do ar milhares de grupos bolsonaristas que disseminavam
golpismo e desinformação sobre as eleições. Só no WhatsApp, centenas foram
derrubados. Foi a atitude correta, mesmo assim tardia. Os atos golpistas
organizados por meio dessas plataformas demonstram a urgência de mudanças na
lei para torná-las corresponsáveis pelas consequências da informação que nelas
circula. Uma das maiores prioridades dos congressistas que tomarão posse é dar
um basta na negligência que permitiu a profusão de fake news na campanha
eleitoral. Eles deveriam trabalhar de forma célere para aprovar o Projeto de
Lei 2.630/2020, o PL das Fake News, parado na Câmara.
Na ausência de um dispositivo legal
adequado, recaiu sobre o TSE o ônus de coibir a desinformação. As decisões
velozes, tomadas no fragor da guerra digital, por vezes se revelaram exageradas
e raramente foram eficazes. Na campanha do segundo turno, foi preciso impor
regras mais rígidas para que as ordens fossem cumpridas a tempo de deter a
circulação das mentiras.
Findo o segundo turno, enquanto estradas
eram obstruídas por manifestantes golpistas, lives e vídeos pediam intervenção
militar. Indignadas, entidades da sociedade civil reagiram com uma carta aberta
registrando que as plataformas funcionavam “como trampolim para ações
antidemocráticas, obtendo lucro financeiro com esse tipo de conteúdo”.
É verdade que executivos de algumas plataformas
se deram conta da missão cívica a desempenhar e cooperaram para deter o
golpismo, mas a democracia não pode depender de boa vontade. Se foi possível
tirar milhares de grupos do ar no momento crítico, isso só mostra que antes
houve omissão. O novo Congresso precisa tomar medidas para acabar com o corpo
mole que deixou o golpismo florescer.
O PL das Fake News passou por diversas
mudanças desde que começou a tramitar. O texto atual ainda deixa a desejar. É
preciso resgatar conceitos que ficaram pelo caminho, como a necessidade de as
empresas moderarem a publicação de políticos. A campanha eleitoral confirmou
que eles estão entre os maiores difusores de desinformação. Obviamente não se
deve censurar ninguém. Regras de transparência, notificação e recurso devem ser
criadas.
Outro trecho do texto que deve ser resgatado é o que determina a rastreabilidade de conteúdos virais nos aplicativos de mensagem. Como comprovou a mobilização golpista desta semana, as autoridades precisam saber a origem de conteúdos criminosos distribuídos em aplicativos como WhatsApp e Telegram para chegar aos mentores dos crimes. Os desafios para aprovar um PL das Fake News equilibrado e, ao mesmo tempo, duro não podem servir de desculpa para a inação. As plataformas não podem mais seguir faturando em cima da desinformação, obrigando o TSE a enxugar gelo a cada ciclo eleitoral.
Aperfeiçoar a PGR
Folha de S. Paulo
Após omissões de Aras, Lula fará bem se
trabalhar por lista tríplice obrigatória
"Rescaldo indesejável, porém
compreensível." Foram essas
as palavras empregadas por Augusto Aras para qualificar os
bloqueios de rodovias que se seguiram à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) sobre Jair Bolsonaro (PL) na eleição encerrada no domingo (30).
O procurador-geral da República nem pode
argumentar que lhe faltou tempo para escolher adjetivos melhores. Cobrado na
terça (1º) por inúmeros membros do Ministério Público Federal, já na ocasião
insatisfeitos com o silêncio do chefe, Aras resolveu se pronunciar na quinta
(3), durante sessão do Supremo Tribunal Federal.
O procurador-geral da República tem o dever
funcional de saber que a obstrução ilegal de vias públicas significa, na
hipótese mais branda, uma infração de trânsito definida como gravíssima pela
lei.
O episódio, infelizmente, não pode ser
tomado como um deslize pontual. A passagem de Aras pelo cargo a partir de 2019,
atualmente em segundo mandato que se estenderá até setembro do próximo ano, foi
marcada pelo abandono da independência e do espírito combativo esperados do
ocupante.
Em vez disso, o procurador-geral deu
seguidas mostras de fidelidade à conveniência do presidente da República que o
indicou, não por acaso, por duas vezes ao posto. Trata-se de lacuna irreparável
neste final de governo Bolsonaro, mas cumpre agir para que a situação não se
repita no futuro.
Note-se que nada houve de ilegal na
condução de Aras ao comando do MPF. E é compreensível que isso tenha ocorrido:
Bolsonaro, ciente de que não havia nenhuma restrição na lei, ignorou a lista
tríplice de nomes elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da
República e pinçou alguém que não fosse lhe criar incômodos.
A atitude de Bolsonaro não chega a
surpreender. Para quem está no poder, ainda mais alguém longe de possuir uma
visão de estadista, é grande a tentação de silenciar um órgão de investigação e
controle.
Lula terá a oportunidade de encaminhar um
importante aperfeiçoamento institucional, se não apenas escolher um nome da
lista tríplice —como fez, aliás, em seus governos, inaugurando procedimento
seguido por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB)— mas também operar
para que o
Congresso torne o rito obrigatório.
Limita-se mais, dessa maneira, a possibilidade de escolha do presidente da República, que hoje já precisa da ratificação do Senado. Reforça-se a autonomia e a credibilidade do procurador-geral, tornando-o menos suscetível às pressões e interesses do Planalto.
Ainda o vírus
Folha de S. Paulo
Alta do número de casos de Covid-19 reforça
ampliação da cobertura vacinal
Quase três anos após os primeiros casos da
doença terem sido detectados na China, a Covid-19 felizmente já não representa,
hoje, o mesmo flagelo de outrora. Mas a moléstia permanece circulando entre
nós, gerando novas ondas de infecções e deixando em estado de alerta as
autoridades sanitárias.
É o que se verifica atualmente em diversas
partes da Europa, da Ásia e nos Estados Unidos.
Segundo o informe mais recente da
Organização Mundial da Saúde, a média de novos casos tem-se mantido acima do
alto patamar de 300 por 100 mil habitantes na Alemanha, na França e na Itália,
bem como na Coreia do Sul e na Nova Zelândia. Já os EUA vêm liderando com folga
o ranking de mortes.
No Brasil, ainda que numa escala menor, a
variação de diversos
indicadores sugere a chegada de uma nova onda da doença, embora,
graças à vacinação, sem dúvida menor que no passado.
Levantamento do Instituto Todos Pela Saúde
mostra que, no último mês, a taxa de exames positivos para a Covid-19 no país
passou de 3% para 17%. Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro foram os estados
onde o índice apresentou crescimento mais expressivo.
Essa tendência também é corroborada pelo
salto da taxa de reprodução do coronavírus, o chamado Rt, que indica a
velocidade com que a moléstia avança. Do dia 10 de outubro para cá, esse número
passou de 0,68 para 0,91.
Um índice superior a 1 indica que cada 100
infectados, por exemplo, transmitem o vírus para uma quantidade ainda maior de
pessoas.
Ou seja, o número de casos está aumentando,
como mostram as internações em UTI no estado de São Paulo, que, na segunda
metade de outubro, saltaram 46%.
Como não há registro do aparecimento de
novas linhagens mais transmissíveis, a maior circulação de pessoas nas últimas
semanas, em razão do período eleitoral e do crescente retorno do trabalho
presencial, constitui a explicação mais plausível para o aumento.
Independentemente de qualquer hipótese, a
melhor estratégia para lidar com a ameaça rediviva é o reforço da vacinação.
É urgente, portanto, avançar na
administração da terceira dose, crucial para manter elevados os níveis de
proteção. Hoje, o índice encontra-se em 65% do público elegível. Mais
preocupante ainda é a imunização infantil: somente 35% das crianças de 3 a 11
anos completaram o esquema vacinal básico.
Um esforço para elevar mais rapidamente
esses percentuais pode representar um fim de ano mais seguro e tranquilo para a
população.
Falta compromisso de seriedade fiscal
O Estado de S. Paulo
O presidente eleito busca apoio para estourar o teto de gastos com o cumprimento de suas promessas, mas deveria também esclarecer como pretende administrar as contas públicas
Para cumprir promessas de campanha, como o
pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva planeja romper o teto de gastos em seu primeiro ano de governo. Uma
equipe do líder petista negocia no Congresso uma forma legal de violar esse
limite, repetindo uma façanha inscrita no currículo do presidente Jair
Bolsonaro. O estouro fiscal de 2023 está estimado entre R$ 160 bilhões e R$ 200
bilhões, cifra defendida por alguns membros da cúpula petista. Para autorizar a
despesa fora dos padrões, congressistas terão de aprovar uma Proposta de Emenda
à Constituição (PEC), já rotulada como PEC da Transição. Pela regra do teto, o
aumento do gasto orçamentário deve corresponder, no máximo, à inflação do
período anterior. O objetivo formal dessa norma, instituída em 2016, é
disciplinar a expansão real do dispêndio, favorecendo a previsibilidade fiscal
e facilitando o controle da dívida pública.
Atropelada pelo atual presidente, essa
norma já foi apontada como indesejável por seu competidor recém-eleito. Pode-se
defender alguma regra mais funcional que o teto de gastos, mas o futuro chefe
de governo tem evitado essa discussão. A menos de dois meses da posse, ele deve
essa explicação ao mercado, aos analistas econômicos e, mais amplamente, aos
cidadãos de todas as colorações políticas, pagadores de tributos e credores das
atenções do poder público.
Finanças públicas sustentáveis são muito
mais que um detalhe contábil. Dão previsibilidade aos negócios, facilitam o
controle da inflação, favorecem juros baixos e deixam espaço para gastos
especiais em momentos de crise. O presidente eleito e figuras importantes de
sua equipe sabem disso, mas o futuro governo deveria afirmar claramente e
explicitar seu compromisso com a responsabilidade fiscal.
Falta clareza na discussão do projeto
orçamentário de 2023, ainda em tramitação no Congresso. Elaborado pela atual
equipe econômica e subordinado aos interesses eleitorais do atual presidente,
esse projeto, já se sabe, é muito ruim. Seria preciso, em primeiro lugar, rever
e sanear esse documento, tanto quanto possível, e buscar espaço para acomodar
os gastos indispensáveis. Só em seguida se deveria cuidar do rompimento do
teto. Mas a negociação desse ponto já começou, e muito mal.
O Centrão já listou condições para apoiar a
PEC da Transição. Uma exigência seria a manutenção do orçamento secreto, um
esquema abusivo e inconstitucional revelado pelo Estadão. Aceitar essa
imposição será um mau começo para a equipe do presidente eleito. O orçamento
secreto é uma negação indisfarçável da transparência no uso de recursos
públicos. Não são admissíveis emendas sem uma clara indicação da autoria e da
destinação da despesa. Segundo o artigo 37 da Constituição, a publicidade é um
princípio incontornável da administração pública, assim como a legalidade, a
impessoalidade e a moralidade.
Pode-se argumentar a favor de várias
despesas defendidas pelo presidente eleito, como aquelas destinadas a formar
uma rede de proteção social. É o caso do Bolsa Família, substituído muito imperfeitamente
pelo Auxílio Brasil no mandato do atual presidente. Se for restabelecido, como
indicou o presidente eleito, o programa Bolsa Família deverá provavelmente
envolver suas condições originais, como a exigência de escolarização das
crianças e a obrigação de vaciná-las. Esse tipo de apoio vai muito além da
transferência de dinheiro e tem efeitos mais amplos. Mas é preciso, para manter
linhas de ação permanentes, cuidar de sua acomodação permanente no Orçamento.
Essa acomodação é indispensável, também,
quando se estabelecem compromissos duradouros de valorização do salário mínimo
e de atualização da tabela do Imposto de Renda. Ao incluir essas ações em seu
programa, um presidente deve estar preparado para sustentá-las por meio de uma
nova configuração orçamentária. Isso requer um planejamento mais complexo do
que aquele apresentado, até agora, pelo presidente eleito. Ele tem menos de
dois meses, até seu início de mandato, para tornar mais claro seu plano de voo.
Os adultos na sala
O Estado de S. Paulo
Palavras responsáveis de Alckmin, que evitou responsabilizar Bolsonaro pela baderna de golpistas País afora, mostraram a importância de ter ‘adultos na sala’ na hora de dialogar
Enquanto bolsonaristas provocavam desordem
em várias partes do País e se concentravam diante de quartéis para exigir
intervenção militar, tudo sob as bênçãos do ainda presidente da República, Jair
Bolsonaro, a transição de governo começava sem nenhum sobressalto. Isto é,
enquanto os golpistas, liderados pelo sr. Bolsonaro, demonstravam
explicitamente seu inconformismo com a soberana decisão dos eleitores, como
fazem crianças birrentas quando são contrariadas, os adultos deram início às
negociações políticas com vistas a virar a página e seguir adiante.
A rigor, numa democracia, as articulações
para a transição de poder são um acontecimento natural e corriqueiro. O
governante que acaba o mandato e o governante que se prepara para iniciar o seu
trabalham conjuntamente na troca responsável de governo. É uma etapa prevista
na legislação, mas acima de tudo é cuidado com o interesse público. A passagem
de bastão na máquina pública, especialmente no âmbito federal, demanda
planejamento e profissionalismo.
No entanto, com o sr. Bolsonaro, mesmo os
temas institucionais mais triviais adquirem sempre uma nova dinâmica, com
incertezas, inseguranças e atritos. Por isso, por mais que tenha havido algumas
movimentações um tanto esquisitas e absolutamente contrárias ao espírito
democrático, esta semana, com o início da transição, propiciou alívio ao País.
Na sexta-feira, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, formalizou a
nomeação de Geraldo Alckmin como coordenador da equipe de transição do petista
Lula da Silva, o presidente eleito.
Ainda tudo é muito recente e é preciso
acompanhar de perto, sem ingenuidade, mas é inegável, por exemplo, que a
entrevista concedida pelo vice-presidente eleito no Palácio do Planalto, na
quinta-feira passada, representou uma lufada de maturidade e de serenidade que
havia muito não se via no País. Ao longo dos últimos quatro anos, Bolsonaro
valeu-se de todas as ocasiões para criar polêmica, para tensionar o ambiente,
para instigar os adversários, quase sempre num linguajar truculento.
Questionado se, em sua opinião, Bolsonaro
tinha responsabilidade pelos bloqueios e manifestações golpistas que estavam
ocorrendo no País, por ter demorado a se pronunciar sobre o resultado das
eleições, Alckmin, referindo-se ao discurso de Lula ao ser anunciado como
vencedor, respondeu: “Nossa tarefa é unir o Brasil, é trabalhar, é ter uma
agenda de propostas, é melhorar a vida da população e bola para frente. A
transição começou. Agora é fazê-la da melhor maneira possível, em benefício da
população, pautada no interesse público”.
Certamente essas palavras precisarão ser
lembradas muitas vezes. Afinal, não bastam palavras. São necessárias atitudes
responsáveis e, como bem se sabe, o PT tem um alentado histórico de
irresponsabilidade. De toda forma, é de justiça reconhecer: neste momento, o
País precisa exatamente do que o vice-presidente eleito falou.
Desde 2019, os bolsonaristas se esforçaram
em relevar os atritos e as tensões criados por seu líder dizendo que eram
apenas maus modos. Segundo essa versão, seria apenas e tão somente uma
espontaneidade excessiva, que ocasionava, segundo o próprio presidente,
“algumas caneladas” em seus adversários. No entanto, a julgar pela frequência e
pela insistência das agressões, pode-se concluir que nunca foi mera espontaneidade.
Era, na verdade, o método bolsonarista de não governar, de desviar a atenção
dos problemas reais, de gerar engajamento entre os apoiadores.
Por contraste, a atitude de Alckmin
evidencia a importância de ter “adultos na sala” quando é hora de dialogar e negociar.
Crianças mimadas não fazem boa política, pois esta pressupõe serenidade e
capacidade de fazer concessões. Quando Alckmin, provocado por um jornalista,
evitou apontar Bolsonaro como responsável pelas manifestações golpistas País
afora, sinalizou efetiva disposição de fazer o Brasil focar nos assuntos que
realmente importam aos cidadãos – e apostando que, em algum momento, os garotos
birrentos, sem conseguirem chamar a atenção, vão acabar cansando de
choramingar.
Israel democrático em perigo
O Estado de S. Paulo
Ao voltar ao poder com a extrema direita, Bibi promete estabilidade, mas o custo pode ser alto para a democracia
Após 16 meses na oposição, Binyamin
Netanyahu, o primeiro-ministro mais longevo de Israel, deve formar um novo
governo. A coalizão de seu partido conservador com radicais nacionalistas e
ortodoxos pode compor até 65 cadeiras das 120 do Parlamento. Será o governo com
maioria mais ampla em quatro anos – quando o país passou por cinco eleições – e
o mais à direita da história de Israel. Além das habilidades de Bibi, o pleito
testemunha a instabilidade do centro, o descrédito da esquerda, a fragmentação
dos árabes e, sobretudo, a ascensão da extrema direita.
O principal adversário de Bibi foi o atual
premiê Yair Lapid, que há um ano costurou uma coalizão de seu partido centrista
com mais sete partidos, da direita à esquerda, incluindo, pela primeira vez, um
bloco árabe. Na prática, o único fator unificador era o anseio de afastar Bibi.
Mas a popularidade da esquerda, que fundou
Israel e o governou por décadas, tem se deteriorado, especialmente após os
palestinos recusarem um Estado quando lhes foi oferecido e permitirem que Gaza
fosse utilizada como plataforma para atacar israelenses. Os partidos árabes
concorreram separadamente e não ultrapassaram o piso de 3,2% dos votos para
conquistar cadeiras.
Lapid e Bibi disputaram abaixo da linha da
cintura, o primeiro acusando no retorno do último o “fim da democracia”; o
último advertindo que o primeiro representava o “fim do Estado judeu”. Bibi se
apoiou nas reformas que dinamizaram a economia e na sua habilidade em lidar com
grandes potências para se vender como o único capaz de atingir, via força
econômica e militar, o sucesso diplomático apto a garantir a estabilidade e a
segurança de Israel.
Mas, para assegurar a maioria, transigiu
temerariamente com os ultranacionalistas. Ele os convenceu a formar o partido
Sionismo Religioso, que se tornou o terceiro maior no Parlamento. Seu principal
líder, Itamar Ben-Gvir, era até havia pouco um pária, discípulo de Meir Kahane,
cujo movimento antiárabe era tão extremista que foi proscrito do Parlamento e
classificado como terrorista pelos EUA.
Muitos eleitores apostam que Bibi
neutralizará seus parceiros, e possivelmente ele calcula, uma vez no poder,
manobrar nesse sentido, convocando novas eleições para recosturar alianças com
a direita e reduzir a representação dos extremistas. Mas isso não está
garantido. A mensagem dos ultranacionalistas tem ressoado entre israelenses
apreensivos com os conflitos com os palestinos, e sua participação no governo
pode inflamar a insatisfação dos árabes, desencadeando uma espiral de
hostilidades que reforçaria ainda mais essa mensagem.
A coalizão ainda pretende reduzir a
independência do Judiciário, a fim de remover barreiras à anexação de
territórios ocupados – e facilitar a Bibi se desembaraçar de processos de
fraude e corrupção.
O eleitorado parece ter produzido para si um dilema. Ao favorecer o bloco de Bibi com os extremistas, pode ter logrado a estabilidade que ansiava. Mas ela pode lhe custar a deterioração de seu sistema democrático.
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