O Globo
Novo governo tem questões concretas para
resolver bem mais sérias do que a oscilação da bolsa e do dólar
O mercado financeiro gosta de volatilidade. Uma forma de produzir isso é ventilar o nome de um liberal para o comando da economia. Isso eleva as cotações. O nome é depois descartado. As cotações revertem. A preocupação no PT não é com esse tipo de oscilação, mas em procurar um valor para o aumento das despesas, e ao mesmo tempo chegar num acordo interno sobre qual a melhor baliza fiscal para substituir o teto de gastos. O mercado ontem ficou estressado com o nome de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda. O novo governo tem uma lista enorme de desafios reais para enfrentar.
A equipe de transição está mergulhada nas
soluções para o rombo do orçamento. O mais correto do ponto de vista da
segurança jurídica é aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que abra
espaço no Teto de Gastos. Desmoralizado ou não, ele está em vigor e foi
colocado na Constituição. Inicialmente se falou que o valor ideal para englobar
todas as despesas extras a serem feitas para cobrir buracos no Orçamento e
garantir os R$ 600 do Bolsa Família seria R$ 200 bi. Ontem, falava-se no valor
de R$ 100 bi, mesmo número que está na proposta feita por seis especialistas
independentes. Um deles está conversando com o escritório de transição, o
economista Persio Arida. Outro já trabalhou no PT, o economista Bernard Appy.
Nem tudo é orçamento e meta fiscal. Há um
mundo de posições que o novo governo terá que tomar antes mesmo da posse. Nos
dois governos Lula foi feita a reforma da Previdência dos servidores públicos,
mas a proposta de reforma tributária não foi adiante. De lá para cá, houve um
avanço nas discussões da reforma, iniciadas a partir de um projeto feito por
Appy. Seria bom recomeçar desse ponto. Para isso será preciso conversar com
governadores e prefeitos. Na administração Bolsonaro, essa aliança formada
entre Câmara, estados e prefeituras por um novo Imposto sobre Valor Agregado
foi totalmente ignorada. O que o atual governo queria era uma nova CPMF. A
ideia de um imposto sobre dividendos com queda do tributo sobre empresa foi
proposta por todas as campanhas em 2018, e voltou a aparecer em 2022. Tem que
estar dentro de uma reforma tributária e não em fatias como fez o governo
Bolsonaro.
Qualquer problema para a emergência da
educação terá que ser encontrada em um acordo com governadores e prefeitos. O
MEC precisa reassumir seu papel. No atual governo, o MEC é uma balbúrdia. O
conflito com os estados era parte da proposta política de conflito com
terceirização de culpas. Nada pôde ser construído naquele ambiente e mais o
desmonte de órgãos técnicos.
A ideia de um revogaço das normas e
decretos, infralegais, nas áreas do armamentismo e do meio ambiente é
excelente. Mas não é o suficiente. Já há um exército civil armado no Brasil,
com mais armas do que as polícias militares. Eles já se aproveitaram de tudo o
que permanecerá em vigor até o ano que vem. É preciso desarmar o país. Na área
ambiental, o crime cresceu, se fortaleceu, se armou e criou rede. Além das
inúmeras regras impostas pelo governo Bolsonaro, há propostas perigosas no
Congresso.
Na área de energia há uma grande armadilha.
Continuar ou não subsidiando os combustíveis? Custa R$ 52 bilhões a isenção de
impostos federais. Pior: houve recentemente um salto na cotação internacional
de diesel, porque a margem de refino subiu. Os especialistas avaliam que o
preço deve continuar aumentando nas próximas semanas, porque essa margem nunca
esteve tão alta. O subsídio pode ficar cada vez mais caro além de ser o oposto
do que se deve fazer no combate à mudança climática. Por outro lado, reonerar
imediatamente provocaria um salto nos preços dos combustíveis e na inflação.
Na expansão da energia será preciso
resistir à tentação de construir as grandes hidrelétricas na Amazônia. Há um
insistente lobby sobre elas. Mas o presidente eleito deve se lembrar da
conversa que teve no último Acampamento Terra Livre com as lideranças
indígenas, em abril passado. Na parte do encontro que foi a portas fechadas, os
indígenas disseram que não se esqueceram de Belo Monte. A usina afetou
violentamente a vida dos ribeirinhos e os povos indígenas do Xingu. A nova
energia não pode ser produzida à custa da vida das populações locais. Há
problemas reais com o que se preocupar, maiores do que o sobe e desce de
cotações no mercado.
Um comentário:
Exatamente.
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