Valor Econômico
Parecemos mais liberais na economia e nos
costumes do que há 20 anos
O Brasil, graças à enorme diversidade
étnica e cultural, ao racismo que desde sempre é a principal característica
nacional, à ignominiosa desigualdade que separa ricos e pobres e à desafiadora
concentração do poder econômico e, portanto, político, talvez seja o maior
desafio da humanidade em relação ao que se chama de “nação”. Diante de
afirmação aparentemente cáustica, interlocutores indagaram ao colunista: “Se
isso fosse verdadeiro, estaríamos em guerra”. Não estamos?
“O Brasil não é para principiantes”, disse certa vez um de nossos gênios da música, Antônio Carlos Jobim. O compositor, multi-instrumentista, poeta, cantor e maestro era, também, apaixonado por aves e palavras. Adorava gastar seu precioso tempo lendo dicionários. Seu pássaro predileto era o “urubu”, título de um de seus principais álbuns, e outro passatempo era tentar entender o Brasil.
A célebre frase de Jobim, apesar de irônica
e, assim, engraçada, ensejava uma frustração. Por que um país, dono do quinto
maior território do planeta, riquíssimo em recursos naturais, livre de
terremotos, furacões e tsunamis, habitado por mais de 210 milhões de pessoas,
não dá certo? Alguém pode perguntar: “O que é não dar certo?”.
Há várias respostas, mas uma delas, de tão
óbvia, deveria ser objeto de reflexão diária de todos, principalmente, das
elites culturais. Um exemplo de que este país não dá certo está nas
estatísticas referentes às taxas de homicídio registradas anualmente: de cada
100 brasileiros assassinados todo ano, cerca de 80 são negros. Em 2019, no
Estado de Alagoas, apenas uma, em cada 10 pessoas mortas de forma violenta, era
branca.
Se a mera divulgação desses números não
mobiliza as elites (todas, das endinheiradas às intelectuais, culturais,
sindicais e políticas, isto, sem esquecer dos jovens instruídos, habitantes de
bairros de classe média como a Vila Madalena, em São Paulo, sempre mobilizados
para protestar contra proposta de reforma da Previdência ou de privatização de
estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil), é porque este país, tão
distante de tornar-se uma nação, é a própria representação do que não dá certo
neste mundo, vasto mundo.
Uma informação deve ser lembrada a todo o
tempo para que incautos não caiam na armadilha de comparar o racismo e suas
consequências neste país com o que se vê nos Estados Unidos: aqui, os negros
são 56% da população; nos EUA, pouco mais de 13%.
“No Brasil, fazer sucesso é ofensa
pessoal”, declarou Tom Jobim em outra oportunidade. O suposto mau humor do
compositor carioca derivava do assédio moral que críticos de corte nacionalista
faziam à suposta influência do jazz em sua música. Arrancaram-lhe também o coro
quando Jobim cedeu a uma multinacional o direito de usar uma de suas
obras-primas - “Águas de Março” - em campanha publicitária.
“O Brasil tem um enorme passado pela
frente”, escreveu outro gênio brasileiro, o escritor, tradutor e chargista Millôr
Fernandes. A frase define o velho dilema nacional, qual seja, o de ter enorme
dificuldade de avançar para se tornar um país mais moderno, menos arcaico e,
consequentemente, um lugar melhor para se viver para a maioria de seus
habitantes.
Vivemos, ao longo da história, o mito do
eterno retorno, caracterizado por momentos de enorme esperança no futuro do
país e períodos que contrariam profundamente o otimismo dantanho. Com o passar
dos anos, a frustração vai sendo sedimentada de um jeito que o sujeito panglossiano
se torna sinônimo de pessoa desinformada.
Há 20 anos, o cientista político Alberto
Carlos de Almeida tomou decisão corajosa ao testar, por meio de abrangente e
rigorosa pesquisa quantitativa e qualitativa, as teses do extraordinário
antropólogo Roberto DaMatta sobre quem somos nós e o que é este país. É tarefa
árdua compreender o que são a Alemanha e os alemães, a Itália e os italianos, a
França e os franceses, a China, o Japão, a Índia? Bem, faça o mesmo em relação
ao Brasil e estará diante de um dos maiores desafios intelectuais da história
do pensamento humano.
Roberto DaMatta não se intimidou e chegou a
inúmeras conclusões. Carlos de Almeida foi a campo tentar comprovar os achados
de DaMatta e os comprovou. O resultado da pesquisa se transformou no livro “A
Cabeça do Brasileiro” (Record, 2007). No livro, Almeida revela os principais
pontos positivos e negativos das visões de mundo da sociedade brasileira.
“O que nós pensamos sobre o jeitinho, se
passar à frente na fila é considerado pela maioria jeitinho, favor ou
corrupção, se um empregado deve tratar o seu patrão se referindo a ele por
senhor ou por você, se os funcionários de um edifício ou condomínio devem
utilizar o elevador social ou de serviço, se a masturbação é uma prática sexual
aceita ou rejeitada, e ainda se o preconceito de cor ou racial é maior em
relação aos negros ou aos pardos”, conta o autor.
Foram utilizados os dados da contagem da
população feita pelo IBGE em 1996 e a divisão político-administrativa das cinco
regiões, com 26 Estados e o Distrito Federal, 5.507 municípios. Foram sorteados
102 municípios. Do total, 27 foram considerados como estrato certo (auto
representativos) e 75 como não auto representativos. Os municípios da primeira
categoria são as capitais dos Estados. Para reduzir custos, todos os municípios
com até 20 mil habitantes das regiões Norte e Centro-Oeste foram excluídos.
“A pesquisa é monumental. Nunca foi feito
algo parecido”, disse na época Roberto DaMatta. Uma geração depois, a pesquisa
está sendo feito novamente. A cabeça do brasileiro mudou nesse período. “Os
brasileiros parecem agora mais liberais tanto no campo econômico quanto nos
costumes. Mas, esta é apenas uma hipótese com que trabalho”, diz Alberto Carlos
de Almeida.
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