quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Carlos Melo* - O risco político de um erro brutal no comando da economia

Pode ser que Haddad se torne ministro da Fazenda. Alguns dirigentes do PT parecem mais absorvidos pelas eleições de 26 do que preocupados com a difícil tarefa de governar o Brasil

O que vai pelas cabeças da direção do PT, talvez, nem seus membros saibam. Há muito, o partido deixou de ser uma unidade coordenada capaz de submeter suas diversas tendências a objetivos estratégicos. Esses eram os tempos de José Dirceu. Eles se foram.

Conhecendo um pouco da história e da natureza política do partido e do Brasil, não é absurdo concluir que parte expressiva de seus dirigentes esteja, hoje, mais absorvida pelo calendário eleitoral (2026) do que preocupada com a dificílima tarefa que será governar o Brasil após as desventuras em série dos últimos anos.

Suspeito que, mais que simples, haja um raciocínio simplório e pernicioso, cujo fio seria o seguinte: no governo da frente ampla sob Lula, serão potenciais “presidenciáveis” Geraldo Alckmin, Simone Tebet, Flávio Dino e, talvez, Marina Silva. O tempo dirá se o presidente Lula realmente não será candidato a reeleição. Como um organismo que vive para se reproduzir, enxergando a competição, a cultura hegemonista do PT tem feito soar suas sirenes do perigo.

E, assim, por falta de nome com maior recall e visibilidade, setores do partido debruçam-se no desafio de fazer de Fernando Haddad o candidato em 2026. A estratégia não poderia ser mais manjada: a ocupação do mais vistoso espaço no governo, o ressuscitado Ministério da Fazenda. É muito difícil se libertar de vícios adquiridos no movimento estudantil...

Cálculo grosseiro

Tudo depende, é claro, de Lula, mas pode ser que Haddad se torne mesmo ministro da Fazenda: seu nome tem sido plantado nas mais diversas hortas da imprensa e pode, ao final, se consolidar como fato consumado. Em política, tudo pode ser. E os silêncios e sinais de Lula têm colocado oxigênio nesse balão. Mas, parece-me um cálculo grosseiro.

Não se trata de discutir aqui a adequação de Haddad para o cargo, suas qualidades ou defeitos – certamente, sua escolha levaria a custos maiores, dada a desconfiança do mercado financeiro, o que não se dissipará tão cedo. Mas, a não ser que a intenção seja, ao final, queimar seu nome, o fato é que esse tipo de ânsia se configura como aqueles erros crassos que rondam a política e alteram o curso de processos que facilmente poderiam ter sido muito mais amplos e, talvez, eficazes ao final de tudo.

É preciso compreender o quadro que será herdado por Lula: os problemas fiscais e econômicos são inúmeros; a crise no ambiente econômico internacional parece tão certa quanto perniciosa para países como o Brasil. Faltará dinheiro para quase tudo na mesma proporção em que as críticas, até mesmo no campo governista, serão abundantes – o governo sequer começou e elas, as críticas, já surgiram às mancheias.

Fazenda: um manancial de ônus

O mais provável é que a Fazenda venha a se provar um manancial de ônus muito mais vultosos e desgastantes do que geradora de bônus e realizações, pelo menos nos dois primeiros anos.

O raciocínio sustenta-se em várias hipóteses. A mais romântica dá conta de que a fortuna que levou Fernando Henrique Cardoso da Fazenda ao Planalto, em 1994, possa se repetir. Ingenuidade quixotesca. Em 1993-94, o mundo era outro, as condições do país eram outras e a qualidade dos quadros com que FHC pôde dispor– forjados nas ondas mundiais daquelas circunstâncias – também era outra.

Independente da simpatia ou da aversão que o futuro ministro desperte no mercado financeiro, sua sina será de dizer “não” infinitas vezes mais do que poderá dizer “sim” – se é que poderá fazê-lo tão cedo. Inflação, dívida, emprego, recursos escassos, dispendiosas e indispensáveis políticas públicas, o ajuste geral da economia nacional, a crise internacional, o desafio da reforma tributária podem até torná-lo poderoso, mas nem por isso popular com corporações e sociedade em geral.

Em tempos difíceis, só vontade política não resolve

Muito mais inteligente seria definir o nome de quem não possua veleidade política e pretensão eleitoral, deixando ao petista, ao final ungido por Lula, algo mais gratificante e popular – e nem por isso desimportante – como a Saúde ou o Desenvolvimento Regional, por exemplo.

Sim, o próximo governo não pode se limitar à rigidez fiscal. A responsabilidade em relação ao gasto público é condição sine qua non, mas bem longe de suficiente para estes tempos difíceis. A crença de que a simples “vontade política” bastaria é um erro que tem acompanhado a esquerda há séculos. Ao final, Lula poderá cometer um erro comparável à sua sucessão, em 2010.

A herança deixada pelos tempos de postos Ipiranga levará ao desgaste e exigirá sacrifícios e resiliência. O rescaldo dos tsunamis recentes não permitirá comprar popularidade no curto prazo. A fama e a experiência de Lula não parecem casar bem com isso. Nem toda ousadia é genial.

*Carlos Melo, cientista político, professor do Insper.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parece aquelas bancas de supermercado.
A de 'Frios', por exemplo, com seus pratinhos prontos de queijos, mortadelas e presuntos...
A de 'Carlos Melo, com os 'pratinhos' de 'Conhecendo um pouco', 'Suspeito que', 'O mais provável é', 'O raciocínio sustenta-se'...
Que mixórdia!