domingo, 4 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Novo governo precisa de choque de realidade fiscal

O Globo

Se consumada a gastança desenfreada dos planos petistas, Lula terá cometido seu erro mais grave antes da posse

É certo que o presidente Jair Bolsonaro promoveu o desmonte de várias áreas da máquina pública, dos órgãos ambientais à vacinação, das universidades à cultura. A equipe de transição para o novo governo tem se esmerado em usar tal cenário como pretexto para defender toda sorte de despesa, sem nenhum lastro ou sobriedade fiscal.

Urdiu-se uma narrativa em que todo gasto se justifica para resgatar o país da “terra arrasada” a que foi lançado por Bolsonaro. Não se imagine que a preocupação é apenas social, com saúde, educação ou programas de transferência de renda. Nada disso. Estão em curso projetos para repor privilégios à elite do funcionalismo e dar aumentos salariais indiscriminados, recompor fundos setoriais e subsídios, liberar verbas para investimentos de retorno duvidoso e satisfazer grupos de pressão organizados (dos profissionais de enfermagem às empresas de transporte coletivo).

A crença em que existam recursos abundantes para tudo é absurda diante dos fatos e da lógica. Mas não apenas. Se for levada adiante a gastança desenfreada dos planos petistas, será o erro mais grave cometido pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, antes mesmo da posse. E ele será o primeiro a se arrepender — se não agora, com certeza nos primeiros seis meses de governo, quando ficar clara a perda do voto de confiança que recebeu dos setores produtivos, do mercado financeiro e do investidor externo.

O cacife com que Lula foi eleito começou a ser minado pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição apresentada ao Senado na segunda-feira. Ela pede permissão para o governo despender durante quatro anos R$ 198 bilhões acima do teto de gastos, ou perto de 2% do PIB. Se aprovada na forma como está, implicará despesas de R$ 849 bilhões até o fim do mandato de Lula. De longe, é o maior explosivo na bomba fiscal gestada em Brasília. Mas não o único.

Tramita no Congresso uma proposta estapafúrdia para que juízes e procuradores passem a ganhar 5% de aumento automático a cada cinco anos, ao custo de R$ 20 bilhões até 2026. Outro projeto prevê aumento de 18% a todos os servidores do Judiciário (mais R$ 20 bilhões em quatro anos). Na esfera estadual, também há sinal de descontrole. O aumento salarial de 50% para o governador paulista elevará o teto do funcionalismo do estado, criando dispêndios de R$ 6 bilhões até 2026. É provável que outras unidades da Federação tentem seguir o péssimo exemplo de São Paulo.

Noutro front, decisões judiciais têm aumentado a pressão por despesas. Na quinta-feira, a União perdeu no Supremo Tribunal Federal (STF) a ação conhecida como “revisão da vida toda”, que deverá ter impacto negativo anual de R$ 52 bilhões nas já deficitárias contas da Previdência. Enquanto isso, os delírios da equipe de transição preveem aumentar pensões e aposentadorias por invalidez, a um custo que pode beirar R$ 200 bilhões até 2029.

A continuar a corrida maluca por despesas cada vez maiores, o resultado é conhecido. Apenas a PEC da Transição já significaria uma reversão na trajetória positiva do resultado primário. O superávit de 1,4% do PIB previsto para este ano se tornaria um déficit entre 1,4% e 2% em 2023. Haveria maior necessidade de endividamento, com as consequências conhecidas: alta da inflação e dos juros, retração da economia, perda de empregos e renda.

O resultado do PIB do terceiro trimestre já traduz a desaceleração prevista para o ano que vem. O próximo governo e o Congresso podem ajudar a piorar ou melhorar o cenário. É óbvio, mas necessário repetir: não há crescimento sem clima de otimismo, e nada pior que a perspectiva de uma crise fiscal e de descontrole na dívida pública para corroer a confiança dos investidores.

Ainda há tempo para mudar de rota. Na discussão sobre a PEC da Transição, o valor da autorização para gastar acima do teto é o mais importante. É esperado que o Congresso reduza o pedido original. Circula na equipe de transição a percepção de que, com gastos extras entre R$ 135 bilhões e R$ 150 bilhões, seria possível manter a despesa pública em torno de 19% do PIB, patamar equivalente ao de 2022. Como mostrou reportagem do GLOBO, é uma visão otimista demais. Diante do cenário mais desafiador para crescimento e inflação, a folga não passa de R$ 96 bilhões.

As propostas mais sensatas em tramitação, dos senadores tucanos Tasso Jereissati (CE) e Alessandro Vieira (SE), autorizam, respectivamente, gastos de R$ 80 bilhões (sob o teto) e R$ 70 bilhões (acima do teto). Seria o suficiente para o novo governo manter o Bolsa Família em R$ 600, garantir R$ 150 mensais a famílias com crianças de até 6 anos e dar aumento real para o salário mínimo. Revisando o Bolsa Família para combater fraudes e melhorar o foco, sobraria mais dinheiro.

Outro ponto relevante é a regra para as despesas. Ao propor o Bolsa Família fora do teto, o governo eleito enfraquece o arcabouço fiscal vigente antes de apresentar alternativa. Sem limitação, é certo que haverá novos aumentos, e o programa nunca mais estará sujeito a uma regra de gastos. A proposta de Jereissati é mais sensata por prever o aumento do teto para abrigar o excedente das despesas.

Para evitar arrependimentos, o governo eleito precisa abrir mão de promessas menos prementes, como ajuda aos endividados (custo anual de R$ 20 bilhões) ou subsídios a ônibus municipais (R$ 5,5 bilhões). O Congresso precisa jogar no lixo propostas estapafúrdias como o quinquênio para juízes e procuradores, além de ser parcimonioso em qualquer reajuste ou recomposição salarial.

Brasília precisa de um choque de realidade. A PEC apresentada na semana passada dá uma medida da distância entre a percepção dos políticos e os fatos. O Brasil espera que os senadores e deputados façam sua parte para afastar os riscos. A situação fiscal hoje não é desesperadora, mas pode se deteriorar rapidamente. O Brasil terá superávit e, se o novo governo souber conter a gastança na largada, resgatará a confiança, atrairá investimentos, fomentará o crescimento — e certamente terá mais recursos à disposição mais adiante. Lula já fez isso uma vez. Deveria saber fazer de novo.

A ameaça dos juros

Folha de S. Paulo

Dúvidas sobre Lula podem elevar custo da dívida pública e agravar desigualdades

Desde que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reforçou as dúvidas a respeito de seu compromisso com a responsabilidade fiscal, os juros de mercado subiram acentuadamente.

No final de outubro, antes do famigerado discurso em que Lula minimizou os danos econômicos potenciais do desequilíbrio orçamentário, as taxas incorporavam a expectativa de que a Selic, do Banco Central, cairia de 13,75% para 11% ano ao longo de 2023. Tal trajetória ajudaria a manter o ciclo de expansão do Produto Interno Bruto.

A partir daí, o quadro mudou. Em novembro, o mercado credor passou a considerar uma alta da Selic para além de 14% anuais.

Ressalte-se que 3 pontos percentuais a mais no custo da dívida significam um incremento da despesa pública com juros na casa dos R$ 40 bilhões já no próximo ano. Dentro de dois exercícios, o montante passaria dos R$ 80 bilhões —mais do que o que se precisa somar ao Orçamento para garantir o Auxílio Brasil de R$ 600 mensais.

Com sinais de que a chamada PEC da Transição não será aprovada como gostaria o PT (com gastos permanentes de quase R$ 200 bilhões fora do teto de gastos), houve algum arrefecimento nos temores de analistas e investidores.

Entretanto a mensagem é clara. Uma expansão sem cuidado de despesas contribuiria para instabilidade econômica por dois canais. O primeiro, mais óbvio, é o da demanda. A economia brasileira está em expansão que deve chegar aos 3% neste ano, conforme mostraram os dados do PIB.

O desemprego tem caído rapidamente, parece consolidar-se uma recuperação dos salários e acumulam-se dados positivos nos investimentos das empresas, trajetória que precisa ser preservada.

A ânsia do novo governo em abrir espaço para uma infinidade de demandas, das legitimas às oportunistas, parece partir de um diagnóstico de que há terra arrasada na atividade econômica a exigir ampla intervenção do Estado. Trata-se de receita para mais inflação.

Em segundo lugar, a perspectiva de descontrole da dívida eleva rapidamente os riscos no mercado e desvaloriza o real, fatores que também conduzem a mais elevação de preços e de juros.

Por certo há necessidade de aportes no setor social, e a preservação do Auxílio Brasil —embora com ajustes nas regras do programa— pode e deve ser assegurada.

A eficácia do aparato de seguridade estará comprometida, no entanto, se o descontrole orçamentário solapar a retomada em curso. O combate à pobreza será minado sem recuperação do emprego, e a desigualdade de renda tende a se agravar com piora da inflação e alta dos juros pagos aos credores.

Aids renitente

Folha de S. Paulo

Desigualdades e preconceitos tornam mais distante a meta para controle da doença

O novo relatório do Unaids (Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids), lançado na semana passada, aponta que o mundo ainda está longe de tirar a doença da lista de ameaças à saúde pública, meta que a entidade estimava para 2030. O documento e especialistas apontam soluções, no entanto.

Transversalidade nas políticas de governo e de Estado é um dos meios de enfrentar a questão. Associar o acesso à saúde a outras iniciativas, em áreas como moradia e assistência social, jurídica e psicológica, pode ser um caminho.

Deve-se igualmente dissociar o HIV, o vírus, da Aids, a síndrome de imunodeficiência —nem todas as pessoas vivendo com HIV desenvolvem a síndrome, ainda mais quando assegurado o acesso adequado a cuidados preventivos.

No caso brasileiro, investir na educação de jovens de 15 a 24 anos se mostra essencial, dado que é nessa faixa etária que novas infecções pelo HIV têm mais crescido.

O trabalho do Unaids relata, por exemplo, que meninas que permanecem na escola até a conclusão do ensino médio tem até 50% menos risco de infecção pelo HIV.

Ao contrário do que pregam vozes obscurantistas, é vital tratar do tema de saúde sexual e reprodutiva para jovens nas escolas, com materiais adequados para cada idade.

Por aqui, a epidemia de Aids evidencia as desigualdades sociais. Enquanto a proporção de casos entre pessoas brancas diminuiu 9,8% entre 2010 e 2020, entre negros houve um aumento de 12,9%.

A disparidade permanece nos óbitos decorrentes da doença, com queda de 10,6% entre brancos e alta de 10,4% entre negros.

Persiste ainda a discriminação associada ao HIV, que inibe medidas de prevenção e tratamento, em especial para populações-chave como travestis e pessoas trans, gays, profissionais do sexo, pessoas em privação de liberdade e usuários de drogas injetáveis.

Um quarto dos brasileiros vivendo com o vírus não recebe tratamentos antirretrovirais; um estudo do Unaids com 1.784 pessoas soropositivas mostrou que 64% já sofreram algum tipo de discriminação. Cumpre combater o estigma.

Recursos são necessários, obviamente, e a saúde pública padece de subfinanciamento no país. Inexiste solução simples para o problema, e espera-se que o próximo governo seja capaz de levar adiante reformas que permitam direcionar o Orçamento público à prestação dos serviços essenciais.

A grande dúvida sobre a nova direita

O Estado de S. Paulo

A nova direita eleita para o Congresso pretende ser mera extensão do bolsonarismo ou almeja fazer, desde já, uma nova política? Qual será seu compromisso com a Constituição?

Com as eleições deste ano, consolidou-se uma nova configuração políticoideológica no País. Os partidos de esquerda perderam espaço no Congresso e surgiu uma nova direita, que não tem receio de falar de temas e propostas que, até pouco tempo atrás, eram tabu no cenário nacional. São grupos e pessoas que defendem uma política informada por valores tradicionais, postulam políticas públicas com foco nas famílias, têm profundas reservas quanto à ingerência do Estado na vida econômica e social, manifestam especial preocupação com a segurança pública e o combate à corrupção e pleiteiam a manutenção da criminalização do aborto e das drogas.

Mais do que uma estrita coerência de seu pensamento político – por exemplo, algumas bandeiras ligadas a costumes chocam-se com a ideia de interferência mínima do Estado na sociedade –, a nova direita articula-se como resistência às causas consideradas progressistas. Trata-se, em boa medida, de uma rebeldia contra o chamado “politicamente correto”. Por isso, uma das grandes bandeiras da nova direita é a liberdade de expressão. São pessoas profundamente indignadas com restrições que foram se consolidando, em alguns ambientes sociais, a respeito do que seria adequado dizer. Todo esse fenômeno ganhou força com a consolidação da internet e das redes sociais.

O bolsonarismo soube tirar grande proveito eleitoral da virada da população à direita. Após incorporar ao seu discurso político a chamada pauta de costumes e aproximar-se dos evangélicos, Jair Bolsonaro mudou seu patamar eleitoral. Nas diversas eleições para deputado federal até 2010, foi eleito com cerca de 100 mil votos. Em 2014, já com o novo discurso, obteve 460 mil votos. Nas eleições seguintes, em 2018, fundiu essas bandeiras conservadoras com o antipetismo e foi eleito presidente da República.

Se Jair Bolsonaro foi oportunista ao explorar esse novo posicionamento político-ideológico da população, é inequívoco também que o bolsonarismo contribuiu para o sucesso eleitoral dessa nova direita. Mesmo não tendo sido reeleito presidente da República, Jair Bolsonaro foi neste ano importante cabo eleitoral para muitos senadores e deputados federais. E é nessa relação com Jair Bolsonaro que está uma das grandes dúvidas em relação a essa nova direita eleita para o Congresso. Ela pretende ser extensão do bolsonarismo, replicando seus métodos, ou almeja fazer, a partir de agora, uma nova política?

Essa questão pode também ser expressa da seguinte forma: a nova direita está disposta a cumprir a Constituição de 1988? A rigor, trata-se de ponto inegociável. Para participar do jogo democrático, é preciso respeitar as normas constitucionais, em especial, a separação dos Poderes, as garantias fundamentais e o específico papel das Forças Armadas no Estado Democrático de Direito. Sabe-se bem o lado que Jair Bolsonaro escolheu. Toda sua trajetória política está marcada pelo revanchismo contra a Constituição de 1988. Não é à toa sua constante apologia da ditadura militar.

Falar em respeito à Constituição não é remeter a questões teóricas. São pontos muito concretos que estão em jogo. A nova direita vai respeitar incondicionalmente o resultado das eleições? Ou somará vozes na confusão de chamar de “liberdade de expressão” o que é puro golpismo? A nova direita vai respeitar o funcionamento livre e independente do Judiciário? Ou pretende fazer pressão política para achacar o Supremo Tribunal Federal? A nova direita vai permitir que os órgãos de controle investiguem os indícios de crime envolvendo a família Bolsonaro? Ou vai defender a impunidade sob pretexto de paz social?

As eleições legislativas de 2022 mostraram a significativa ressonância que o discurso político mais à direita tem sobre grande parcela da população. Agora, é preciso saber se essa turma é de fato democrática: se é realmente uma nova direita, comprometida com a democracia e as liberdades, ou se é mero disfarce da velha direita, retrógrada e autoritária, incapaz de lidar com quem pensa de forma diferente.

O jornalismo profissional sobrevive

O Estado de S. Paulo

Advertência da ANJ sobre os constrangimentos ao trabalho jornalístico mostra os desafios impostos pelos liberticidas e reafirma a importância da imprensa livre para a democracia

A desmoralização da imprensa profissional foi uma bandeira de campanha do então candidato Jair Bolsonaro em 2018 e se tornou uma política informal de governo após sua posse como presidente da República. Se é verdade que a vida de jornalistas que cobrem o exercício do poder nunca foi cômoda, não há precedentes para o que aconteceu no País nos últimos quatro anos desde pelo menos o fim da ditadura militar.

Quando não o fez pessoalmente, Bolsonaro açulou seus ministros, auxiliares e apoiadores mais radicalizados para ameaçar e agredir jornalistas. Como chefe de governo, o presidente dificultou tanto quanto pôde o exercício da liberdade de imprensa assegurada pela Constituição, seja banalizando a edição de decretos de sigilo, seja autorizando que órgãos da administração federal se esquivassem de determinações da Lei de Acesso à Informação.

Durante o governo Bolsonaro, os ataques a jornalistas e à liberdade de imprensa atingiram escala inaudita. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) bem destacou há poucos dias, durante a cerimônia de entrega do Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2022, que nos últimos quatro anos aumentaram os processos judiciais contra jornalistas por supostos crimes cometidos contra a honra. Trata-se de mais uma forma de constranger o livre exercício de uma profissão que, nunca é demais lembrar, é protegida pela Constituição, regulamentada por lei e orientada por um código de ética muito rigoroso.

A bem da verdade, essa sórdida campanha para desacreditar o trabalho da imprensa – e, assim, minar a confiança dos cidadãos no trabalho dos jornalistas como forma de turvar a compreensão da realidade – não é um problema exclusivo da sociedade brasileira. Diversos países têm lidado com um dos grandes desafios da atual quadra do século 21: o restabelecimento de um consenso social mínimo acerca do que seja fato. A peculiaridade do caso brasileiro é que Bolsonaro, como chefe de Estado e de governo, pôs-se a liderar essa cruzada contra a imprensa profissional enquanto guardiã da verdade factual.

É típico de populistas que flertam abertamente com o autoritarismo atacar as instituições democráticas que, à sua maneira, traçam uma linha muito bem definida entre realidade e ficção. Não surpreende, portanto, que a imprensa profissional, como guardiã dos fatos, tenha sido alçada por Bolsonaro à condição de “inimiga do povo”. O mesmo aconteceu com instâncias do Poder Judiciário, como guardião das leis, e com as universidades, como centros de produção de conhecimento científico.

Essa disrupção provocada por Bolsonaro impôs desafios não apenas ao jornalismo, mas também aos tribunais superiores. No afã de salvaguardar a democracia nesses tempos esquisitos, ministros que devem zelar pelas liberdades garantidas pela Constituição tomaram decisões que, em alguns momentos, acabaram por enfraquecê-las. A liberdade de expressão não é absoluta, como nenhum direito é, mas é preciso ficar atento para que o remédio contra o golpismo não se torne veneno contra a democracia.

A despeito da magnitude de todos os ataques que sofreu, o jornalismo profissional resistiu e mostrou seu inestimável valor para a construção de uma sociedade mais bem informada e, consequentemente, mais livre e participativa. Todo o descalabro do governo Bolsonaro só veio à luz pelo incansável trabalho de jornalistas que não se intimidaram e desafiaram as barreiras que foram erguidas para dificultar o exercício da profissão.

Este jornal manteve a sociedade bem informada durante um governo que se notabilizou, entre outras razões, por sua recalcitrante hostilidade à imprensa profissional. A revelação de casos como o das “rachadinhas” da família Bolsonaro, o famigerado “orçamento secreto”, “os pastores do MEC” (esquema de corrupção montado no Ministério da Educação), entre tantas outras reportagens, deram ao Estadão papel de destaque no trabalho da imprensa de lançar luz onde o governo Bolsonaro queria que prevalecesse a sombra.

Em menos de um mês, Bolsonaro deixará o poder. Já a imprensa profissional seguirá onde sempre esteve: a serviço da sociedade, publicando as informações que apura com técnica, rigor ético e espírito público.l

Balbúrdia orçamentária

O Estado de S. Paulo

Ao desbloquear e bloquear verbas das federais no mesmo dia, governo mostra inaceitável inépcia

O governo do presidente Jair Bolsonaro chega à sua reta final em meio a uma profunda crise orçamentária. Falta dinheiro até para despesas obrigatórias, o que tem levado o Ministério da Economia

e a Casa Civil da Presidência da República a buscar alternativas que permitam fechar as contas. Em todo o País, órgãos federais se veem forçados a suspender atividades ou a fazer malabarismos diante da falta de recursos, em uma situação que é particularmente dramática na educação.

Foi nesse contexto de cofres esvaziados que o atual governo protagonizou, na última quinta-feira, mais uma cena insólita até mesmo para quem já se acostumou à rotina de desmandos: como noticiou o

Estadão, verbas de universidades e institutos federais que haviam sido bloqueadas no início da semana foram liberadas, mas retidas novamente poucas horas depois. O valor inicialmente desbloqueado superava R$ 340 milhões: dinheiro para pagar contas de luz, bolsas para estudantes e serviços terceirizados de limpeza e segurança, entre outros.

Eis o retrato de como as finanças nacionais vêm sendo gerenciadas por um governo que, não custa lembrar, prometia modernizar a máquina pública e promover um salto de qualidade na administração federal. Pois bem, o que se vê neste último mês de mandato do atual presidente da República, ele próprio ausente das lides diárias do cargo desde que foi derrotado nas urnas, é aquilo que o senso comum costuma chamar de “clima de fim de feira”.

Enquanto tentava a reeleição, Bolsonaro pôs o Orçamento da União a serviço de seu projeto político pessoal, ignorando os mais elementares princípios que devem nortear o gasto público. Agora, sem recursos em caixa, o descontrole chegou a tal ponto que a administração do País fica parecendo mais uma quitanda. Diga-se, porém, que tal comparação talvez não seja justa, considerando que quitandas têm de ser bem administradas − do contrário, quebram.

Ora, as universidades e os institutos federais são um patrimônio do Brasil. Estão presentes nos 26 Estados e no Distrito Federal, promovendo ensino e pesquisa que servem de referência no País. Sem falar nas atividades de extensão e nos hospitais universitários. Ao longo do governo Bolsonaro, essa valorosa rede de instituições federais foi não só deixada de lado, mas permanentemente confrontada. A duras penas, resistiu.

Como se sabe, as universidades e os institutos federais são unidades complexas que empregam e atendem milhares de professores, servidores técnico-administrativos, estudantes e pesquisadores. Cada unidade tem contratos e convênios a honrar. Como gerenciar e planejar ações em meio aos constantes bloqueios de verbas? Imagine-se a situação de reitores e pró-reitores que viram o desbloqueio de recursos na última quinta-feira, mas, antes mesmo que pudessem dispor das verbas, perceberam que seus orçamentos estavam novamente travados. Nada de bom há de se produzir assim. À penúria do caixa federal neste último mês de governo Bolsonaro somam-se a falta de transparência e a incrível inépcia administrativa, inaceitável num País que se pretende sério.

 

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