domingo, 4 de dezembro de 2022

Bernardo Mello Franco - A conciliação e seus descontentes

O Globo

Apoio do PT a Lira abre primeira divergência na aliança que elegeu Lula

acordo do PT com Arthur Lira abriu a primeira divergência entre os partidos que apoiaram Lula. A bancada do PSOL avisou que votará contra a reeleição do presidente da Câmara. Deve apresentar uma candidatura de protesto e renovar as críticas ao Centrão e ao orçamento secreto.

Eleito por uma frente ampla, Lula já começou a fazer concessões. Em nome da chamada governabilidade, desistiu de peitar o principal aliado de Jair Bolsonaro no Congresso. Ao mesmo tempo, negocia a distribuição de ministérios para siglas com as quais não tem nenhuma afinidade ideológica, como PSD e União Brasil.

O presidente eleito é conhecido pelo pragmatismo. Em 2002, amaciou o discurso econômico para vencer resistências no empresariado e no mercado financeiro. Vinte anos depois, tende a repetir o movimento na direção de ruralistas, evangélicos e militares.

A conciliação deve render frutos, mas também produzirá seus descontentes. No primeiro mandato lulista, eles se entrincheiraram na esquerda do PT. O partido chegou a promover um expurgo: expulsou quatro parlamentares que votaram contra a reforma da Previdência. Na época, os rebeldes se organizaram para fundar o PSOL. Agora a sigla encabeça a resistência ao acordo com o Centrão.

“Lira exerceu um péssimo papel na presidência da Câmara. Mudou o regimento para dificultar a participação das minorias e, em certas ocasiões, foi mais cruel com o povo do que o próprio Bolsonaro. É inaceitável apoiá-lo em nome de uma preocupação com a governabilidade”, critica a deputada Luiza Erundina, reeleita para o sétimo mandato.

Passadas as eleições para a cúpula do Congresso, deverão surgir novos atritos em torno da política econômica, da relação com o funcionalismo e da política agrária. O PSOL abriu mão de lançar candidato à Presidência para apoiar Lula no primeiro turno, mas ainda não decidiu se participará oficialmente do novo governo. O martelo deverá ser batido em reunião no dia 17.

 “O PSOL vai defender o mandato de Lula com todo o empenho, desde a posse. Isso não significará chancela a todas as ações do governo”, avisa o deputado eleito Chico Alencar. Na visão dele, o desafio é encontrar o equilíbrio entre a adesão cega e a crítica gratuita. “Não devemos fazer oposição, mas também não podemos abrir mão de fazer pressão à esquerda, sem sectarismo”, defende.

Embora participe da transição, o PSOL está dividido sobre a ocupação de cargos na Esplanada. Isso não ocorre por falta de candidatos. A deputada eleita Sonia Guajajara é a favorita para assumir o novo Ministério dos Povos Originários. Campeão de votos em São Paulo, o deputado eleito Guilherme Boulos é cotado para o Ministério das Cidades.

“Sabemos que 2023 será diferente de 2003, quando ainda não havia uma extrema direita organizada no país. Mas entendo que o PSOL vai colaborar mais se mantiver a independência para enfrentar o golpismo e o fisiologismo do Centrão”, sustenta a deputada reeleita Fernanda Melchionna.

Mesmo que o partido decida entrar no governo, Lula pode se preparar para ouvir cobranças à esquerda. “Haverá, na próxima legislatura, uma minoria de grilos falantes”, promete Chico Alencar. “Mesmo sem chance de sucesso, alertaremos sempre sobre certos princípios que o pragmatismo vigente não deveria desconhecer”.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lembro bem da dissidência que gerou o PSOL.