O Globo
Presidente praticou políticas responsáveis,
ortodoxas, no primeiro mandato por medo da reação dos meios econômicos
O presidente Lula considera uma bobagem esse
negócio de Banco Central independente. Diz que o sistema não está funcionando
porque a meta de inflação é muito baixa, a inflação real está elevada e os
juros muito altos. Arremata dizendo que, no tempo do seu primeiro governo, o BC
não era independente e conseguiu derrubar inflação e juros.
Confusão danada.
Começando pelo fim: o Banco Central nos dois primeiros mandatos de Lula, de fato, não tinha autonomia ou independência formal. Mas Henrique Meirelles, então um deputado tucano e ex-presidente mundial do Bank of Boston, só aceitou o convite de Lula para assumir o BC porque teve plena independência. Lula prometeu e cumpriu.
Meirelles, também sustentado pelo então
poderoso ministro da Fazenda, Antonio Palocci, escolheu sua diretoria e
administrou a política monetária segundo a teoria e a prática de um banco
central moderno.
Quando Palocci caiu, Guido Mantega assumiu
a Fazenda e tentou derrubar Meirelles. Queria colocar no lugar Luiz Gonzaga
Belluzzo, da Unicamp, com propostas opostas às de Meirelles. Quase conseguiu.
Preocupado com a reação dos mercados e dos operadores da economia real, Lula
manteve o ex-banqueiro.
Desfazendo a primeira confusão: Lula
reclama hoje da independência, legal, do BC e argumenta que no tempo dele
funcionou bem... com independência. Só que era uma independência na prática,
concedida pelo presidente. Assim como fora na época de FH.
Essa independência era uma fragilidade,
demonstrada na gestão de Dilma. A presidente interferiu direto na política
monetária, ordenando uma redução de juros quando não havia condições para isso
— que veio a dar na inacreditável combinação de inflação alta, juros altos e
recessão.
Provou por que o BC deve ser independente.
Fica imune às políticas eleitoreiras e/ou populistas do governante de plantão.
A lei de independência do BC brasileiro foi votada pelo Congresso em 2021. Determina
que o BC deve perseguir a meta de inflação, definida pelo Conselho Monetário
Nacional, e fixa o mandato dos diretores do banco. O atual presidente do BC,
Roberto Campos Neto, tem mandato até dezembro de 2024, para cumprir metas já
fixadas.
Mas a confusão armada por Lula começa em
outro ponto da política econômica, o estado das contas públicas. O presidente
ataca o teto de gastos e a exigência de responsabilidade fiscal, diz que os
fiscalistas são contra os gastos sociais e, logo em seguida, assegura que seu
primeiro governo praticou a responsabilidade fiscal. Este último ponto é
verdade. Por influência de Palocci e Meirelles, Lula cumpriu a Lei de
Responsabilidade Fiscal, entregando superávits elevados todos os anos.
Repararam? Lula está invocando seu passado
responsável — de respeito à autonomia do BC e produção de superávits fiscais —
para rechaçar qualquer regra nesses itens. Só que agora é para tolerar uma
inflação mais alta, BC à parte, e obter uma licença para gastar e produzir
déficits elevados.
O que está por trás dessa confusão?
É que o Lula do primeiro governo não era o
verdadeiro. Ele praticou políticas responsáveis, ortodoxas, por medo da reação
dos meios econômicos. Tanto que começou a mudar a postura no segundo mandato,
quando se sentiu mais seguro. Tudo considerado, Dilma foi o verdadeiro Lula,
com a gastança do governo, suas estatais e seus bancos.
É o que Lula quer reviver, mas as
circunstâncias mudaram. No primeiro governo, Lula recebeu a casa arrumada e um
presente da globalização: o mundo todo em crescimento, com a onda das
commodities trazendo dólares ao Brasil.
Agora, o mundo desacelera, os juros são
altos para combater a inflação. Aqui também. Por isso Lula não precisa reclamar
da meta de inflação. A inflação real que atinge os mais pobres já está bem
acima da meta.
Pode apostar: vai sobrar para o BC
independente.
4 comentários:
"O que está por trás dessa confusão?"
O imbecil sardento e sarnento de sempre, sempre batendo na mesma tecla anti-lula
Artigo espetacular!
Tem um anônimo que além de ser ignorante em economia ainda é desrespeitoso. E para ciência do amigo petista, ninguém precisa gostar do maior corrupto da humanidade, muito menos é abrigado a apoiá-lo. Abertura à divergência e respeito às opiniões alheias não custa nada e é o primeiro princípio da civilidade, essência da construção social.
Carácoles!
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